Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Enfrentar o racismo para que o povo se reconheça na imprensa

(Foto: Filipe Araujo/Fotos Públicas)

Passado um mês desde que as manifestações organizadas pelo movimento Black Lives Matter tomaram os Estados Unidos e influenciaram a agenda da imprensa e dos movimentos sociais ao redor do mundo, já podemos falar sobre alguns impactos gerados pela pressão do público sobre os veículos para que as pautas raciais fossem produzidas ouvindo especialistas negros/as e que também fossem comentadas por jornalistas negros/as e isso não era tudo.

O assassinato do estadunidense George Floyd no final de maio deste ano reacendeu o debate sobre violência policial e violência racial e os protestos que se seguiram se espalharam pelo mundo, refletindo a insatisfação e a revolta com um sistema policial que é dirigido mais violentamente para a população negra ao redor do globo. No Brasil, os protestos foram maiores em São Paulo e no Rio de Janeiro, que ostenta a marca de 17 assassinatos de crianças e jovens negros/as apenas neste ano.

Em plena pandemia provocada pelo Coronavírus, a atenção do público nas redes e nas telas de TV se voltou para a pauta que, no caso brasileiro, ajuda a reacender o debate sobre o racismo e é este o ponto de onde seguimos nossa análise. Como resultado do clamor do público, o canal GloboNews produziu uma edição especial do programa Em Pauta apenas com jornalistas negras/os. A repercussão foi tão grande que a edição foi exibida no horário do Globo Repórter, com comentários da jornalista Glória Maria, na TV Globo.

A CNN Brasil também lançou mão de seus apresentadores e analistas negros para analisar, comentar e debater as pautas que surgiram no período e convidaram especialistas, estudiosos para participar das edições de seus telejornais, aumentando a presença negra na grade do canal ao longo dos dias do início do mês de junho.

Algumas pequenas mudanças permaneceram nos canais citados, porém, é visível que os/as jornalistas que protagonizaram os episódios narrados acima fazem parte do pequeno contingente de profissionais pretos/as da linha de frente desses canais e representam uma minoria bastante percebida no dia a dia e na extensa programação dos canais. A realidade se repete tanto na TV a cabo como na TV aberta.

A grande verdade é que ainda é necessário trabalhar na cultura das empresas de comunicação do país, promover alterações nos processos seletivos e repensar a estratégia do vídeo. A população negra representa mais da metade do contingente nacional e, para além dos dados estatísticos, há um grupo cada vez mais informado, consumidor e ativo nos movimentos dentro e fora das redes sociais.

Costumo defender a inclusão de disciplina específica para tratar as relações raciais nos cursos de comunicação brasileiros. A iniciativa deveria alcançar todos os processos formativos em solo brasileiro, mas é pertinente que os cursos que formam para a produção da comunicação de massa, seja ela jornalística, publicitária ou audiovisual, revisitem os pilares que fundamentam as relações sociais no Brasil.

O desafio de ir além de programas especiais ou pautas relacionadas à temática racial está posto para o ambiente da comunicação no Brasil e a imprensa vai precisar correr atrás de anos de invisibilidade e de pautas que reforçaram o papel subalterno e marginal do povo negro neste país.

Estamos diante de um momento histórico em que empresas jornalísticas, agências de publicidade, produtoras de audiovisual estão sendo convidados a rever suas práticas estabelecidas e estruturadas no racismo para que se conheça o povo brasileiro e para que este mesmo povo se veja na TV, nos jornais, nas propagandas, nas novelas, séries e no cinema.

***

Diego Francisco é jornalista, mestre em Relações Étnico-Raciais e doutorando em Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.