Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lula, Pilatos, o diploma de jornalismo e o decreto

Após uns 75 dias de prolongada e absoluta embromação, o governo Lula se decidiu por publicar o decreto que convoca a I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

O fato de ter demorado tanto para que fosse convocada a primeira, demonstra a proporção das forças que estão atuando por detrás dos bastidores, no sentido de impedir qualquer milímetro sequer na direção da democratização da comunicação. Daí, empurrar uma decisão tão simples, com a barriga.

No setor da saúde, já foram realizadas treze conferências, com caráter deliberativo. Em função do estado atual do sistema público e da selvageria do sistema privado, tiveram resultados pífios. Mero processo de catarse coletiva, com objetivo apenas de se discutir tudo e resolver não fazer coisa alguma do que for deliberado. Reduz a possibilidade de convulsões sociais, num processo teatral em que muitos se sentem verdadeiramente empoderados para decidir o destino da nação. Com direito a um turismo patrocinado pelo Estado. Talvez possamos mensurar algo de positivo em tudo isto daqui a algumas décadas, quando, talvez, estivermos colhendo resultados da conscientização por ele provocada. O pior de tudo: do jeito em que as coisas estão, isto é um avanço!

O notável Altamiro Borges analisa o cenário do decreto da Confecom anunciado no Fórum Social Mundial, em janeiro, dentro do artigo ‘Conferência de Comunicação gera disputas’ [ http://altamiroborges.blogspot.com/2009/03/conferencia-de-comunicacao-gera.html ]

Analfabetos políticos

Miro é um dos raríssimos jornalistas lúcidos e ousados o suficiente para afirmar que estamos numa ditadura da mídia [http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=26080]

Aliás, caso alguém conheça uma escola de comunicação que ensine tal coisa aos seus alunos, eu gostaria de saber, para demonstrar amplamente que, mesmo sobre este assunto, tão delicado para o poder econômico, ainda é possível alguma permissão para se dizer a verdade. Se não houver, constataremos estar mais distantes do paraíso ainda.

Ao que tudo indica, apesar da ousadia e idealismo dos participantes, este assunto também não foi abordado com a devida ênfase no Encontro do Fórum Nacional de Professores de Comunicação, realizado este fim de semana em Belo Horizonte. Nem poderia ser. Afinal, o sistema de ensino de um Estado privatizado pela minoria deve fortalecer ideologicamente o interesse dos poderosos.

A cobertura do evento foi realizada pela Revista PQN, Rede Abraço de Rádios e Rádio FAE da UFMG se encontra em www.pqn.com.br. PQN é Pão de Queijo Notícias. Uma revista com sabor mineiro para nutrir comunicadores do Brasil inteiro.

Este quadro nos demonstra que jornalistas e seus mestres têm muita dificuldade para enfocar a luta de classes que ocorre na sociedade brasileira e planetária, em todos os setores, bem como no setor que deveriam pesquisar, ensinar e aprender. Talvez o termo mais adequado seja ‘derrota de classe’ que propriamente uma luta… Seus alunos recebem o diploma, mas permanecem acreditando que estamos numa democracia de fato, quando se trata apenas de uma de direito; que a República não é uma Reparticular; e que o Brasil é uma federação, e não um Estado unitário.

Sociólogos, historiadores, filósofos, psicólogos, jornalistas e todos os demais profissionais de nível universitário geralmente são incapazes de questionar uma letra da realidade que os cerca, tornando-se meros autômatos para abastecer a engrenagem de uma empresa capitalista e satisfazer egoisticamente seus interesses materialistas particulares, apesar das santas, benditas, honrosas, extremamente espetaculares e quase inexistentes exceções. Analfabetos políticos, como diria Bertolt Brecht. [http://prod.midiaindependente.org/pt/red/2009/04/445051.shtml; http://www.consciencia.net/2004/mes/01/brecht-analfabeto.html ]

Deixando o pepino para depois

O diploma, então, se torna mera garantia de que o profissional foi treinado tacitamente, durante anos, para reduzir, ao máximo, a possibilidade de fazer algo que prejudique o interesse dos senhores do Estado, do sistema de ensino e da mídia. O poder do profissional isolado e da categoria como um todo é absurdamente fraco em relação à potência do patrão ou da classe empresarial em despedi-lo, colocá-lo numa lista para que ninguém jamais o admita, caso respeite os mais elementares princípios da ética. Então, ele é obrigado a fazer tudo que Perseu Abramo condena na grande imprensa, sem que seja preparado para lutar contra isto pela escola que o diplomou. [http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=55 ]

O poder dos movimentos sociais segue o mesmo padrão, em geral e no caso específico da Confecom, em relação ao dos financiadores de campanha eleitoral dos políticos e aliciadores de funcionários públicos. Lobbyists, para os súditos idiomáticos do maior país terrorista da face da Terra.

Com o Estado oligárquico e autoritário (Marilena Chauí), os presidentes sendo meros motoristas da elite (Dom Mauro Moreli e João Pedro Stédile) e 74% de analfabetos e semianalfabetos, não poderia ser diferente… O presidente de uma república das bananas e dos bananas seria totalmente louco caso ousasse mais que um decreto jogando o problema real para quem já acredita que a democratização da comunicação já está sendo feita e que a Confecom é absolutamente desnecessária. [http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=530IPB002 ]

Como Pilatos, Lula lavou suas mãos e assinou um decreto de uma simplicidade franciscana, que seus assessores precisaram de dois meses e meio para escrever, deixando o pepino para o ministro da Globo e da Abert – Associação Brasileira de Radio e Televisão resolver o resto com a sociedade. O ‘como’.

Entregando o ouro aos bandidos

Coincidentemente, isto ocorre uma semana após a confraternização do ex-operário com os empresários do setor, dia 08/04, quando, em paralelo, a Anatel – Agência Nacional de Comunicação destruía toneladas de equipamentos adquiridos com a poupança popular e seqüestrados das rádios comunitárias.

O Encontro Nacional de Comunicadores (sobre educação) foi realizado numa parceria entre o Ministério da Educação e a associação das emissoras comerciais. [http://www.abert.org.br/novosite/clipping/clipping_resultados.cfm?cod=124093 ]

Até o momento, não obtive uma única informação que contrarie a impressão que tenho de que ele excluiu conveniente as emissoras educativas, universitárias, legislativas e comunitárias. Mas será criado canal direto dos radiodifusores com o ministro da Educação repassando, teoricamente sem censura, os questionamentos de seus ouvintes e telespectadores. Mas continuo aguardando… [http://www.abert.org.br/novosite/primeira_pagina/comunicadoresnac.cfm]

Não obstante, há uma diferença fundamental entre Lula e Pilatos: enquanto este deixou a decisão por conta do povo, o outro entregou o ouro para os bandidos, ou melhor, para um legítimo representante da elite do poder econômico que lhe financiou a campanha. O próprio pesquisador que empresta seu nome para a fundação do PT concluiu que a grande imprensa é inimiga do povo brasileiro e do jornalismo, coisa que Lula prefere negligenciar.

Opção preferencial

Por outro lado, ele sabe o que o espera, caso saia do limite lhe permitido pelos poderosos… O mesmo destino de Jango, Juscelino, Tancredo, Zuzu Angel etc., numa versão mais sofisticada, de acordo com nossa época. Por que não um Legacy arranhando o aerolula sobre a selva amazônica? Isto caso já não houvesse acontecido algo assim, antes…

Volto a insistir neste ponto. Será que a conservadora e semi-analfabeta sociedade brasileira, bem como os movimentos sociais, estão dispostos a pagar o preço compatível para conquistar a democratização da comunicação, jornalistas independentes para realizar um bom trabalho e reduzir o lucro do ‘voraz animal capitalista’ (Delfim Netto)? [http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=529DAC001]

Na opinião deste modesto micróbio bacteriano intestinal que vos escreve, a resposta é um retumbante ‘não’. Se os movimentos sociais tivessem realmente interesse concreto neste assunto, estariam há anos dentro das rádios comunitárias, trabalhando para que fossem realmente como deveriam ser, tornando-as um meio de comunicação com a massa operária e ignara, libertando-a das garras do sistema opressor que domina a quase todos e defendendo-as contra o fechamento.

Um exemplo patente disto é minha tentativa de entrevistar José Genoíno, na época presidente do PT. Após responder teatralmente à grande mídia e eu perceber que ninguém tinha mais nada a perguntar, ousei uma pergunta, como representante das rádios comunitárias. Estávamos exatamente no ‘Encontro do PT com os Movimentos Sociais’ (2005), em São Paulo, capital. Ele respondeu: Mais tarde, darei uma entrevista exclusiva para as emissoras comunitárias, coisa que, por mais que tentasse, não consegui. Foi um desencontro, na realidade.

Com o doce Dulce, foi diferente! Dispensou-nos meia hora numa transmissão ao vivo pela rede mundial de computadores, suportando pacientemente minha contundente abordagem. Tudo isto antes do inferno astral em que o PT entrou. O Silvinho, sentado ao meu lado, no computador da sala de imprensa, se esquivava de mim como o diabo da cruz! Devia estar negociando alguma polpuda propina…

Lamentavelmente, quem dá o devido valor aos meios de comunicação são exatamente aqueles dos quais uma minoria consciente procura redistribuir a riqueza, a renda e o poder de entrar nas mentes alienadas de nosso povo. Os revolucionários de fato e os da esquerda festiva ainda têm muito a aprender com os capitalistas. Mas, enquanto isto, permanecerão com uma opção preferencial por esmolear alguns segundos na grande mídia, apesar do que defendeu Perseu Abramo. Exceto durante a campanha eleitoral, para o qual as emissoras comunitárias lhes são tremendamente úteis. No governo, mandam fechá-las à taxa de umas 1.200 por ano.

Afinal, continua valendo a lei universal que diz: cada povo tem a comunicação e a conferência que merece.

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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da CMQV – Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (www.cmqv.org) e articulista