Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O general em seu labirinto

Serviço de primeira prestaram o Globo de sábado e a Folha de domingo com as reportagens, no primeiro caso, ‘O general na berlinda’, de Jailton de Carvalho e ‘Um comandante de costas quentes’, sem assinatura; e, no segundo, ‘Comandante do Exército tem apoio no PT’, de Eliane Cantanhêde, com a colaboração de Eduardo Scolese.

Os textos reconstituem a crise aberta com a nota do Exército de apologia à ditadura, que fala em ‘movimento subversivo’ e ‘comunismo internacional’ para exonerar os militares de qualquer crítica pelo que se passava nos infames porões da repressão.

O Globo divulga trechos inéditos das duas notas de retratação que o presidente Lula rebarbou antes de aceitar a terceira, da qual chegou a participar, para demonstrar que o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, ‘era contra retratação’ – como diz o subtítulo da matéria principal.

Aliás, conforme de imediato registrou o colunista Clóvis Rossi, da Folha, Lula não viu nada de errado no trecho da nota afinal aprovada onde se lê que o primeiro comunicado não era ‘condizente com o momento histórico atual’ – como se, ao defender a tortura e a eliminação de presos políticos, ela pudesse ser condizente com qualquer momento histórico.

A matéria revela bastidores do espinhoso relacionamento entre o então ministro José Viegas e o general Albuquerque, confirmando que o primeiro se foi porque o segundo ficou. Por quanto tempo, não se sabe: fala-se na sua designação para adido na embaixada brasileira na ONU.

Direito concedido

Ao tomar conhecimento da primeira nota, a reação inicial de Lula foi pedir a cabeça de Viegas e Albuquerque. Motivos havia de sobra: no caso do primeiro, por causa da escancarada mala sangre entre ele e boa parte da oficialidade; no caso do segundo, porque ou autorizou a nota odiosa ou dela só teve conhecimento a posteriori, como disse e ninguém acreditou.

As razões da sobrevivência de Albuquerque são o filé das matérias da Folha e do Globo. O que os seus autores fizeram foi desenhar o labirinto de boas relações que protegem o general na cúpula do governo.

Em essência, é isso:

** Albuquerque se dá bem com o general da reserva Oswaldo Muniz Oliva, pai do senador Aloizio Mercadante.

** Mercadante foi um dos petistas que batalharam pela nomeação do amigo do pai para chefiar o Exército.

** Outro aliado do general é o ministro de Comunicação do Governo, Luiz Gushiken.

** No gabinete de Gushiken trabalha o coronel Oswaldo Lima Neto.

** Lima Neto é irmão de Aloizio Mercadante.

** Albuquerque desenvolveu por Lima Neto, quando ainda jovem, ‘uma afeição paternal’ (Eliane Cantanhêde).

Da proteção desse labirinto nem Lula conseguiu tirar o general Francisco Roberto Albuquerque. Tanto assim, como conclui a Folha, citando assessores não identificados da Defesa, que ‘Viegas estava sendo crucificado por não saber da nota, mas ao comandante do Exército foi dado o direito de não saber’.

P.S. O Estado de sábado também abordou a crise (‘Viegas quis demitir comandante do Exército’). Mas erra ao dizer que ‘a operação do governo baseada nos ensinamentos de Geisel (que demitia ou afastava de postos de comando oficiais hostis ao governo) já começou’.

Prova disso seria a transferência do general Apparício Ignácio Domingues, chefe do Estado-Maior do Exército e mentor da execrável nota de 17 de outubro, para o Superior Tribunal Militar.

No dia 23, Luiz Cláudio Cunha revelara na IstoÉ que Apparício, tido como ‘um dinossauro da linha-dura’, havia sido indicado por Lula para o STM antes da publicação das fotos que motivou a reação militar.

[Texto fechado às 17h30 de 7 de novembro]