Quem precisa de robô, se pode se valer de uma tropa toda para atuar nas redes sociais?
Em uma conjuntura em que o Supremo Tribunal Federal tenta identificar quem financia e quem administra “robôs” difusores de mensagens nas redes sociais, o Exército Brasileiro inova nas tarefas da tropa. Com uma força estimada, em 2014, em 219 mil militares, o Exército Brasileiro decidiu potencializar as mídias sociais a fim de utilizá-las como mais uma ferramenta de comunicação. A política de conquistar corações e mentes por meio das mídias não é nova. Em 2002, foi criada em Brasília, pelo Comando Geral do Exército Brasileiro, a FM Verde Oliva, que seria a cabeça de uma rede nacional, o Sistema Verde Oliva de Rádios, idealizada pela Força para atuar em todo o território nacional.
Na ocasião, concursos públicos para selecionar profissionais de comunicação chegaram a acontecer. Na condição de oficiais, atuariam nessa estrutura radiofônica e em outras instâncias da Comunicação Militar. Pesquisas acadêmicas demonstraram no passado que os critérios de noticiabilidade desse radiojornalismo militar não se diferenciava muito das emissoras civis que não são focadas em jornalismo em tempo real e 24 horas ao dia.¹
O Exército tem ciência de que “as mídias sociais estão sendo apropriadas por pessoas, empresas e instituições como grandes veículos de comunicação ou de mobilização, especialmente porque as redes sociais proporcionam informações rápidas e abrangem grande número de interessados” – conforme salienta sua cartilha de Segurança nas Redes Sociais. Desde 2010, enquanto instituição, a Força Terrestre atua nas redes sociais, notadamente no Twitter, Facebook, Youtube, Instagram e por meio do blog EBlog. Em 1º de setembro de 2020, possuía 1,084 milhão de seguidores no twitter – a mesma quantidade da pessoa do Gal. Augusto Nunes, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e, praticamente, o dobro das Forças coirmãs: Marinha, 544,1 mil e a Aeronáutica, 553,6 mil seguidores. No instagram são 1,5 milhão e a fanpage já recebeu 3,904 milhões de likes. Os números são impressionantes. No twitter são superiores a soma do total de seguidores dos perfis oficiais do Exército da Argentina, Chile, Colômbia e Reino Unido, mas as interações – curtidas e compartilhamentos – não são proporcionalmente da mesma grandeza. Talvez por isso mesmo, a Força Terrestre decidiu criar uma tropa de digital influencers.
Até aqui, a postura militar era de alertar quanto ao risco de militares individualmente atuarem nas redes sociais. O Manual de Segurança nas Redes Sociais é cheio de alertas, inclusive quanto à possibilidade dos militares estarem incorrendo em riscos de infringir dispositivos legais ou mesmo regras internas. É proibido, por exemplo, que os portais das Organizações Militares, dos militares da ativa, da reserva ou dos servidores civis nelas lotados, bem como os computadores que estiverem conectados à Rede Mundial de Computadores ou a outras redes com acesso remoto, contenham informação classificada ou sob restrição de acesso. É igualmente interditada a veiculação de vistas aéreas, fotografias internas de pontos importantes (paiol, reserva de armamento, etc.); características técnicas de material empregado, dentre outras restrições.
Diferentemente das emissoras e dos perfis oficiais, agora, nas redes sociais, a proposta é outra. Não serão profissionais de comunicação que atuarão na ponta, na condição de influenciadores digitais. O projeto já em campo visa capacitar a tropa, inclusive recrutas – são 80 mil novos rapazes a cada ano –, para interagir nas diversas plataformas e aplicativos. Cursos de treinamento já tiveram início em todo o Brasil e “têm o intuito de mostrar para cada soldado que ele é um agente de comunicação social da Força Terrestre e, por isso, deve zelar pela imagem da instituição” – informa o Centro de Comunicação do Exército – CCOMSEx.
Segundo o Manual de Segurança nas Redes Sociais, editado pela Força Terrestre, o “Exército Brasileiro está atento às oportunidades, ameaças e riscos presentes nos novos ambientes de convívio que são as redes sociais.” Dentre os riscos assinalados na cartilha militar está o de as redes sociais provocarem danos à imagem e à reputação e vazamento de informações. Apesar disso, ou em decorrência desse risco, a Organização Militar decidiu lançar mão de seus recrutas.
“Todos os integrantes do Exército Brasileiro, em qualquer situação, são agentes de comunicação no processo de preservação e fortalecimento da imagem da Força. Pensando nisso, o Exército integrou a comunicação social às instruções para os recrutas. Essa é a primeira vez que a instituição ministra esse tipo de ensinamento durante o período básico” – diz em nota o CCOMSEx.
Na guerra pela conquista da opinião pública, principalmente quando se questiona a presença no governo de Jair Bolsonaro, de tantos militares, em especial do Exército, em cargos civis – segundo o Tribunal de Contas da União, 6.157 militares, sendo 3.029 da ativa, estavam em julho à frente de cargos civis no governo –, todas as armas são consideradas válidas. Por intermédio de pesquisas e estudos, o Exército traçou, dentre outros objetivos, aproximar-se de um segmento de público importante, que são os usuários das mídias sociais e que também são influenciadores da opinião pública. Porque então não capacitar os seus próprios influenciadores?
As instruções abordam o emprego das mídias sociais, e, pelo menos junto a unidade mais próxima da Presidência da República, o balanço é positivo pelo comandante do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), Coronel Pedro Aires Pereira Júnior: “essa instrução é fundamental, porque vai permitir que cada um dos militares do batalhão possa contribuir com a coletividade, gerando essa sinergia que a comunicação provoca. O BGP atua nas instalações presidenciais e nada melhor do que essas orientações para que o nosso soldado bem represente a unidade e o Exército, não só quando estiver de serviço, mas também em todas as oportunidades”.
Em nota, o CCOMSEX informa que “a exata compreensão dos militares dos múltiplos aspectos da comunicação social em todos os níveis é fundamental”, e cita a recomendação de um dos instrutores dos recrutas, o sargento Gustavo Monteiro de Freitas, Adjunto da Companhia de Guarda do BGP: “a experiência é muito válida, pois passa ao militar recém-incorporado o discernimento de que o comportamento dele, mesmo quando não está de serviço, é importante para zelar pela boa imagem da Força”.
Segundo o Centro de Comunicação do Exército, “as informações postadas nas mídias sociais são, principalmente, as institucionais, além daquelas em que tem por finalidade esclarecer dúvidas”. Não está claro se alguma unidade do Exército irá produzir produtos midiáticos padronizados, tipo cards, banners, ou mesmo textos e fotos para que a tropa compartilhe dentre seus seguidores de facebook, whatsapp, instagram e twitter, entre outras. Se isso vier acontecer, as chances de que algum desses produtos ‘viralizar’ nas redes sociais será muito grande, em especial se essa vier a ser uma tarefa para todos integrantes da tropa. Com um plantel de 219.585, basta que cada um compartilhe um conteúdo para mais dez pessoas, que esse tema se tornará um dos top trendings das redes sociais.
O Coronel Ângelo Brait Júnior, chefe do Preparo do Comando de Operações Terrestres, considera importante a iniciativa, “pois esclarece para o soldado que, a partir do dia em que ingressa na instituição, passa a ser um representante do Exército e, portanto, um agente de comunicação.”
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Notas
¹ A produção informativa da Rádio Verde Oliva foi tratada em nossa tese de doutorado Mídia das Fontes: Um novo ator no cenário jornalístico brasileiro, aprovada com louvor pela banca da Universidade de Rennes 1, em 2009,
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Chico Sant’Anna é jornalista, titular do blog Brasília, por Chico Sant’Anna, Doutor em Ciências da Informação e da Comunicação, pela Universidades de Rennes 1 – França.