Há dias em que acordo com vontade de não ser. Não ser jornalista, por exemplo: jornalistas são criaturas renitentes que promovem egotrips ao escreverem artigos de opinião sobre suas tripas. Jornalistas vendem o almoço para comprar uma revista ou um livro novo. Jornalistas são impertinentes. Jornalistas são chatos.
Pior que não ter opinião é não querer ter opinião. Agora, por exemplo, preciso escrever um artigo de opinião. Olho para o meu umbigo, este triste desempregado que carrego no meu centro de equilíbrio, e ele não me diz nada. Olho para minha camisa à procura de botões para conversar, mas qual o quê: uso camisetas onde não cabem botões.
Para que servem os artigos de opinião? Mas para que serve o jornalismo sem opinião? Quando estava para decidir o que ser quando crescer, entrei em profunda depressão ao me ver como jornalista. Ora, ora, fosse eu um agricultor e estaria contribuindo para a produção de comida, uma causa nobre. Fosse um médico e estaria salvando vidas. Fosse engenheiro civil e estaria fazendo casinhas para que as pessoas se abrigassem do frio. Mas… jornais servem para ser lidos – e depois viram papel de embrulho, forro para assoalho de automóveis, vão para reciclagem para virar novamente jornais…
Quanto mais penso sobre isso mais sinto que a práxis jornalística é autofágica. Cultuamos a vaidade de sermos impressos e lidos. Somos lidos por nós mesmos.
Fome de notícia
Todos os dias são produzidos mais de dois milhões e meio de exemplares de jornal no Brasil, tiragens somadas. Mais de mil toneladas de papel para saciar a fome de notícia, praia e sangue de todos nós, humanos dotados de massa encefálica altamente desenvolvida e dedos polegares opositores.
Os jornais são feitos por jornalistas e vendidos por jornaleiros. Jornalistas e jornaleiros comem com o dinheiro que ganham através dos jornais.
Os jornais são lidos por mim e parcela considerável da classe média pseudointelectual. Gostamos de lê-los tomando café da manhã e comendo pão com margarina vegetal hidrogenada, a fim de começar o dia com a falsa sensação de que somos cidadãos bem informados a respeito da cotação do dólar, da bolsa que caiu e era vidro e se quebrou, do presidente dos EUA que quer bombardear o mundo inteiro para assim, exterminando os famintos, resolver o problema da fome.
Os jornais não são lidos pelos mendigos e favelados, porque são analfabetos. Eles ficam torcendo para que chegue logo o dia de amanhã, as notícias fiquem velhas, e o calhamaço de papel seja jogado no lixo, onde vão buscar seu pão-nosso-de-cada-dia-nos-dai-hoje. Na sopa de jornal com água suja qualquer página serve, embora a menininha maltrapilha prefira os desenhos coloridos do Estadinho e a senhora sonhadora goste mesmo é das fotos dos artistas de cinema do ‘Caderno2’ ou da ‘Ilustrada’.
Todos os dias são assassinadas milhares de árvores para a extração da celulose para a fabricação do papel para a impressão do jornal – para saciar a fome de notícia e a fome-fome de mendigos e favelados. Com o assassinato das árvores estamos contribuindo para o nosso próprio suicídio, lento e gradual.
O sonho de todo aspirante a jornalista é um dia ser tão respeitado a ponto de ter coluna própria no jornal. E assim poder emitir opiniões em artigos de opinião para influenciar a opinião alheia.
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Estudante de jornalismo da Universidade Estadual Paulista (www.un_espirro.blogspot.com)