Saulo Menezes de Oliveira Priez é um jornalista brasileiro que mora no Reino Unido desde 2002. Ele concluiu o bacharelado em Comunicação Social/Jornalismo em 2000, na Universidade Federal de Sergipe, em Aracaju. Somado ao seu interesse pelo jornalismo, Priez tem dado atenção às mídias sociais e ao marketing por conta da demanda da sua vida profissional. Em 2004, ele concluiu um mestrado em Multimídia pela University of Gloucestershire, em Cheltenham, e em 2010, recebeu um Certificado Profissional em Marketing no Bournville College, em Birmingham.
Priez trabalha como Social Media Manager na Highways England, em Birmingham, cidade onde mora. Suas atividades na empresa incluem compreender as principais transformações de mídia social, conduzir operações e serviços ao cliente em plataformas sociais e gerenciar a produção de conteúdo de mídia corporativa. Por conta disso, o jornalista desenvolveu uma visão bastante particular sobre as interseções entre imprensa, mídias sociais e marketing. Na entrevista a seguir, ele expressa seu ponto de vista sobre essas questões no Reino Unido.
Enio Moraes Júnior — Mídia social é um tema importante na sua carreira. Você acha que as plataformas online mudaram o jornalismo no Reino Unido? Como isso tem funcionado?
Saulo Priez — As mídias sociais transformaram o modo como nos comunicamos e como consumimos as notícias em geral. As pessoas têm mais probabilidade de se deparar com notícias ao navegar por seus feeds do Facebook ou Twitter, do que acessando sites tradicionais de informação. No entanto, isso apresenta dois desafios principais: o primeiro é a disrupção causada pelo grande volume de conteúdo em nossos feeds de mídia social e nossa incapacidade de navegar por um número cada vez maior de canais. O segundo é o aumento de notícias falsas que se espalham como fogo em canais abertos, bem como aqueles que prosperam em criptografia, como WhatsApp e Telegram. Outro aspecto que merece atenção é que as próprias postagens nas redes sociais podem se tornar notícia. Tenho uma experiência pessoal nesse sentido, tendo testemunhado alguns comportamentos antissociais e mencionado isso no Twitter e depois vendo meu nome aparecendo em um jornal local, em uma matéria que cobria um fato ocorrido em um parque perto da minha casa.
EMJ — A maneira como as questões relacionadas ao Brexit foram tratadas pela mídia inglesa chamou muita atenção e recebeu diversas críticas em todo o mundo. Como você viu isso e como avalia a forma como sua dimensão política foi tratada?
SP — O Brexit foi uma questão extremamente divisionista neste país — tão divisionista quanto as eleições presidenciais brasileiras que levaram o Bolsonaro ao poder — e chocaram o mundo, causando tensão e fazendo as pessoas pensarem sobre o que valorizam e como se veem: como parte de uma comunidade europeia sem fronteiras ou diante da necessidade de se reafirmarem como comunidade britânica em primeiro lugar, buscando um tipo de independência semelhante ao que as ex-colônias alcançaram nas Américas e na África nos séculos XIX e XX. Assim como a sociedade, a mídia tomou partido; alguns defendendo os valores europeus e outros optando por uma abordagem mais isolada, desencadeada pela nostalgia, patriotismo e medo do desconhecido. Este último aspecto ganhou a discussão e estamos nos preparando para deixar a União Europeia no final do ano.
EMJ — Como você avalia o papel da imprensa do Reino Unido na construção de uma nação democrática?
SP — A imprensa do Reino Unido tem um papel importante ao cobrir aspectos relacionados ao governo, ao questionar decisões e garantir que o público entre em contato com os diferentes aspectos de cada questão e, como resultado, tornando-se mais bem informado. A habilidade da mídia de contar histórias forma opiniões e estimula as pessoas a apoiar ou problematizar algumas decisões de nossos líderes. Pessoalmente, tendo a olhar para os dois lados de uma história, observando como ela foi retratada por diferentes meios de comunicação no Reino Unido, bem como pela imprensa internacional e, assim, garantir que minhas opiniões sejam mais equilibradas. No entanto, estou plenamente ciente de que essa postura vem por conta da minha formação como jornalista no Brasil e pelo fato de eu falar mais de um idioma, o que me permite identificar nuances com bastante facilidade. Ou seja: ler o que está nas entrelinhas e buscar métodos para navegar por interpretações conflitantes das mesmas histórias. Obviamente, estou mais inclinado a me concentrar em jornais impressos do que em tabloides. Notícias superficiais não me interessam, porque estou sempre buscando algo mais profundo, factual e que desafie minha forma de pensar.
EMJ — Como você percebe a produção jornalística no Reino Unido no que se refere à defesa dos direitos humanos e dos direitos dos imigrantes?
SP — Esse é um assunto bastante polêmico no Reino Unido e, às vezes, bastante divisionista também. Os direitos humanos são amplamente respeitados aqui, mas quando combinados com questões de imigração, em particular os direitos dos refugiados, as conversas podem tornar-se bem acaloradas. Há empatia em relação aos imigrantes e seu sofrimento, mas existe uma grande preocupação com relação ao número de migrantes que se mudam para este país e a perda potencial da identidade britânica. Até certo ponto, alguns setores da mídia retratam o Brexit como uma tentativa de manter a razão de ser deste país, já que alguns segmentos da sociedade jamais aceitaram realmente a liberdade de movimento, em vez disso, preferindo permanecer separados e vendo o desconhecido como uma ameaça ao status quo da nação.
EMJ — Discutir o jornalismo inglês traz à tona tópicos como Família Real, fofoca e política. Mas quase nenhuma atenção é dada ao jornalismo local. O que você poderia falar sobre esse tipo de imprensa no Reino Unido?
SP — Acho engraçado que, quando eu estou fora do Reino Unido, tudo que vejo na mídia estrangeira são principalmente referências à Família Real e fofocas sobre ela. Pessoalmente, eu sei muito pouco sobre esse assunto. É algo que não vejo com tanto destaque aqui, a menos que haja um grande escândalo ou uma grande novidade. As notícias locais tendem a se concentrar em questões que afetam as pessoas, suas vidas e seus empregos. Há momentos em que o noticiário nacional tem um impacto tal que toma conta também do noticiário local, como é o caso da atual pandemia. Já morei em outra parte do país que era bastante rural. Nessas regiões, às vezes, havia notícias locais para vilas que eram muito isoladas. De modo geral, as notícias locais tendem a interessar apenas às pessoas afetadas por elas.
EMJ — O que você aprendeu em sua formação como jornalista na Universidade Federal de Sergipe, no Brasil, há mais de 20 anos, está muito longe do modelo de jornalismo que você encontra hoje no Reino Unido?
SP — Na minha opinião, o jornalismo de 20 anos atrás está muito longe do jornalismo de hoje em todos os lugares. Claro que as histórias continuam sendo contadas, mas os canais onde as apresentamos mudaram de forma irretocável. Lembro-me bem que, na época da faculdade, o foco eram basicamente o jornal tradicional, o rádio e a TV. Isso era o que eu pretendia fazer depois de me formar: a internet estava em sua infância e eu ainda estava tentando descobri-la — tanto que meu projeto no final do bacharelado analisou como o público se envolvia com os boletins eletrônicos. Hoje em dia, as notícias são contadas em aplicativos, transmitidas ao vivo por meio de sites como Facebook, YouTube e Instagram, ouvidas em serviços como o Spotify e assim por diante. A informação se tornou um tipo de serviço sob demanda, ao contrário de antigamente, quando você precisava estar disponível no momento certo para acessá-las.
A proliferação de notícias em todos os lugares tornou-se uma oportunidade e um fardo para os profissionais da mídia, inclusive no Reino Unido. Uma oportunidade porque qualquer pessoa pode criar seus canais e fazer sucesso com seus próprios esforços. Um fardo porque, como há muita informação disponível gratuitamente, incluindo notícias falsas, infelizmente, há menos predisposição das pessoas de pagar por publicações. Isso tem um impacto direto nas perspectivas de carreira e na retenção de empregos em empresas de jornalismo do Reino Unido e do mundo todo. A vantagem para o consumidor é que ele tem a chance de ser mais seletivo quanto ao tipo de notícia que acessa. No entanto, pode ser um pouco angustiante quando há muito para escolher. O que não mudou é o fato de que a tecnologia ainda exige um bom conteúdo, seja texto, fotografia, áudio, gráficos ou vídeo. A principal mudança é que tudo é bem mais interativo, menos linear, e está ao nosso alcance.
Esta entrevista faz parte de uma série sobre jornalismo no mundo, uma iniciativa do pesquisador e jornalista Enio Moraes Júnior, juntamente com o Alterjor — Grupo de Estudos de Jornalismo Popular e Alternativo da Universidade de São Paulo. As entrevistas são originalmente publicadas em inglês no Medium. Leia aqui.
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Enio Moraes Júnior é jornalista e professor brasileiro. Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (Brasil), vive em Berlim desde 2017. Acesse o portfólio do autor: EnioOnLine.