É cada vez mais difícil e complicado combater a proliferação de fake news na imprensa e nas redes sociais, especialmente às vésperas de eleições. É um desafio enorme para jornalistas encarregados de seguir candidatos ou cobrir eventos políticos, notadamente quando eles ocorrem ao vivo, como nos debates pela televisão ou lives pela internet.
Personagens políticos de alta visibilidade, como Donald Trump e Jair Bolsonaro, passaram a usar a desinformação, as meias verdades e as notícias falsas como ferramentas rotineiras no seu discurso político, o que, inevitavelmente, acabou estimulando candidatos em pleitos regionais e municipais a seguir o mesmo padrão.
Isto coloca os jornalistas diante de um desafio de alta complexidade devido à necessidade de identificar de forma rápida e convincente as afirmações mentirosas de candidatos a postos eletivos antes que elas acabem sendo assimiladas por eleitores e não eleitores.
Uma campanha eleitoral é um ambiente informativo extremamente dinâmico e diversificado. Repórteres e profissionais que trabalham em instituições de checagem de notícias sabem por experiência própria que é impossível verificar a credibilidade das afirmações de um candidato de forma imediata, dada a complexidade normal de um procedimento de checagem, salvo em casos de mentiras flagrantes.
Um repórter encarregado da cobertura de um evento eleitoral terá muito pouco tempo para, além de documentar o ato, verificar a confiabilidade dos dados e fatos citados pelo candidato. O profissional de checagem, por seu lado, depende da publicação do material noticioso para fazer a verificação que pode implicar a consulta de várias fontes antes de chegar a um veredito.
A checagem da veracidade das afirmações do presidente Bolsonaro no discurso apresentado na Assembleia Geral da ONU levou quase um dia para ser feita, ainda de forma parcial. Neste intervalo, o público foi bombardeado por centenas de outras informações que acabaram sepultando eventuais dúvidas sobre a credibilidade das afirmações presidenciais.
A revista Columbia Journalism Review, editada pela Universidade Columbia, de Nova Iorque, publicou no dia 17/9 um artigo sobre o dilema dos jornalistas encarregados de mediar debates ao vivo pela TV, com a participação do presidente Donald Trump, que concorre à reeleição. Como Trump é conhecido pelo uso rotineiro de meias verdades e fake news, a questão levantada por profissionais entrevistados pela revista é se o mediador deve ou não interromper a fala do candidato republicano para denunciar uma mentira.
Se o jornalista deixar passar a inverdade ele acabará funcionando como cúmplice do mentiroso, o que obviamente não é o objetivo de um profissional da imprensa. Mas se interromper o candidato, ao vivo, para questionar o fato ou dado mencionado, o mediador poderá estar interferindo no debate, que por princípio deveria envolver apenas os candidatos.
O aspecto mais delicado e complexo em toda esta questão do uso de mentiras durante uma campanha eleitoral é que não existe uma solução rápida, definitiva e indiscutível para o problema. A preocupação com os efeitos do uso sistêmico das fake news por candidatos a postos eletivos tende a crescer na medida em que aumentar o número de seguidores desta modalidade de delito político.
As dificuldades enfrentadas pelo jornalismo e pelos checadores de notícias mostram que o combate ao fenômeno das notícias falsas tende cada vez mais a ser uma responsabilidade do conjunto da sociedade. É claro que isto não acontecerá da noite para o dia, pois exige o desenvolvimento de uma cultura da veracidade no compartilhamento de informações entre as pessoas.
O jornalismo, especificamente, terá que fazer uma escolha entre a tradicional postura de não tomar partido nos debates políticos ou interferir na discussão para proteger o direito à confiabilidade das notícias levadas ao conhecimento do público.
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Carlos Castilho é jornalista, graduado em mídias eletrônicas, com mestrado e doutorado em Jornalismo Digital e pós-doutorado em Jornalismo Local.