‘Ao ponto, 6 de dezembro
‘Ao ponto’ faz um pouco mais do que retomar, de forma competente, a fórmula consagrada dos programas para jovens cuja característica básica é a reunião deles em uma arena aconchegante, em torno de um apresentador carismático que puxa assuntos pertinentes e provoca discussões interessantes, entre uma e outra apresentação de música ao vivo.Jairo Bouer, além de comandar a conversa, é auxiliado nessa tarefa pelo jovem Renan Laviano, que, a julgar pelas primeiras participações, parece ser uma boa promessa de intervenções inusitadas e bem-humoradas.
Outra providência que deu ritmo e envolvimento ao programa foi a de acrescentar, à conversa sobre um determinado tema, ali mesmo no estúdio, ações e situações de alto potencial de impacto em televisão. No caso do programa de 6 de novembro, que tinha como tema as muitas formas de convivermos com a tristeza, foram três intervenções desse tipo.
Primeiro, dois jovens da platéia receberam a tarefa de registrar e informar, a partir das bulas, os graves efeitos colaterais de remédios – entre eles os antidepressivos – representados por uma pilha de embalagens gigantes montada na arena. Depois, quando a conversa girava em torno dos poderes anti-depressivos do chocolate, uma chuva de pequenos tabletes caiu sobre todos no estúdio como se fosse papel picado. Uma festa.
Finalmente, quando o assunto eram as lembranças dolorosas, Jairo convidou integrantes da platéia a se livrarem de objetos que os faziam sofrer, jogando-os num grande caldeirão que também foi montado na arena. E logo apareceu todo tipo de objeto: uma aliança que lembrava um namoro infeliz, uma receita de remédio, um maço de cigarros, um diário ‘cheio de bobagens’, a foto de um cachorro querido que morreu, um boletim cheio de notas baixas e uma medalha de segundo lugar.
Dá mais trabalho do que produzir uma simples conversa? Claro
Mas faz uma enorme diferença em televisão.
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Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana.
Reprise merecida
Entrelinhas, 26 de outubro
A reapresentação em versão reduzida do Entrelinhas especial em homenagem à poeta Ana Cristina Cesar, na semana dos 25 anos de sua morte, foi uma reprise mais que merecida. Apesar do tempo menor, estavam lá o ritmo, o acabamento sofisticado e o domínio de linguagem de televisão que são marca registrada de quase tudo que o programa faz. Quem queria conhecer mais Ana Cristina Cesar soube um pouco mais da geração que viveu radicalmente o fim da utopia dos anos 60/70 e foi impactado principalmente pelos depoimentos de Heloisa e Armando. Heloisa descreveu Ana como uma jovem de formação rígida que ‘queria errar e não conseguia’.
Fórmula consagrada
Manos e Minas, 29 de outubro
O quadro ‘Duelo de MC´s’, com os temas sorteados na hora, na platéia, para serem desenvolvidos em 40 segundos, no palco, é mais um gol de placa do programa. O desempate, ‘no grito’, medido pelo decibelímetro da produção, entre os MC´s LTA e ‘100%’, contagiou a platéia e certamente prendeu a atenção do telespectador em casa. Talvez porque, apesar da roupagem e da temática modernas, o quadro se baseie num dos scripts mais bem-sucediddos da história da televisão, em todos os tempos: a competição e as emoções que ela provoca, desde os tempos de ‘O céu é o limite’.
Sem licença poética
Jornal da Cultura, 28 de outubro
A maioria dos telespectadores certamente se sentiu reconfortada de ver o Jornal da Cultura não levar a sério o suposto direito dos pichadores de sujar as dependências da Bienal e de, pior ainda, agredir seus frequentadores. A matéria, com as imagens exclusivas da pichação e dos flagrantes da agressão, teve o benvindo tom da defesa da cidadania e foi uma oportunidade de se estabelecer a diferença fundamental entre liberdade de expressão e vandalismo.
Emoções da Bienal
Metrópolis, 27 de outubro
Além da boa reportagem, com o flagrante da violência dos pichadores da Bienal, vale destacar a participação de Domingas Person , mostrando o que acontece com quem resolve experimentar o tobogã montado para o evento.
Respeito
Invervalos comerciais
A definição de regras, tempos e condutas para a inserção de chamadas, patrocínios e publicidade, comunicada internamente em detalhes pela presidência da FPA na semana passada, além de disciplinar os intervalos da programação, tem tudo para dar agilidade à grade e facilitar a fidelização de audiência. Em se tornando realidade, essas medidas se enquadram perfeitamente no quesito estatutário de respeito ao cidadão telespectador de emissora pública de TV.
Tsunami de economês
Roda Viva, 27 de outubro
A entrevista com o professor Luiz Gonzaga Belluzzo bateu todos os recordes de despreocupação com o caráter fundamentalmente eclético que um conteúdo de televisão aberta deveria ter. Expressões como ‘risco de desalavancagem dos hedge funds’, ‘contratos assimétricos em operações de balcão’ e ‘marcação ao mercado’, usadas em profusão pelo entrevistado e desconhecidas não apenas do chamado telespectador médio, mas até de 80% das redações da imprensa brasileira, dominaram a conversa, tornando-a, em grande parte, elitista, excludente e, não raro, incompreensível, mesmo para o público tradicionalmente mais preparado do Roda Viva.
Tons arriscados
Jornal da Cultura, 28 de outubro
Houve exagero e distorção editorial das entrevistas do ministro Mantega no início da semana. E a razão foi a performance claramente irônica de Heródoto Barbeiro, ao fazer uma interpretação livre das declarações do ministro sobre o grau do contágio do Brasil pela crise financeira internacional. Não havia, no material exibido pelo Jornal da Cultura, nem a afirmação de véspera de Mantega de que ‘o momento é para aproveitar, muito bom pra comprar, pra consumir’ e nem a do dia seguinte, sobre as ‘previsões catastróficas’ citadas por Heródoto na abertura do jornal.
Perda
Série ‘Figuras da dança’
Morto em 26 de abril de 2008, aos 81 anos, o coreógrafo e professor de balé Ismael Guiser, segundo personagem da boa série ‘Figuras da dança’, foi, depois de Ivonice Satie, mais um ícone da dança brasileira cuja perda foi praticamente escondida pela TV Cultura, pela falta de uma introdução que situasse, para o telespectador menos aficcionado, logo no início do programa, sua importância na cena cultural brasileira.
Derrapada
Jornal da Cultura, 29 de outubro
Na boa matéria de Anderson Arcoverde sobre a batalha contra o nepotismo na Câmara dos Deputados, foi providencial a nota de Heródoto Barbeiro, informando sobre como fiscalizar os parlamentares via Internet. Em compensação, na nota sobre a Fórmula 1, houve uma crítica desinformada e gratuita ao evento turística e economicamente mais importante do ano para na cidade de São Paulo. Com um ‘by the way’ que não foi traduzido, Heródoto cobrou: ‘Que compensação a Fórmula 1 dá ao meio ambiente pela poluição que seus carrões provocam? E arrematou: ‘Ou será que esses motores com suas gasolinas maravilhosas são ecologicamente corrretos?’ Os telespectadores que gostam e conhecem um pouco de Fórmula 1 devem ter estranhado o fato de o Jornal da Cultura não saber que o combustível da categoria – um tipo sofisticadíssimo de gasolina – há anos obedece a restrições ambientais. E que a poluição causada pelos 20 carros da Fórmula 1 durante um fim-de-semana de Grande Prêmio é menor, por exemplo, do que a que os ônibus movidos a diesel ‘altos teores’ de enxofre provocam, ao levar torcedores a qualquer clássico do Campeonato Paulista de Futebol.
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O diálogo que queremos
(Nossa língua, 6 de novembro)
Solange Martins, diretora do programa Nossa Língua há três meses, informa que as análises feitas aqui estão sendo tratadas nas reuniões com o professor Pasquale e a equipe do programa. E que, na formatação da versão 2009 do programa, algumas das observações feitas aqui e relativas à linguagem, formato e a videografismos estão sendo levadas em consideração, apesar do fato de o orçamento atual, segundo ela, ‘não contemplar recursos suficientes para a criação de materiais videográficos e tão pouco captação externa’. Solange concorda com a crítica que fiz ao ‘esquartejamento’ de entrevista, à ‘falta de foco’ do programa, à semelhança na forma e apresentação dos módulos e ao excesso de comentário musical em detrimento dos temas da língua portuguesa.
Solange, em sua mensagem, também fez uma ressalva: ‘Quanto ao tom ‘telecurso’ do programa, acredito que o público assim o vê, conforme indicam as dúvidas encaminhadas ao programa pelo público. Temos uma assessora para responder as demandas que nos são enviadas. Muitas delas, transformamos em conteúdo de módulos. De julho a outubro foram respondidas quase 300 mensagens com questões relacionadas ao léxico, à sintaxe e à gramática’. Finalmente, Solange protestou: ‘Não acho justo sermos genericamente tachados de ‘elitistas’ e ‘arrogantes’, como se estivéssemos acima de críticas. Apenas nos dedicamos à tarefa de levar ao público conteúdos com pouco apelo e nenhuma popularidade’.
Em relação à defesa que Solange faz do estilo ‘telecurso’ do programa, as citadas 300 manifestações de telespectadores em três meses – importantíssimas para a formulação do programa, mas não necessariamente expressivas para um programa de TV aberta em horário nobre – não eliminam a proposta feita aqui de que o Nossa Língua busque, sempre, formas mais criativas, saborosas e instigantes de mergulhar o telespectador na aventura da língua, aliviando, desse modo, o peso do que ela chamou de ‘tarefa de levar ao público conteúdos com pouco apelo e nenhuma popularidade’. Quanto à crítica à arrogância e ao elitismo, esclareço que não fui genérico. Deixei claro, no balanço que fiz, que esse comportamento era de parte da equipe da TV Cultura. Por isso, o simples gesto de Solange de dar um retorno às análises que fiz já a retira, automaticamente, junto com a equipe do Nossa Língua, do grupo de profissionais que critiquei e que continuam merecendo minhas críticas.
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Desinformação em série
(Terra paulista, 5 de novembro)
Um cuidado fundamental para que o ombudsman exerça efetivamente o papel de representante do telespectador é seu distanciamento físico e intelectual do trabalho das equipes e do processo interno de tomada de decisões relativas à programação da emissora. O objetivo, claro, é o de permitir que o ombudsman analise a programação apenas a partir do que vê na telinha, na condição mais próxima possível, portanto, da de um telespectador da TV Cultura. E foi exatamente por estar nesta condição ideal que este ombudsman constatou, perplexo, que o episódio ‘Solidão e Fé’, da série ‘Terra Paulista’, exibido pela emissora no dia 3 de novembro e criticado aqui no dia 4 por sua ‘surpreendente indigência’ de imagens dos rodeios da Festa de Barretos – tema central do documentário – tinha uma continuação ou segunda parte que foi exibida no dia 4. As tais imagens de ação dos rodeios, claro, estavam todas lá, na segunda parte. Não era, portanto, indigência, mas uma inacreditável desinformação.
Não havia, no início ou no encerramento da primeira parte, exibida dia 3, qualquer informação, ainda que fosse uma brevíssima inserção de caracteres, informando ao telespectador que o que ele veria no primeiro dia tinha continuação. Diante desse absurdo que contraria princípios elementares da comunicação em qualquer época, veículo ou lugar, cabe perguntar: como explicar tamanha falta de consideração com o telespectador? A surpreendente segunda parte de ‘Solidão e Fé’, embora mostrando as imagens de rodeios que faltaram à primeira, repetiu as inadequações de formato apontadas aqui na véspera. Mas esse é o menor dos problemas de um conteúdo cuja possibilidade de ser assistido integralmente depende da sorte ou do poder de advinhação do telespectador.
Gabriel Priolli, coordenador do Núcleo de Controle de Qualidade, em resposta à crítica ao ‘Terra Paulista’ disse concordar com a avaliação de que o formato adotado pelos realizadores ‘é pouco televisivo e nada preocupado com a atração de audiência’. E explica: ‘O problema é generalizado na produção independente, ainda muito pautada por critérios cinematográficos de linguagem, que pressupõem uma mobilização do espectador totalmente distinta da que a televisão permite’. Priolli, no entanto, ressalva: ‘Mesmo sabendo que o produto não era o mais adequado para o meio e o horário, tivemos de programá-lo por falta de melhores opções. A TV pública, todos sabem, não vive na abundância e sim na carência. Entre a enésima reprise de uma série mais palatável ao público, mas cansativa pela repetição, e a exibição de ‘Terra Paulista’, interessante e de qualidade, mas eventualmente indigesta, ficamos com esta alternativa’.
Em relação à falta de informação sobre a exibição, em duas partes, do episódio ‘Solidão e Fé’, Gabriel Priolli concordou que se tratou de um erro, acrescentando que o problema será corrigido imediatamente. Mas ressalvou que a informação ao telespectador, quando ela é adicional ao próprio programa, ‘depende de condições de produção também adicionais, nem sempre disponíveis’. Gabriel disse ainda que ‘isso não justifica o erro, evidentemente, mas pode explicá-lo’. Diante dessas explicações, resta a esperança deste ombudsman – sempre em nome dos telespectadores – de que as carências estruturais descritas por Gabriel Priolli sejam contempladas como prioridades na elaboração dos orçamentos da TV Cultura.
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Parada difícil
(Terra paulista, 3 de novembro)
O episódio ‘Solidão e fé’, de Tatiana Lohmann, tinha o olhar cuidadoso para o mundo dos peões, um rico depoimento de Alvaro Pequeno, doutorando em Ciências Sociais, sobre as raízes antropológicas das comitivas de peões que se encontravam em Barretos, centro tradicional de abate de gado bovino onde os rodeios começaram, as semelhanças e diferenças com os rodeios americanos, uma reveladora contraposição do perfil dos jovens cowboys atuais ao dos peões boiadeiros tradicionalistas e boas entrevistas de profissionais envolvidos com a Festa de Barretos.
Apesar do conteúdo potencialmente interessante, este documentário, repetindo o formato de outros da série Terra Paulista, continha várias inadequações para a exibição em TV aberta, em pleno (e competitivo) horário nobre, sendo a principal delas a falta de uma boa narração no lugar do coloquialismo às vezes desnecessário das entrevistas que foram usadas como fio condutor da história.
As perguntas praticamente inaudíveis da entrevistadora, a carência substancial de imagens, fotografias de arquivo e outras iconografias – principalmente se considerarmos a proposta notória do programa de ser um olhar antropológico e histórico para o fenômeno social dos peões boiadeiros – e uma surpreendente indigência de imagens dos rodeios em si certamente também conspiraram para que muitos telespectadores não permanecessem sintonizados na TV Cultura.
Para dificultar ainda mais as chances de o programa impactar um público maior, o primeiro flagrante de rodeio – que poderia ser um convite a mais para que o telespectador se interessasse pelo documentário – só apareceu aos 10 minutos de edição. Mesmo momento, aliás, em que a música ‘Romaria’, de Renato Teixeira, um clássico musical do mundo dos peões com semelhante potencial para prender a atenção do público, ilustrou algumas cenas, ainda assim por apenas alguns segundos.
‘Solidão e fé’, infelizmente, foi mais um caso de um bom conteúdo inadequadamente formatado para o tipo de veículo, o tipo de público e o horário de exibição.’