Em sua coluna de domingo [9/11/08], o ombudsman do New York Times, Clark Hoyt, analisou um caso que mostra como a junção de arte e religião pode ser polêmica. No mês passado, enquanto as eleições presidenciais e a crise financeira dominavam a mídia, a reestréia de uma peça que apresenta Jesus como um gay que fazia sexo com seus discípulos aconteceu sem grande alarde no teatro Rattlestick Playwrights, em Greenwich Village.
Quando Terrence McNally produziu o espetáculo teatral Corpus Christi pela primeira vez, há 10 anos, o teatro Manhattan Theater Club recebeu ameaças de incêndio e assassinato da equipe. A peça chegou a ser cancelada, mas acabou estreando após protestos da comunidade teatral. Na ocasião, o público tinha que passar por detectores de metal.
Desta vez, não houve protestos nem detectores, mas a cobertura do NYTimes irritou o grupo que organizou as manifestações contra o espetáculo, em 1998. O jornal publicou apenas uma crítica simpática à peça e um artigo relacionando a polêmica de uma década atrás ao assassinato do universitário gay Matthew Shepard, ocorrido na mesma época. Shepard foi brutalmente espancado por outros dois jovens, que o atraíram para uma emboscada na saída de um bar na cidade de Laramie, no Wyoming, e não resistiu aos ferimentos.
Imoral e ofensiva
Bill Donohue, presidente da Liga Católica para Religião e Direitos Humanos, classificou Corpus Christi como uma ‘peça imoral’ e acusou o NYTimes de ter feito uma critica positiva ‘não por seus propósitos artísticos, mas por seus ataques ao catolicismo’. Ele pediu aos membros da liga que escrevessem ao ombudsman do diário – e mais de 150 o fizeram. ‘Estou revoltado que o NYTimes tenha publicado uma crítica a esta peça tão revoltante e ofensiva’, escreveu Brian Tennyson, da Flórida.
É tentador para uma redação culturalmente liberal, como a do NYTimes, ignorar tais objeções, especialmente porque muitas parecem vir de pessoas que não assistiram à peça ou leram o artigo do jornal na íntegra. Nenhum jornal que respeite seus valores irá deixar de escrever sobre um trabalho de arte polêmico apenas porque ofenderia algumas pessoas. Isto vai contra o que um jornal defende – a análise do que acontece em espaço público. Donohue disse a Hoyt que não teve problemas com o fato de o NYTimes ter escrito sobre a peça – ele apenas não gostou do que foi escrito.
Radical
Diversos católicos com os quais Hoyt conversou consideraram que Donohue é radical. ‘Ele reage de maneira exagerada’, opinou Paul Baumann, editor da revista católica independente Commonweal, que publicou uma crítica negativa da peça em 1998. Naquele ano, o crítico de teatro do NYTimes, Bem Brantley, não ficou impressionado com a peça, classificando-a como ‘ameaçadora e estimulante, como um copo de chocolate’ e um estilo de escrita ‘preguiçoso’. Esta posição não despertou críticas de Donohue.
Já Jason Zinoman, que escreveu a crítica recente, classificou a peça como ‘uma reviravolta respeitosa na história de Jesus, com alguns toques simpatizantes aos gays’. Foi isto o que mais irritou Donohue, pois ele não admite que qualquer peça que insinue que Jesus era sexualmente ativo – seja com parceiros homens ou mulheres – possa ser considerada respeitosa. Zinoman defende que o enredo foi fiel ao Novo Testamento, com a inclusão da defesa de temas como casamento gay e preconceito.