A Folha de S.Paulo admitiu na edição deste sábado (25/4) ter cometido dois erros ao ilustrar a reportagem ‘Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Neto’ com o que seria uma ficha policial de Dilma Rousseff dos tempos da ditadura:
‘O primeiro erro foi afirmar na primeira página que a origem da ficha era o `arquivo [do] Dops´. Na verdade, o jornal recebeu a imagem por e-mail. O segundo erro foi tratar como autêntica uma ficha cuja autenticidade, pelas informações hoje disponíveis, não pode ser assegurada – bem como não pode ser descartada.’
Em carta que enviou nos últimos dias ao ombudsman da Folha, Dilma protesta que o título da matéria não tenha levado em conta sua ‘veemente negativa’. E completa: ‘[a reportagem] tem características de `factóide´, uma vez que o fato, que teria se dado há 40 anos, simplesmente não ocorreu. Tal procedimento não parece ser o padrão da Folha‘.
Ministra não participou das ações
Dilma disse que, suspeitando da autenticidade da ficha, tentou rastrear sua origem:
‘Solicitei formalmente os documentos sob a guarda do Arquivo Público de São Paulo que dizem respeito à minha pessoa e, em especial, cópia da referida ficha. Na pesquisa, não foi encontrada qualquer ficha com o rol de ações como a publicada na edição de 5 de abril de 2009. Cabe destacar que os assaltos e ações armadas que constam da ficha veiculada pela Folha de S.Paulo foram de responsabilidade de organizações revolucionárias nas quais não militei. Além disso, elas ocorreram em São Paulo em datas em que eu morava em Belo Horizonte ou no Rio de Janeiro. Ressalte-se que todas essas ações foram objeto de processos judiciais nos quais não fui indiciada e, portanto, não sofri qualquer condenação. Repito, sequer fui interrogada, sob tortura ou não, sobre aqueles fatos.’
Dilma concluiu que seja uma falsificação. E, vindo ao encontro do que eu já dissera, acrescentou: ‘Essa falsificação circula pelo menos desde 30 de novembro do ano passado na internet, postada no site www.ternuma.com.br, atribuindo-me diversas ações que não cometi e pelas quais nunca respondi, nem nos constantes interrogatórios, nem nas sessões de tortura a que fui submetida quando fui presa pela ditadura. Registre-se também que nunca fui denunciada ou processada pelos atos mencionados na ficha falsa.’
A Folha afiança a afirmação da ministra da Casa Civil: ‘Dilma integrou organizações de oposição aos governos militares, entre as quais a VAR-Palmares, um dos principais grupos da luta armada. A ministra não participou, no entanto, das ações descritas na ficha.’
Arquivos privados
O jornal, que reconhece ser a ficha ‘originária de e-mail enviado à repórter por uma fonte’, foi verificar se algo semelhante constava do acervo do antigo Dops, com resultado negativo:
‘Essa ficha não existe no acervo’, diz o coordenador do arquivo, Carlos de Almeida Prado Bacellar. ‘Nem essa ficha nem nenhuma outra ficha de outra pessoa com esse modelo. Esse modelo de ficha, a gente não conhece.’
A Folha apurou também que os indícios apontam na direção de que as viúvas da ditadura seriam responsáveis pela difusão do documento:
‘O Grupo Inconfidência, de Minas Gerais, mantém no ar uma reprodução da ficha. A entidade reúne militares e civis que defendem o regime instaurado em 1964. Seu criador, o tenente-coronel reformado do Exército Carlos Claudio Miguez, afirma que a ficha está circulando na internet há mais de ano.’
O jornal também confirmou uma afirmação que faço há anos: a de que os antigos torturadores conservaram consigo parte da documentação das investigações da repressão e o utilizam para montar textos falaciosos denegrindo quem participou da resistência ao regime militar. Diz a Folha: ‘Apenas parte dos acervos dos velhos Dops está nos arquivos públicos. Muitos documentos foram desviados por funcionários e hoje constituem arquivos privados.’
Peças de propaganda enganosa
Quem lê o blog Náufrago da Utopia, não precisou esperar tanto tempo pelo esclarecimento do episódio. Já no sábado passado (18/4) eu matara praticamente toda a charada:
‘Na verdade, essa ficha circula na internet desde a segunda quinzena de novembro, amplamente postada, publicada e repassada pelos antipetistas.
No dia 20/11/2008, publiquei aqui neste blog o artigo `Ficha da ditadura é munição para ataque virtual a Dilma Rousseff´ que foi reproduzido até no site de campanha da própria Dilma. Esclareci que pelo menos quatro das acusações feitas a ela eram falsas, pois tinham sido ações da VPR, à qual Dilma nunca pertenceu; sobre as demais, eu não tinha elementos para opinar.
Enfim, não é nos arquivos policiais que tem de ser buscada essa ficha, mas sim nas redes de extrema-direita que atuam na web. Se se chegar a quem a colocou em circulação, poderá se saber de onde saiu.
Não é necessariamente falsificada. Pode ser uma ficha operacional que não deixaram no arquivo exatamente por estar recheada de erros crassos.
Mas que teria permanecido nas mãos dos antigos torturadores, os quais hoje utilizam esse entulho ditatorial para redigir as peças de propaganda enganosa dos sites ultra-direitistas. Depois, os discípulos os pulverizam nas redes de e-mails.
Então, se o governo ou a Folha quiserem mesmo rastrear a origem dessa infâmia, não precisarão ir muito longe.
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Jornalista, escritor e ex-preso político, mantém os blogs aqui e aqui