O noticiário internacional sobre a expansão da gripe suína se divide entre os jornais de maior prestígio, que trazem informações oficiais e recomendações à população, e os chamados tablóides, modo genérico de qualificar a imprensa de má qualidade, que sai com manchetes alarmantes e pouca informação útil. No Brasil, o papel dos tablóides – ou, como chamamos, da imprensa marrom – foi assumido pelo Globo com sua manchete: ‘Gripe se alastra no mundo e Brasil mostra despreparo’.
Nos demais jornais brasileiros e na imprensa internacional de qualidade, a informação predominante dá conta de que a Organização Mundial de Saúde elevou o nível de alerta porque o vírus demonstra capacidade de transmissão entre humanos, o que pode facilitar sua expansão muito rapidamente em grandes cidades.
Embora os casos confirmados se restrinjam a cinco países – México, Estados Unidos, Canadá, Espanha e Escócia – o Globo entendeu que o vírus ‘se alastra no mundo’. É um caso de alto alarmismo e baixo jornalismo.
Realidade distorcida
Dos três chamados grandes jornais de influência nacional, o Globo tem se caracterizado pela linguagem menos refinada e pelas escolhas de manchetes mais ruidosas. Quando se trata de casos de corrupção ou de violência extremada, pode-se justificar. Mas, no caso de um risco para a saúde pública, o gosto pelo escândalo pode representar um desserviço à sociedade.
Quando a notícia de um fato que pode causar pânico na população é produzida com os cuidados necessários, um número maior de pessoas procura adotar as medidas recomendadas pelas autoridades e a sociedade reage melhor.
Quando a mesma notícia produz mais alarmismo do que informação útil e segura, o resultado pode ser a irracionalidade coletiva, que reduz as chances de sucesso das ações preventivas.
No caso da gripe suína, todos os grandes jornais, com exceção do Globo, apresentam, em suas primeiras páginas, recomendações e dicas para que os leitores tenham uma idéia mais clara dos cuidados a serem tomados. Entre essas recomendações, uma das mais importantes é evitar a automedicação.
A manchete do Globo distorce a realidade, gera pânico, desinforma e nada garante que ajude a vender jornal. Então, para que o alarmismo?
Liberdade e responsabilidade
A escolha do Globo, que contrasta com as dos outros grandes jornais brasileiros, abre espaço para um bom debate sobre liberdade e responsabilidade no jornalismo. Além de informar pouco e fazer muito barulho, a primeira página do Globo de terça-feira (28/4) mistura a notícia sobre o grave perigo de uma epidemia mundial a querelas da política, ao inserir uma charge no meio da notícia principal. Na charge, o presidente da República aparece desenhado, com um guarda-chuva, sob uma chuva de porcos, e a frase: ‘Mais essa agora’.
Ora, que graça pode haver em ilustrar a notícia sobre o risco de uma pandemia de graves consequências com preocupações eleitorais do presidente da República? Ou será que os editores pretendiam relacionar a figura do presidente à afirmação sacada na manchete, segundo a qual ‘o Brasil mostra despreparo’ para enfrentar um surto de gripe?
No momento em que o Supremo Tribunal Federal se reúne para votar a extinção da Lei de Imprensa, a edição de terça-feira (28) do Globo pode servir como bom exemplo de mau jornalismo – ou de como a liberdade de imprensa deveria ser acompanhada de muita responsabilidade.
Alberto Dines:
O fim da Lei da Imprensa, que deve ser votado nos próximos dias no Supremo Tribunal Federal, vai criar as condições para um jornalismo mais livre, mais qualificado e mais responsável? Sem a Lei de Imprensa poderemos dispor de um leque maior de opções de informação? A Lei de Imprensa representa o fantasma da ditadura. Convém substituí-lo pelo fantasma da desregulação total?
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