O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (30), por maioria, derrubar a Lei de Imprensa. Sete ministros seguiram o entendimento do relator do caso, Carlos Ayres Britto, de que a legislação é incompatível com a Constituição Federal. Três foram parcialmente favoráveis à revogação, e apenas o ministro Marco Aurélio votou pela manutenção da lei.
Com a decisão do STF, o relator considera que, nos casos em que for cabível, será aplicada a legislação comum, como o Código Civil e o Código Penal.
A ação contra a lei 5.250 foi ajuizada pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista). O julgamento começou no dia 1º de abril, quando o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela total revogação, argumentando que a lei, editada em 1967, durante o regime militar (1964-1985), é incompatível com a Constituição Federal de 1988. O ministro Eros Grau acompanhou o relator.
Um dos pontos de maior debate entre os ministros foi a questão do direito de resposta. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, fez a defesa mais contundente pela manutenção dos dispositivos da Lei de Imprensa relativos ao tema. ‘Vamos criar um vácuo jurídico em relação aquele que é o único direito de defesa do cidadão, a única forma de equalizar essa relação, que é desigual’, afirmou.
‘Por que considerar a Lei de Imprensa totalmente incompatível com a Constituição Federal? A liberdade de imprensa não se compraz com uma lei feita com a intenção de restringi-la’, afirmou o ministro Menezes Direito, primeiro a votar hoje, seguindo o relator. ‘Nenhuma lei estará livre de conflito com a Constituição se nascer a partir da vontade punitiva do legislador.’
‘Trata-se de texto legal totalmente supérfluo, pois se encontra contemplado na Constituição’, disse o ministro Ricardo Lewandowski. Também votaram nesse sentido os ministros Cesar Peluzo e Cármen Lúcia.
Inicialmente ausente, o ministro Joaquim Barbosa participou de sua primeira sessão após o bate-boca com o presidente da Corte, Gilmar Mendes. Barbosa, a ministra Ellen Gracie e Gilmar Mendes votaram pela revogação parcial, defendendo que alguns artigos sejam mantidos, entre eles trechos relacionados à proteção da honra, à proibição de propaganda de guerra e direito de resposta.
O representante da ANJ (Associação Nacional de Jornais) se disse preocupado com a mesma questão. Para Paulo Tonet Camargo, diretor de Relações Governamentais da entidade, uma regulamentação em relação ao direito de resposta daria conforto aos cidadãos e aos órgãos de imprensa, impedindo que cada juiz se decida de uma forma diferente.
Entenda
Na primeira análise do caso, em fevereiro do ano passado, o relator havia suspendido provisoriamente 20 dos 77 artigos da lei, decisão depois referendada pelo plenário.
Entre os artigos suspensos estão dispositivos relacionados às punições previstas para os crimes de calúnia e difamação. No primeiro caso, a Lei de Imprensa estabelece pena de seis meses a três anos de detenção, enquanto no Código Penal o período máximo de detenção é de dois anos.
Também foram alvo da decisão artigos relativos à responsabilidade civil do jornalista e da empresa que explora o meio de informação ou divulgação. Com a suspensão, os juízes de todo o país ficaram autorizados a utilizar, quando cabíveis, regras dos Códigos Penal e Civil para julgar processos relacionados aos dispositivos que foram suspensos.
Diploma
Também está à espera de julgamento no STF um tema paralelo à Lei de Imprensa: a exigência de diploma para jornalistas. O recurso extraordinário a ser julgado tem como relator o presidente Gilmar Mendes. A ação foi apresentada pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo e pelo Ministério Público Federal, contrários à exigência de formação superior.
Em novembro de 2006, o Supremo garantiu o exercício da atividade jornalística aos que já atuavam na profissão mesmo sem registro no Ministério do Trabalho ou diploma de curso superior na área.
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STF derruba Lei de Imprensa
Mariângela Gallucci # reproduzido do Estado de S.Paulo, 1/5/2009
Um dos símbolos da ditadura, a Lei de Imprensa acabou. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ontem inconstitucional uma das últimas legislações do período militar que ainda vigorava. Num julgamento histórico, em ação impetrada pelo PDT, 7 dos 11 ministros decidiram tornar sem efeito a totalidade da lei, editada em 1967, ao concluir que ela era incompatível com a democracia e a Constituição Federal. [Leia a íntegra da Lei de Imprensa.]
Depois desse julgamento, os juízes terão de se basear na Constituição e nos códigos Penal e Civil para decidir ações criminais e de indenização contra jornalistas. A Lei de Imprensa previa penas de detenção mais rigorosas que o Código Penal para os profissionais da mídia que cometessem os crimes de calúnia, injúria e difamação.
O principal debate ocorreu por causa do direito de resposta. Para a maioria dos ministros, esse direito está previsto na Constituição – observaram, também, que há um projeto em tramitação no Congresso para regulamentar esse direito.
Escola Base
O presidente do STF, Gilmar Mendes, queria manter em vigor os artigos que estabelecem as regras para o requerimento e concessão de direito de resposta. Para convencer os colegas, chegou a citar o caso da Escola Base. Em 1994, veículos de comunicação divulgaram reportagens sobre suposto abuso sexual contra crianças que estudavam no local, mas a Justiça constatou que os donos foram injustamente acusados. ‘Os veículos da mídia produziram manchetes sensacionalistas’, disse.
A maioria dos ministros entendeu, porém, que a lei deveria ser derrubada integralmente. ‘A liberdade de imprensa não se compraz com uma lei feita com a preocupação de restringi-la, de criar dificuldades ao exercício dessa instituição política’, afirmou o ministro Carlos Alberto Menezes Direito. A ministra Cármen Lúcia endossou: ‘O ponto de partida e de chegada da lei é garrotear a liberdade de imprensa’. ‘A lei foi editada em um período de exceção institucional, cujo objetivo foi o de cercear ao máximo a liberdade de expressão com vista a consolidar o regime autoritário que vigorava no País’, opinou o ministro Ricardo Lewandowski.
O decano do STF, Celso de Mello, disse que a liberdade de expressão e manifestação de ideias, especialmente quando exercidas por intermédio dos meios de comunicação, não podem ser impedidas.
‘A liberdade de imprensa não traduz uma questão meramente técnica. Representa matéria impregnada do maior relevo político, jurídico e social. Essa garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares da ordem democrática’, afirmou Celso de Mello.
Contra
As discussões começaram a se modificar com o voto de Joaquim Barbosa, para quem deveriam ser mantidos os artigos que estabelecem as punições, inclusive detenção, para os jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação. A ministra Ellen Gracie concordou.
Marco Aurélio Mello, que votou contra a derrubada da lei, foi enfático: ‘A quem interessa o vácuo normativo? A jornais, jornalistas, aos cidadãos em geral?’ Ele disse que a decisão do STF instalará a ‘Babel’. ‘Não me consta que a imprensa do País não seja livre’, afirmou.
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Liberdade de imprensa
Mudança de regra
Maioria dos ministros do STF se posicionou a favor da revogação da lei, editada em 1967, sob o regime militar.
O que muda com a derrubada da Lei de Imprensa
Com a alteração das regras, ações terão de ser baseadas nos códigos Penal e Civil.
Como consequência, haverá mudanças nas possíveis penas a serem aplicadas.
Calúnia
O que dizia a Lei de Imprensa: quem cometia calúnia poderia ser punido com detenção de 6 meses a 3 anos e multa de 1 a 20 salários mínimos.
O que dizem os códigos Civil e Penal: no Código Penal, quem comete calúnia está sujeito a penas de 6 meses a 2 anos de detenção e multa.
Difamação
O que dizia a Lei de Imprensa: quem difamava alguém poderia ser punido com detenção de 3 a 18 meses e multa de 2 a 10 salários mínimos.
O que dizem os códigos Civil e Penal: pelo Código Penal, quem difama pode ser punido com detenção de 3 meses a 1 ano e aplicação de multa.
Injúria
O que dizia a Lei de Imprensa: quem cometia injúria poderia ser punido com detenção de 1 mês a 1 ano ou multa de 1 a 10 salários mínimos.
O que dizem os códigos Civil e Penal: pelo Código Penal, a pena para quem comete injúria pode ser de detenção de 1 a 6 meses ou multa.
Indenização
O que dizia a Lei de Imprensa: a eventual indenização deveria ser fixada em valores que variavam de 2 a 20 salários mínimos.
O que dizem os códigos Civil e Penal: o Código Civil não prevê limitação para os valores referentes a eventuais indenizações.
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Entre o avanço e o retrocesso
Alberto Dines # comentário para o programa radiofônico do OI, 30/4/2009
Não é apenas o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) que está empenhado em extinguir o que sobrou da Lei de Imprensa. Também o patronato jornalístico andou seriamente envolvido com a mesma causa, evidentemente por razões diferentes. Mas, no intervalo de 30 dias entre as duas votações no Supremo Tribunal Federal, ficou evidente que os jornalões arrefeceram o seu entusiasmo.
Pesou a opinião de juristas de importantes como Miguel Reale Jr. e Manuel Alceu Afonso Ferreira, que mostraram o perigo de sepultar os 55 artigos que restaram do estatuto original da famigerada Lei de Imprensa sem se dispor de um instrumento legal substituto.
Assim, todas as questões terão que ser resolvidas com base no Código Penal – que jamais foi xingado de ‘entulho autoritário’, porém ostenta em seu DNA as marcas inconfundíveis do Estado Novo, criado que foi em dezembro de 1940 pelo reacionaríssimo ministro da Justiça de então, Francisco Campos.
Soluções injustas
A votação marcada para quinta-feira (30/4) no STF não mereceu da grande imprensa qualquer destaque. Nos últimos dias Miro Teixeira ficou sozinho porque as empresas jornalísticas estavam mais incomodadas com a existência de uma lei especifica para a imprensa do que com o estabelecimento de uma estrutura legal genuinamente democrática.
Resultado: caso a Lei de Imprensa seja totalmente extinta, aposentada, no lugar de avanço poderemos ser levados ao retrocesso.
Fascinados por símbolos politicamente corretos muitas vezes somos levados a adotar soluções moralmente injustas.
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