Nas últimas semanas a pandemia e a política dividiram o tempo dos noticiários pelo país, infelizmente não com informações sobre o fim da primeira e a tranquilidade da segunda. Ontem (15) eleitores das pequenas e grandes cidades brasileiras saíram de suas casas para cumprir seu dever com a democracia, em uma eleição que deixa sua marca na história em duas frentes: a ausência de partidos carimbados dominando o pleito das prefeituras nas capitais (como PT, PSDB e o PSL, que na última eleição presidencial teve significativa relevância); e a alta taxa de abstenção, a maior nas últimas duas décadas.
Esse segundo fator já era até esperado, afinal, estamos chegando a nove meses desde que os cuidados para barrar a proliferação do coronavírus foram instaurados no país. Uma gestação que está longe do fim, principalmente com o relaxamento nas medidas de prevenção como pode-se observar em algumas zonas de votação.
Apesar dos esforços do Tribunal Superior Eleitoral em exigir o uso de máscara, disponibilizar álcool em gel, estimular o distanciamento e estipular um horário preferencial para as pessoas do grupo de risco, sobraram no país aglomerações e eleitores utilizando proteção facial apenas dentro das seções de votação.
Em crises de saúde como essa é normal esperarmos que o Chefe de Estado incentive os cuidados e vibre com os avanços para sanar tal problema, mas o que vemos no Brasil é um líder ruvinhoso que além de comemorar a pausa no teste da vacina por uma picuinha contra seu adversário político, ainda humilha o povo que governa chamando-os de “maricas”, minimizando, mais uma vez, as consequências da pandemia, afinal, “todos nós vamos morrer um dia”.
Se ainda achou pouco para uma semana, saiba que houve também uma afronta a nível internacional. Desiludido com a derrota da sua referência norte americana, Bolsonaro ressaltou que caso a saliva não baste para dialogar com Joe Biden, ainda nos resta a pólvora. O resultado foi muita vergonha alheia e uma infinidade de memes.
Embora o presidente ainda tenha muitos apoiadores espalhados pelo país, os resultados da eleição de ontem de certa forma revelam um descontentamento da população com aqueles que têm o apoio do presidente. Dos sete candidatos a prefeito apoiados assumidamente por Bolsonaro, apenas dois continuam na disputa durante o segundo turno; Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro, e Capitão Wagner, em Fortaleza.
Vale destacar ainda a queda de Celso Russomanno nas pesquisas para a prefeitura de São Paulo. Após Bolsonaro manifestar apoio ao candidato do Republicanos, ele caiu de segundo para quarto, sendo ultrapassado por Guilherme Boulos (PSOL), que disputará o 2º turno com Bruno Covas (PSDB).
No dia em que foi comemorado 131 anos do declínio da monarquia no Brasil, será o resultado nas urnas um sinal de esperança para renovações políticas também em 2022? Talvez, mas muita coisa estará em jogo até lá.
No entanto, o desfecho nas capitais sinaliza sim uma mudança na consciência política, mostra que não basta um apoio grande para se reeleger. Aos políticos a sociedade mostra que é preciso ser coerente nas ações, ou sentirão na garganta o gosto amargo do cargo se esvaindo, assim como sentiram alguns prefeitos que não conseguiram sequer chegar ao segundo turno.
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Carlos Marciano é doutor em Jornalismo e pesquisador do objETHOS