Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O que colocar no lugar?

Dois dias antes da votação no Supremo Tribunal Federal (STF) da revogação da Lei de Imprensa, o Observatório da Imprensa na TV exibido na terça-feira (28/4) discutiu a necessidade de uma legislação específica para regular a atividade de jornalistas e meios de comunicação. Promulgada em 1967, em plena ditadura militar, a lei prevê a apreensão de jornais e punições para crimes de calúnia, injúria e difamação. Em fevereiro de 2008, o deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) propôs uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em nome do PDT, que solicitava a revogação total da lei. Nessa ocasião, por liminar, o STF suspendeu a vigência de 20 dos 77 artigos da legislação e determinou que juízes deveriam basear-se nos Códigos Civil e Penal para punir excessos da imprensa.


Para debater o tema no programa, Alberto Dines recebeu no estúdio de São Paulo o jurista Miguel Reale Júnior e o jornalista Sidnei Basile. Miguel Reale Júnior é professor titular da Faculdade de Direito da USP e foi ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. Tem mais de 20 livros publicados, sendo o mais recente o romance O Juramento. Sidnei Basile é jornalista há mais de 40 anos. Trabalhou na Folha de S.Paulo e Gazeta Mercantil, entre outras empresas. É diretor de Relações Institucionais da Editora Abril.


Antes do debate ao vivo, Dines comentou assuntos de destaque nos últimos dias. Susan Boyle, o novo fenômeno da mídia mundial foi o primeiro tema da coluna ‘A Mídia na Semana’. ‘A escocesa gorducha e sem graça era uma ilustre desconhecida no dia 11 de abril, quando apareceu num programa de calouros inglês. Hoje, é uma nova diva vista por mais de 100 milhões de pessoas através do YouTube.’ Em seguida, Dines comentou a postura da imprensa em relação ao câncer diagnosticado na ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. ‘Desta vez, a imprensa terá que abandonar sua habitual veemência. A ministra não é uma heroína nem pode ser tratada como objeto político. É um ser humano como milhões de outros dispostos a enfrentar as armações do destino’, disse.


A necessidade de uma nova mentalidade


Em editorial sobre a Lei de Imprensa, Dines chamou a atenção para o fato de que a ‘pura e simples’ extinção da lei não significa uma melhora imediata no padrão da imprensa brasileira. ‘Varrido o entulho autoritário, é indispensável iniciar um movimento de construção de uma nova estrutura e uma nova mentalidade midiática.’ Para Dines, as dificuldades para garantir o direito de resposta são tão graves quanto as ‘vergonhosas’ concessões de radiodifusão a parlamentares. ‘A extinção da Lei de Imprensa contém uma grande carga simbólica e moral. Deve ser saudada. Mas é preciso lembrar que a vida continua e muita coisa continuará como está. Depois de remover o entulho é imperioso cimentar novos caminhos’, disse.


A reportagem exibida no programa ouviu a opinião do jurista e especialista em comunicação José Paulo Cavalcanti Filho e dos jornalistas Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Aluízio Maranhão, editor de Opinião de O Globo. O presidente da ABI defende a revogação total da lei porque ela colide com o texto constitucional, que assegura a liberdade de opinião e expressão e veda a possibilidade de censura. É um entrave ao livre fluxo de opiniões.


José Paulo Cavalcanti Filho disse que a legislação poderia estar suspensa desde 1997, se a mesa da Câmara dos Deputados tivesse posto em votação um projeto do então deputado federal Vilmar Rocha (PFL-GO), que pedia a revogação da lei. ‘É como se uma conspiração deletéria entre as grandes corporações de comunicação e a elite política do Congresso impedisse o país de ter uma Lei de Imprensa decente’, criticou. Para Aluízio Maranhão, não podem existir ‘vácuos’ se a lei for revogada. O direito de resposta deve ser garantido com regras sensatas e objetivas. Outro ponto a ser discutido é a concessão de indenizações pela Justiça. Se não houver barreiras neste aspecto, em locais onde o poder político influencia o Poder Judiciário haverá o risco da falência de meios de comunicação.


Lei de Imprensa vs. Código Penal


No debate ao vivo, Dines perguntou ao jurista Miguel Reale Júnior se, com a revogação da Lei de Imprensa, uma nova legislação seria criada ou se códigos preexistentes seriam adotados. O jurista advertiu que está sendo propalado que a legislação em vigor é um entulho autoritário, mas que a questão deve ser examinada com cuidado. ‘Na medida em que se revoga inteiramente a Lei de Imprensa, está se revogando dispositivos altamente benéficos para a liberdade de expressão’, explicou.


A Constituição de 1988 estabelece a liberdade de expressão, mas ela não é absoluta. Está sujeita ao respeito à honra, à proteção da imagem e do nome dos indivíduos. Para o jurista, é um engano acreditar que a aplicação do Código Penal é mais branda do que os dispositivos da Lei de Imprensa. A pena máxima do Código Penal e da Lei de Imprensa para calúnia, injúria e difamação é a mesma, mas a do Código Penal prevê que quando estes crimes são cometidos por um meio de divulgação, a pena é um terço maior.


É impossível criminalizar qualquer atividade humana exercida em boa fé, na opinião de Sidnei Basile. Se é necessário uma legislação especial para jornalistas, seria necessário para outras profissões liberais. Caso a Lei de Imprensa seja revogada, na opinião de Basile os jornalistas estarão em posição de isonomia em relação aos demais cidadãos brasileiros, que também estão condicionados pelos dispositivos do Código Penal em relação aos crimes contra a honra. Ele concorda com o ministro Gilmar Mendes no entendimento de que não pode haver um ‘vácuo’ caso a lei seja extinta. Mas argumentou que ‘uma coisa é respeitarmos a legislação mais branda, mais democrática que foi se estabelecendo ao longo da história; outra coisa é advogarmos uma lei específica que discipline a nossa atividade profissional’.


Um futuro incerto para a imprensa


Miguel Reale Júnior não acredita que a lei seja revogada por inteiro pelo STF porque ainda deve haver amplos debates sobre o assunto. ‘Há problemas muitos sérios pela frente’, avisou. Um deles será a responsabilidade do editor-chefe em relação aos textos não assinados, presente em leis de imprensa de diversos países. ‘Quem será responsável pela calúnia cometida na parte editorial de um jornal ou de uma rádio ou televisão?’, questionou.


Outro ponto polêmico é a limitação do direito de crítica. Segundo o jurista, o Código Penal comum regula as manifestações particulares e não de divulgação ampla. Já a Lei de Imprensa, estabelece que não constitui crime a divulgação, discussão e crítica de atos do Poder Executivo. ‘Não constitui crime a crítica realizada por interesse público. São aspectos amplos e que dão garantia de respaldo à liberdade de manifestação do pensamento e especialmente à liberdade de crítica no campo político que não existe no Código Penal.’


Para o jurista, as interpretações que podem se seguir a uma revogação absoluta da Lei de Imprensa – a aplicação ou não aplicação do Código Penal – desprotegerão ou a honra como bem fundamental da pessoa humana ou a liberdade de manifestação do pensamento. ‘Há que se ter a expectativa de um novo projeto de lei de imprensa’, defendeu. Miguel Reale relembrou que, em 1991 a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elaborou um projeto de lei de imprensa que não foi votado. ‘Eu não sei se o Congresso Nacional, na crise em que vive hoje, teria condições de votar uma nova Lei de Imprensa. Por que não se votou uma nova Lei de Imprensa no decorrer destes anos, desde a Constituição de 1988?’, questionou. Sidnei Basile concorda que na atual conjuntura de crise do Congresso é difícil a aprovação de uma nova legislação.


A imprensa deve se auto-regular?


Dines perguntou a Sidnei Basile o porquê de a ‘instituição jornalística’ ser contra uma lei reguladora que a sociedade moderna exige. Para o jornalista, a recusa de uma regulação tem relação com a trajetória do país, marcada pela censura dos meios de comunicação. Basile destacou que é preciso ficar claro que não é o Estado que fiscaliza a imprensa, mas a imprensa é que deve fiscalizar o Estado. A questão da auto-regulação foi sublinhada por Basile. ‘Temos relativamente muito espaço para regulação de fora para dentro e pouco espaço para regulação de dentro para fora’, avaliou. O jornalista relembrou o voto do ministro Carlos Ayres Britto, que defende que não haja qualquer lei regulando a atividade de imprensa e, nesse sentido, a liberdade de expressão é uma liberdade ‘sem tamanho’. A auto-regulação corresponderia a uma cultura da boa fé. ‘Se nós não acompanharmos a discussão do final da Lei de Imprensa com uma discussão de estabelecimento de critérios de auto-regulação, vamos ficar patinando nesse pântano intelectual’, disse.


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Entulho varrido


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 500, exibido em 28/4/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Esta edição do Observatório da Imprensa na TV é de número 500. A primeira foi ao ar na TVE, precursora da TV Brasil, há onze anos, em 5 de maio de 1998.


Tudo é história, todos os momentos são cruciais, memoráveis. A quinta-feira (30/4), poderá inscrever-se na história da imprensa brasileira se o Supremo Tribunal Federal aprovar a extinção da Lei de Imprensa, o estatuto remanescente do regime militar, também chamado de entulho autoritário.


A ditadura acabou, a nova Constituição-Cidadã de 1988, ofereceu um novo cenário jurídico não apenas para o exercício das liberdades, sobretudo a de expressão, mas também para o exercício do jornalismo.


Isso não significa que a extinção pura e simples da Lei de Imprensa irá produzir imediatamente uma melhora no padrão da nossa imprensa, um fluxo noticioso mais fluente e um acesso à informação mais diversificado.


Varrido o entulho autoritário, é indispensável iniciar um movimento de construção de uma nova estrutura e uma nova mentalidade midiática. Tão grave quanto as dificuldades para garantir o direito de resposta são as vergonhosas concessões de radiodifusão a congressistas que comprometem a lisura e a legitimidade da nossa mídia eletrônica.


A extinção da Lei de Imprensa contém uma grande carga simbólica e moral. Deve ser saudada. Mas é preciso lembrar que a vida continua e muita coisa continuará como está. Depois de remover o entulho é imperioso cimentar novos caminhos.


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A mídia na semana


** A fabricação de celebridades produziu instantaneamente uma nova estrela mundial: Susan Boyle. A escocesa gorducha e sem graça era uma ilustre desconhecida no dia 11 de abril quando apareceu num programa de calouros inglês, hoje é uma nova diva vista por mais de 100 milhões de pessoas através do YouTube. Quanto tempo conseguirá manter-se em cartaz não se sabe. A única coisa que não devemos esquecer é que a última Cinderela planetária, também revelada pela TV inglesa, chamava-se Jade Goody e morreu no fim de março depois de uma fulgurante e trágica trajetória de sete anos.


** A ministra Dilma Rousseff teria preferido freqüentar as primeiras páginas por outras razões. A imprensa, por sua vez, teria preferido que a candidata do presidente Lula não tivesse anunciado numa entrevista coletiva, diante dos seus médicos, que extraiu um pequeno câncer linfático há três semanas. Desta vez a imprensa terá que abandonar sua habitual veemência. A ministra não é uma heroína nem pode ser tratada como objeto político. É um ser humano como milhões de outros dispostos a enfrentar as armações do destino.