Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os ‘fenômenos’ sob a luz da teoria

Já nos idos dos anos 1970, quando nos debruçávamos sobre os textos dos teóricos precursores da teoria da informação e da comunicação, como Saussure, Chomsky, Charles Sanders Peirce, Abraham Moles, Umberto Eco, Roland Barthes ou McLuhan, tanto durante o curso de graduação em Comunicação/Jornalismo (UFF), como na pós, aspirando o mestrado em Sistemas de Significação (UFRJ), um inquieto estado de intangibilidade fluida, entre o postulado teórico e a prática industrial que representa da cultura de massas, foi sempre o fator mais questionável entre professores, alunos, orientadores, graduandos e pós-graduandos.

Sempre foi e será difícil tentar explicar por vias matemáticas e lógicas a montanha russa da formação dos tais mitos ‘vendáveis’ como produtos ditos mercantilizados na fome a ser saciada pelos diversos públicos das diversas mídias, e o que é possível se resume, quase sempre, à constatação óbvia de que há uma via de mão dupla, entre sociedade e notícias, explicada muito bem num texto-conferência do publicitário Rafael Sampaio, do qual destaco o seguinte trecho:

‘O século 19 foi dominado pelo conceito dos enciclopedistas. Toda a cultura, a universidade, como a conhecemos hoje, ainda é extremamente dependente dessa cultura enciclopédica: `Sim, eu tenho toda a informação e vou conceder o favor de passar isso adiante.´ Isso foi uma tremenda evolução na história da humanidade. O grande problema é que ela tende a um certo assexuamento, ou seja, ela não produz informação, não gera conhecimento pela quantidade de informações que se recolhe, porque a conectividade entre as informações que estão na enciclopédia é baixa. E só há produção de conhecimento quando há conectividade, quando existe até mesmo conflito entre idéias diferentes, entre conceitos diferentes, aplicáveis a ramos diferentes.

Receptividade constatada

No caso da sociedade de comunicação de massas, qual foi a grande cultura? A cultura pop. Num certo sentido, houve um empobrecimento da cultura, porque a cultura fica mais esquemática. Pega-se uma ópera para transformá-la num musical. Pega-se uma ária que precisa de artistas com 20 anos de formação, às vezes, para poder cantá-la bem, que demanda um ambiente todo sofisticado como cenário, e transforma-se isso numa música popular, numa música country, numa música caipira daqui. Então, o que se faz?

Na comunicação de massas, em benefício de se falar com mais pessoas, em benefício de se ter uma mercadoria, em benefício da democratização, da amplificação, abre-se mão de qualidades artísticas, abre-se mão da profundidade porque não tem outro jeito. Inclusive porque não dá mais para qualquer um de nós saber tudo que acontece no mundo. Não conseguiremos jamais, nenhum ser humano poderá apreender tudo que existe sobre todas as áreas porque o volume de conhecimento é tão grande que é impossível adquiri-lo e trabalhar sobre ele.’

Com base em parte de uma conferência do publicitário Rafael Sampaio, voltemos a falar dos ‘fenômenos’ que a mídia, ou melhor, as várias mídias, sustentam, aos nossos olhos atentos, por razões de receptividade constatada, evidentemente.

Um oceano de idéias

Não seria plausível considerar que o noticiário voltasse seus holofotes para figuras nacionais ou internacionais, num mix interativo que reúne ‘olimpianos’ (conceito de Edgard Morin) como Madonna, Maradona, Lula, Zé Dirceu, Ronaldo, jogador do Corinthians, Lady Diana, Dilma Rousseff, Hillary Clinton, Barack Obama ou John Kennedy, não importando se estão entre os vivos ou mortos.

Na medida em que voltam às primeiras páginas e são alvo de manchetes, permanecem fontes intensas de informação decodificada, são a representatividade efetiva da cadeia que une interesses sólidos de consumidores por um produto chamado ‘ser humano’, tanto quanto se busca as marcas de automóveis, geladeiras, os roteiros turísticos ou as indicações de best sellers.

Os lados obscuros e ocultos da vida dessas criaturas que se tornam ‘fenômenos’ cultuados pelas mídias atuais revelam e vão de encontro ao grande interesse do público em geral e nem adianta questionar a quem interessa tal jogo em torno da manutenção dos seus nomes no noticiário, como se fora uma orquestração que venha de cima, pura e simplesmente.

A coisa ocorre com muito mais sutileza e tem profundidade científica, para os teóricos da cultura de massas, que ora se engajam no entendimento da pós-modernidade e na cultura cibernética, esta sim, nova faceta de um leque de possibilidades ainda a ser assimilado por trazer a questão da instantaneidade, on line, para o diálogo direto entre emissores e receptores, o que cria um imenso oceano de idéias a serem trocadas e difundidas na velocidade, espaço e tempo nunca antes imaginados.

Assunto voltará como conteúdo esmiuçado

Se a massificação impõe nomes e fatos, alguns por longo tempo, sobre nossas cabeças e ouvidos, é porque ela obtém resultados para os seus propósitos, sejam comerciais ou institucionais, sejam baseados em campanhas publicitárias ou políticas, sejam em função de propostas duvidosas que objetivam denegrir ou mesmo formatar imagens de determinados expoentes da vida política, artística, esportiva ou religiosa, e muitas mais.

Em casos específicos, como os citados em artigo recente no Observatório da Imprensa, referindo-se ao jogador de futebol Ronaldo e ao político, ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, é pertinente observar que há conteúdos variados que despertam interesse em quem divulga e por parte de quem consome tal noticiário, daí que seus nomes permanecem na linha de frente, e seria infantil e inútil, sob o ponto de vista teórico, indagar-se um motivo para que isso se suceda. Já que há em cada história humana, ao ser trabalhada pelas diversas mídias, em termos de cultura industrializada da informação, um elemento básico, direto, objetivo, isto é, o assunto ‘vende’, atrai, suscita desdobramentos.

A entrevista concedida pela ministra Dilma, potencial candidata ao cargo de presidente da República em 2010, para divulgar o surgimento de uma doença grave que a obrigará a um tratamento quimioterápico, confirma o suporte teórico para a repercussão do fato e, certamente, durante longos meses ou até anos, o assunto voltará como conteúdo esmiuçado ao vaivém da mídia, sedenta por detalhes de toda ordem.

Elementos para pensar e refletir

Muitas vezes, com certeza, este ir e vir constante de exposição midiática deve incomodar muito mais a eles próprios, ao se verem manipulados em suas vidas pessoais por tanto bombardeio noticioso, do que à massa ávida de ler, ouvir e acompanhar fatos e informações que também podem ser especulações, ilações e até mesmo, com raridade, mentiras ou notícias plantadas, como costumamos dizer nas redações, ao analisarmos as inúmeras notas mal intencionadas, que, ao fim e ao cabo, também fazem parte das jogadas praticadas pelo ‘fenômeno mídia’.

Mas, fiquemos e nos restrinjamos ao fato de que há ainda gente séria a editar nossos jornais, revistas, telejornais e rádio reportagens, sendo possível filtrar, através da experiência e com a devida atenção, o percentual de boa ou má intenção que o poder das mídias modernas dispõe para conduzir e formar opinião pública, descontando-se, todavia, que o imponderável e o incontrolável, ainda são, infelizmente, ingredientes falhos a serviço da prática.

Isto confirma a teoria, nos alertando para a responsabilidade que representa entrevistar, escrever ou especular sobre alguém ou sobre algum fato, eximindo-se do critério opinativo personalizado o melhor que se consiga, para oferecer elementos suficientes e deixar que os públicos pensem, reflitam , aprofundem conclusões, aperfeiçoando o processo democrático que a cultura de massas bem poderia e pode ensejar.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ