Pesquisa eleitoral sempre acertou e errou resultado de eleição e sempre foi fonte de informação para o jornalismo. Aliás, fonte de informação, debate e pauta. Assim como motivo de polêmica quando a eleição acaba. Nas eleições deste domingo, as pesquisas foram também, tradicionalmente, divulgadas e analisadas pelos comentaristas e jornalistas. Mas as diferenças entre os levantamentos dos institutos e os resultados eleitorais parecem indicar uma tendência, ou que algo pode não estar sendo percebido tanto pelos institutos quanto pelos jornalistas que usam os números e as previsões para tentar entender como vai ser o pleito. O voto conservador tem sido maior nas urnas do que nas pesquisas. Tanto nas eleições para prefeito esta semana quanto também nas eleições americanas do começo do mês.
Claro que pesquisa eleitoral é intenção de voto — e não o voto em si — e é feita por amostragem, e não, obviamente, um levantamento entre a totalidade dos eleitores. É percentual, indicativo. Mas vamos analisar rapidamente os números desta eleição em algumas cidades e tentar entender as diferenças que podem indicar um certo padrão. Primeiro, é importante reconhecer que pode estar mais difícil prever a ação dos eleitores neste momento do que em outros e pensar a que se pode atribuir essa dificuldade.
Nas eleições dos Estados Unidos para presidente, essa desconfiança já foi levantada. E confirmada. Desde os números nacionais até resultados de estados. As pesquisas mostravam 51% x 44%, 52% x 2%, 52% x 45% a favor do democrata e presidente eleito Joe Biden, entre diferentes institutos de pesquisa anunciados sempre por empresas jornalísticas como NBC, Wall Street Journal e Reuters. Até a Fox News dava 52% para Biden contra 44% em fim de outubro. O resultado da eleição foi a vitória do democrata, mas o que chama a atenção é que as pesquisa não conseguem acertar os votos conservadores. Eles sempre crescem nas urnas. O resultado oficial até o momento, segundo a Associated Press, que é quem divulga o número de votos apurados, é de 51% a 47%.
Claro que precisamos pensar na margem de erro e que não houve inversão na previsão, mas no resultado dos estados fica mais clara a falta de precisão. Na Flórida, por exemplo, as pesquisas davam empate técnico, com vantagem para Biden. A Reuters chegou a dar 50%x46% para Biden. A exceção, neste caso, foi o New York Times, que dava a vitória para Trump, acertou a diferença percentual entre eles de 4%, mas não cravou os números. O jornal estimava 47%x43% para Trump. O resultado foi a vitória de Trump com 51% contra 47% de Biden.
O que fica evidente é a dificuldade de medir o voto conservador. No resultado das eleições, especialmente dos últimos anos, quando a onda conservadora passou a crescer em diversos países do mundo e a crise da política ao mesmo tempo se instalou, numa sucessão não apenas de críticas a políticos, ao sistema e à própria democracia, mas um demérito da própria política para a sociedade. O voto conservador, aparentemente mais evidente do que antes, é também aquele que é menos captado pelas pesquisas. E que, na hora da urna, acaba subindo em número e em percentual, surpreendendo candidatos, eleitores, partidos e institutos de pesquisa.
Citei os números das eleições recentes nos Estados Unidos para dizer que este pode ser um fenômeno que está acontecendo em diferentes países, assim como o aumento do voto conservador não é apenas um fenômeno local. As eleições deste domingo no Brasil também mostraram erros nas pesquisas de intenção de voto. Na mesma direção. As pesquisas subestimaram ou não conseguiram medir o voto da direita.
Em São Paulo, as pesquisas já indicavam vitória de Covas, do PSDB, contra Boulos, do PSOL. Mas o Datafolha dava 57% contra 43%, enquanto o Ibope mostrava Bruno Covas com 48% e Guilherme Boulos com 36%. O resultado em São Paulo ficou com 59% contra 40% e, novamente, comprovou a leitura de que o voto conservador cresce nas urnas e não é medido nas pesquisas. Especialmente porque as pesquisas na cidade vinham mostrando queda do candidato do PSDB.
Na capital gaúcha ocorreu, inclusive, uma inversão de posições na votação. No primeiro e no segundo turnos. As pesquisas indicavam Manuela D’Ávila, do PCdoB, à frente no primeiro turno. E ela terminou a primeira etapa das eleições em segundo lugar. Na ocasião, se atribuiu o resultado a uma desistência de última hora de um dos candidatos, o que teria feito os votos intencionados a ele migrarem de véspera para o opositor de Manuela. Mas, no segundo turno, dois dias antes do dia da eleição, pesquisa Ibope dava a virada de Manuela em cima do candidato do MDB, Sebastiao Melo, mesmo com empate técnico, num percentual de 51% contra 49% a favor de Manuela. O resultado das urnas foi a vitória de Melo com 54,6% dos votos contra 45,3% para Manuela, uma diferença de quase 10 pontos. Mais uma vez, as pesquisas não mediram o voto conservador.
A primeira coisa é conseguir perceber essa falta de habilidade em medir essa intenção de voto. O Ibope parece que percebeu de véspera e não anunciou pesquisa de boca de urna nas eleições deste domingo. Não quis arriscar. Não fez pesquisa ou não divulgou os resultados e também não justificou o motivo do cancelamento. Talvez porque sabia que iria errar?
Eu trouxe o tema para este comentário pela relação direta que tem com o jornalismo. Os veículos de comunicação contratam várias pesquisas de intenção de votos ou as divulgam. As pesquisas são pauta, assunto, fonte e um dos motores das matérias jornalísticas sobre as eleições. Então nos cabe pensar sobre essa falta de habilidade em ser preciso e até em errar totalmente o resultado de pleitos, mesmo sabendo que são intenções de voto e não voto na urna. Elas estão errando sempre na mesma mão. Na intenção de voto à direita. Como? Por quê?
Já ouvi algumas indicações. O voto conservador é decidido de última hora? Ou, como sugeriu o youtuber Felipe Neto na noite de domingo ainda, no Twitter, indicando a questão que também já tenho ouvido desde as eleições americanas? Ele diz: “Enquanto os institutos de pesquisa não entenderem que parte da população tem vergonha em admitir que vota em candidatos da extrema direita, vai continuar errando tudo”. Muitas pessoas que votam na direita têm vergonha de declarar voto e acabam se “confessando” apenas às urnas? A medição do voto conservador precisa ser avaliada e investigada pelos institutos de pesquisa e também pelo jornalismo, que só usa os números mas pouco se debruça sobre eles, sobre como são extraídos, seus métodos para levantamento dessas intenções. O risco é as pesquisas perderem ainda mais credibilidade e o jornalismo um ponto a menos em relevância na cobertura de eleições. Isso que nem falamos das coberturas burocráticas, dos comentaristas enfadonhos e conservadores, das declarações oficiais e do papel das redes sociais em informar mais que a imprensa. Mas isso fica pra outro comentário. Vamos pensar nas pesquisas, porque 2022 chega logo e elas precisam medir as intenções de voto direito.
Texto publicado originalmente por objETHOS.
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Vanessa Pedro é professora da Unisul e pesquisadora associada do objETHOS.