‘A propósito das minhas reiteradas críticas ao modelo de exibição de documentários adotado atualmente pela TV Cultura, o coordenador do Núcleo de Controle de Qualidade, Gabriel Priolli, enviou mensagem que considero um marco divisório na qualidade da discussão e das reflexões dos profissionais da emissora sobre a questão. Gabriel informa que minhas observações têm provocado muita reflexão e intensos debates, o que me deixa gratificado e com a sensação de estar cumprindo meu dever de ombudsman. O que merece destaque, no entanto, é a reflexão que ele faz e que transcrevo abaixo.
Há pouca divergência sobre a inadequação dos documentários, posto que, de fato, a grande maioria da produção documental brasileira é concebida e realizada com critérios cinematográficos que nada têm a ver com as exigências da comunicação televisiva. Os realizadores ainda vêem a TV apenas como janela secundária de distribuição de seus produtos, que são feitos para fruição em sala de cinema, para um público mobilizado e familiarizado com a vanguarda do documentarismo, um público absolutamente distinto do televisivo.
Na quase totalidade dos casos, tudo o que define o ‘formato televisivo’, para esses realizadores, é o filme ter 24 ou 52 minutos. Nenhum deles quer abrir mão de sua ‘expressão artística’, em função da comunicabilidade. A narração em off, por exemplo – recurso que, sabidamente, facilita a compreensão dos conteúdos – já está quase banida, porque seria um recurso ‘careta’, ‘atrasado’. Um apresentador/condutor da história, então, é impensável. Exatamente, e paradoxalmente, porque ‘isso é coisa de televisão’.
Não restam dúvidas, portanto, de que ansiamos por uma oferta maior de documentários mais televisivos. Tudo que há ou houver na praça, nesses moldes, nos interessa por definição.
O ponto no qual temos dúvidas, senão discordância de você, é sobre o nosso dever de interferir nos documentários que nos chegam, para assegurar a comunicabilidade que o realizador não soube construir. Isso é difícil de implementar, dada a resistência dos cineastas e a nossa insuficiência de recursos. Teríamos de montar uma equipe apenas para negociar mudanças e fazer complementos/ajustes nos documentários, o que é inviável, no nosso desenho atual de produção.
Mas o problema é mais amplo, é artístico. Temos o direito de fazer isso? Interferir na obra alheia, ainda que a título de aumentar a sua comunicabilidade, não é uma forma de violentá-la? Alguns de nós acham que sim. Se interferimos, qual o espaço que restará à criação de linguagem, à experimentação? Fomentar isso não é missão da TV pública? Vamos exibir apenas ‘os mesmos documentários formato jornalístico que as emissoras comerciais exibem’? Não estaremos em pouco tempo, com essa lógica da adequação ao público, fazendo apenas programas sobre bichos, regimes de emagrecimento e temas comportamentais? É o que alguns colegas argumentam.
Por aí você vê como a questão é complexa. O que temos plena consciência é de que a intenção de aumentar a participação de produção independente na TV implica numa ‘missão civilizadora’ nossa. Temos de ‘educar’ os realizadores para as necessidades e exigências da TV, sem inibir a criatividade deles. Com certeza, é trabalho de fôlego e de longo prazo. Mas é nosso papel enfrentá-lo.
No curto prazo, não vejo solução. Vamos seguir exibindo documentários inadequados para TV. Até porque o mercado audiovisual brasileiro não nos dá muita alternativa, e não temos recursos para produzir tudo que exibimos (nem é cabível). Num estalar de dedos, preencheríamos a grade com documentários ultra-televisivos de canais estrangeiros. Mas isso não seria, certamente, o que se espera da TV pública do Brasil.
Sigamos polemizando, que esse assunto é rico e importante. Abraço, Gabriel.
O diagnóstico de Gabriel Priolli é preciso, rico e abrangente. Em relação ao que ele definiu muito bem como ‘nosso dever de interferir nos documentários que nos chegam, para assegurar a comunicabilidade que o realizador não soube construir’, também não acho que esta seja uma tarefa fácil de ser realizada.
No entanto, dado o notório estrago de audiência que essa incomunicabilidade representa para a TV Cultura atualmente, penso que deve ser uma prioridade da emissora não apenas criar as condições operacionais para essa adequação dos documentários, mas também sinalizar com firmeza, aos realizadores, que a grade da TV Cultura não é nem pode ser um festival de documentários cujo formato é inegociável ou isento de qualquer compromisso com sua viabilidade em televisão. Televisão, aliás, aberta. E do Brasil.
O compromisso de perseguir imediatamente esse objetivo ou, como disse Gabriel, essa ‘missão civilizadora’, não pode ser confundido com censura artística. Não estamos falando de arte ou de obras de autor. A quantidade de almas nos créditos de qualquer programa de televisão não me desmente. E também não estou propondo, direta ou indiretamente, em minhas críticas, uma sujeição da TV Cultura ao formato pobre, oportunista, repetitivo e editorialmente medíocre dos citados programas sobre bichos, regimes de emagrecimento e temas comportamentais.
Não se trata, absolutamente, de fazer uma escolha dramática e dicotômica entre, por exemplo, Júlio Bressane e João Emanuel Carneiro. Há um espaço múltiplo de temas, narrativas e linguagens inteligentes e inteligíveis (na TV) a ser explorado entre os extremos atuais.
Meu consolo ao ler, com tristeza, Gabriel Priolli informar que a emissora vai seguir exibindo documentários inadequados para TV – pelas razões conjunturais inquestionáveis que ele expõe em seu comentário – é a certeza de que o mesmo Gabriel Priolli vai aproveitar todas as oportunidades que surgirem ou forem criadas para tirar a área de documentários da TV Cultura do atual círculo vicioso de traços de audiência e incomunicabilidades.’
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‘Conheça os pontos positivos e negativos da programação exibida na última semana. Saiba quais atrações da TV Cultura ganharam destaque e as que ainda podem melhorar.
Versão 2.0
Ao Ponto, 6 de novembro
‘Ao ponto’ faz um pouco mais do que retomar, de forma competente, a fórmula consagrada dos programas para jovens cuja característica básica é a reunião deles em uma arena aconchegante, em torno de um apresentador carismático que puxa assuntos pertinentes e provoca discussões interessantes, entre uma e outra apresentação de música ao vivo. Jairo Bouer, além de comandar a conversa, é auxiliado nessa tarefa pelo jovem Renan Laviano, que, a julgar pelas primeiras participações, parece ser uma boa promessa de intervenções inusitadas e bem-humoradas. Outra providência que deu ritmo e envolvimento ao programa foi a de acrescentar, à conversa sobre um determinado tema, ali mesmo no estúdio, ações e situações de alto potencial de impacto em televisão. Dá mais trabalho do que produzir uma simples conversa? Claro. Mas faz uma enorme diferença…
Ridículo em cena
Jornal da Cultura, 4 de novembro
A matéria de redação do Jornal da Cultura sobre o acordo de cooperação nas áreas de violência e habitação assinado pelo prefeito do Rio, César Maia, com a cidade de Samarcanda, no Uzbequistão, registrou com eficiência mais um momento em que Maia afrontou, com o ridículo, o voto popular.
Além da nostalgia
Vitrine 18 anos
Foi interessante e revelador para os telespectadores mais recentes. E emocionante para os fãs mais antigos. O programa especial de comemoração dos 18 anos do Vitrine, reunindo, no estúdio C da TV Cultura, todo o time de apresentadores que passaram pelo programa, foi além da viagem nostálgica pelos arquivos da emissora. A conversa comandada por Rodrigo e Sabrina com Nélson Araújo, Maria Antônia Demasi, Cássia Mello, Leonor Corrêa, Renata Ceribelli, Maria Cristina Poli e Marcelo Tas produziu momentos saborosos de humor, inteligência e, claro, de muita competência no diálogo com a câmera de televisão.
Serviço completo
Roda Viva interativo na Internet, 4 de novembro
A equipe da TV Cultura está de parabéns pela transmissão experimental participativa, ao vivo, da entrevista com o chef espanhol Ferran Adrià. A enquete instantânea, a interação do prograna com os internautas, a câmera com imagens dos bastidores e o making of, em tempo real, das charges de Paulo Caruso, deram, sem grandes incidentes técnicos ou operacionais, mais uma idéia do novo tipo de conteúdo que vai sendo construído e aprimorado na ‘outra telinha’. Pena que o pessoal da TV aberta só vai ver o programa em dezembro.
Talento
Radiola, 3 de novembro
Um gol de placa: no quadro ‘Entrevista’ do Radiola, o músico e radialista Daniel Daibem deu uma extraordinária demonstração do potencial que tem de ir além do rádio e de começar a pensar seriamente – obviamente se este for o desejo dele – em trabalhar na televisão. Sua marcante e divertida linguagem corporal, o envolvente tom coloquial que ele usa para falar de música e os conceitos simples e brilhantes com os quais nos conduziu pela aventura da música fazem de Daniel uma espécie de profissional pronto para falar regularmente sobre o tema em qualquer emissora de TV. As explicações do que significam as palavras ‘funquear’ e chorus, esta última através da música ‘Mamãe eu quero’, foram inesquecíveis. Uma de suas frases: ‘Ter seis mil músicas num Ipod é como ir num restaurante a quilo e encher o prato de picanha, sushi, coxinha , lasanha e salada’. E sua definição do jazz – seja ou não a frase de sua autoria – é brilhante: ‘Sempre a mesma coisa, nunca do mesmo jeito’.
A tela é outra
Terra Paulista, 3 de novembro
Apesar do conteúdo potencialmente interessante, o episódio ‘Solidão e Fé’, repetindo o formato de outros da série Terra Paulista, continha várias inadequações para a exibição em TV aberta, em pleno horário nobre, sendo a principal delas a falta de uma boa narração no lugar do coloquialismo às vezes desnecessário das entrevistas que foram usadas como fio condutor da narrativa. Infelizmente, foi mais um caso de um bom conteúdo inadequadamente formatado para o tipo de veículo, o tipo de público e o horário de exibição.
Desinformação em série
Terra Paulista, 4 de novembro
Para completar a semana infeliz do Terra Paulista, este ombudsman constatou, perplexo, que o episódio ‘Solidão e Fé’, exibido dia 3 de novembro e criticado aqui no dia 4, tinha uma continuação ou segunda parte que foi exibida no dia 4. Não havia, no início ou no encerramento da primeira parte, qualquer informação, ainda que fosse uma brevíssima inserção de caracteres, informando ao telespectador que o que ele veria no primeiro dia tinha continuação.
Linha de produção
Radiola, 3 de novembro
Independentemente da qualidade das músicas e dos entrevistados – como no caso de Daniel Daibem – e do notório capricho de sua edição, o Radiola continua com uma proposta visual rígida e imutável demais para a diversidade do conteúdo que exibe e o tempo em que fica no ar semanalmente. A sensação de ‘linha de produção’ continua, acentuada pela ausência de entrevistadores/repórteres além de João Marcello Bôscoli – o que faz o programa parecer um pouco um eterno ‘abrir de microfones’, sem intervenções mais efetivas e visíveis de seus realizadores – e pela receita repetitiva de cenários, enquadramentos, iluminação e edição, como aconteceu nas entrevistas com as bandas Sapo Banjo e Mamma Cadela e com o rapper Slim Rimografia. É claro que a captação de áudio, nessas condições, fica perfeita. Mas o Radiola é um programa de televisão, não de rádio.
Tsunami de economês
Roda Viva, 27 de outubro
A entrevista com o professor Luiz Gonzaga Belluzzo bateu todos os recordes de despreocupação com o caráter fundamentalmente eclético que um conteúdo de televisão aberta deveria ter. Expressões como ‘risco de desalavancagem dos hedge funds’, ‘contratos assimétricos em operações de balcão’ e ‘marcação ao mercado’, usadas em profusão pelo entrevistado e desconhecidas não apenas do chamado telespectador médio, mas até de 80% das redações da imprensa brasileira, dominaram a conversa, tornando-a, em grande parte, elitista, excludente e, não raro, incompreensível, mesmo para o público tradicionalmente mais preparado do Roda Viva.
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Quem foi à aula?
(Coluna do ombudsman, 13 de novembro)
Uma análise que fiz do especial ‘O Discreto Charme das Partículas Elementares’ provocou uma fraterna resposta do diretor Ricardo Elias, deflagrando um diálogo que considero relevante e merecedor da atenção dos telespectadores. Faço abaixo um resumo da mensagem de Ricardo, esperando ser fiel ao seu conteúdo.
Ricardo concorda com a minha impressão de que a linearidade do programa e o fato de ele ter começado com uma situação em sala de aula tenham tornado o assunto ‘escolar’ demais, dificultado um pouco a apreensão. Diz, porém, que esta foi uma ‘opção consciente’, assim explicada: ‘Como o especial não teria uma continuidade achamos que ficaria deslocado um programa com apresentadores e quadros para expor o assunto’.
Ricardo disse ainda que, desde o início do projeto, nas conversas com a professora responsável pelo conteúdo, ‘a questão essencial era como reduzir e facilitar um assunto tão complexo e árido sem distorcê-lo a ponto de torná-lo leviano e não didático’. E acrescentou: ‘Optamos por manter o conteúdo sem simplificá-lo muito, expondo as informações corretas a quem se dispusesse a embarcar na aventura e ousaríamos visualmente na tentativa de atrair os espectadores’.
O diretor também fez questão de responder à minha suposição de que o programa foi ‘caro’, informando que não teve nada de mais do que teve em outros programas. E informou: ‘Usamos o equipamento disponível na TV Cultura para captação, edição e pós-produção. Para o cenário, reciclamos materiais de outras produções. Somente as tintas e as cadeiras das salas de aula foram compradas. Talvez o esmero da produção e o cuidado com a pós-produção tenham dado a impressão de um programa mais caro do que parece’.
Em relação à audiência, Ricardo lembrou que o programa manteve a média de público no horário da TV Cultura, atingindo pico de 1.7. A propósito, esta audiência, segundo o coordenador do Núcleo de Controle de Qualidade, Gabriel Priolli, representou um crescimento de 43% na média, em relação à mesma faixa horária da semana anterior. Ainda sobre a audiência, Ricardo Elias, reconhecendo que ‘umponto está longe de ser uma audiência expressiva’, ressalvou: ‘Podemos afirmar que o programa não afastou nenhum espectador ao longo da sua exbição’.
Ricardo destacou ainda uma série de comentários inquestionavelmente elogiosos ao programa, postados no Youtube e no Blog do Marcelo Tas. Pelo linguajar e pela própria mídia escolhida, tudo indica que são de estudantes universitários ou prestes a entrar na universidade. Um deles diz ter se sentido ‘na aula de Fisica do cursinho’.Outro, declarando-se fã do programa ‘Minuto Científico’, saudou a Cultura por ela não ser ‘uma emissora que trata os telespectadores como retardados’. De acordo com Ricardo, essas manifestações, ‘longe de terem representação numérica’, expressam que ‘pelo menos uma parte (dos telespectadores) se sentiu atraída pelo assunto’. Citou ainda o fato de o ‘video teaser’ sobre o programa exibido no Radar Cultura ter tido, até hoje, um número recorde de acessos: 5130.
O diretor, finalmente, conclui que o programa ‘teve a capacidade de unir conhecimentos díspares e de casar a academia científica com a televisão, possibilitando que pelo menos alguns poucos possam ver e no mínimo se inquietar com a produção científica mais contemporânea, no Dia Internacional da Ciência pela Paz’.
Em primeiro lugar, por urgente, devo pedir desculpas por ter dado a impressão de que a produção do programa foi perdulária, concluindo, precipitadamente, que ela foi cara sem dispor das informações relativas ao orçamento citadas por Ricardo Elias. Em relação aos outros pontos destacados por Ricardo, considero que eles ou corroboram as impressões que expus na minha análise ou revelam que temos concepções diferentes – e legítimas, diga-se – sobre o tipo de conteúdo que deve prevalecer no horário nobre da TV Cultura, o público-alvo prioritário de sua programação e o significado dos atuais índices de audiência obtidos pela emissora.
Ricardo cita, com justo orgulho, a reação entusiasmada de representantes de um público específico – culto, jovem, letrado, algum poder aquisitivo e pelo menos iniciado na Física – impactado pelo programa. Não tenho emails ou posts de críticas ou elogios para contrapor aos dele. A maioria dos telespectadores que, como ombudsman, tento representar – todos incluídos na parcela paulista dos 90% de brasileiros que só dispõem da TV aberta como fonte de informação e entretenimento – não chegou às aulas de Física, não freqüenta o MSN, sabe pouco sobre Marcelo Tas, não tem a menor idéia do que significa a palavra ombudsman, vive sérias dificuldades para entender como mutuários inadimplentes americanos podem ameaçar seu emprego aqui no Brasil e só compreende ou se interessa atualmente pela programação nem sempre edificante oferecida pelas emissoras comerciais. Técnica e conceitualmente, trabalho para ele, mesmo sabendo que ele não me conhece. Está no meu contrato e nos estatutos da Fundação Padre Anchieta.
É minha função vestir o chapéu desse telespectador e lutar para que a programação da TV Cultura o alcance e o conquiste, sem, claro, perder a qualidade. E foi procurando cumprir esta função dificílima – quando não impossível – que tentei verificar se havia pontes, no programa dirigido por Ricardo Elias, entre as partículas elementares e esse telespectador silencioso e quase sempre esquecido exata e ironicamente pelas emissoras que sustenta, as públicas.
E, independentemente da qualidade de ‘O Discreto Charme das Partículas Elementares’, as pontes eram poucas ou quase inexistentes.
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Preocupações elementares
(Coluna do ombudsman, 12 de novembro)
A respeito da análise que fiz em 10 de novembro do programa Provocações, o entrevistado, jornalista Washington Novaes, enviou o seguinte email:
‘Ernesto, li suas observações sobre o ‘Provocações’ em que fui entrevistado.Não tenho ‘postura quase sacerdótica’ nem faço ‘pregação ambientalista’. Sou apenas jornalista, há 52 anos. E nesse caminho aprendi que toda ação humana tem impactos sobre o meio físico – a água, o solo, o ar, os outros seres vivos, inclusive os que nos alimentam. Por isso, entendo ser praticamente impossível tratar de qualquer tema – econômico, político, cultural ou social – sem tratar desses impactos. A meu ver, seria um jornalismo incompleto.
Não preciso repetir que a crise planetária é muito grave. E um de seus componentes está na tentativa de fazer de conta que os chamados ‘fatores ambientais’ são algo à margem; que há um jornalismo separado para eles; que os jornalistas que deles tratam são ‘ecochatos’, ‘ecoxiitas’, ‘catastróficos’, ‘profetas do apocalipse’ etc. São exatamente a segregação e o preconceito que ajudam a manter mal informada e passiva a sociedade, com consequências muito graves.
Se tratei desses temas na entrevista é porque fui perguntado.Poderiam ter sido outras coisas. E se não pareço ‘otimista’ – considero-me realista, não ‘pessimista’ – é porque o quadro de realidade já colocado não o permite. Cito Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU: ‘Mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção e consumo são os problemas centrais do nosso tempo, porque já ameaçam a sobrevivência da humanidade’.
Nos conceitos que você emitiu em suas considerações está embutida uma crença: um programa como ‘Provocações’ não deveria tratar de temas como esse. Para tratar, deveria mudar de nome. Pergunto: de que deveria tratar ? De trivialidades ? De quem é o erro ? Do programa, que teria escolhido mal o entrevistado ? Ou do entrevistado, que não fez graça com desgraças? Dado o desejo da direção da TV, manifestado em reuniões, de saber do diálogo do ombudsman com os programas focalizados, envio cópia deste arrazoado a algumas chefias com as quais me relaciono em minha rotina de trabalho. (Ass) Washington Novaes’
O fato de Washington Novaes ser um jornalista de currículo inquestionável e referencial, principalmente no que diz respeito à questão ambiental, não elimina a possibilidade e o direito de algum telespectador do Provocaçôes ter discordado dele, considerando sua postura radical, ou achando que o cenário que ele descreveu seja pessimista. E a conclusão de Washington de que este ombudsman é contra a abordagem de temas como o meio ambiente no Provocações é equivocada, para não dizer absurda. Tanto quanto a sugestão de que eu defenda pautas triviais, algo aliás completamente impensável, em se tratando de um programa comandado por Antonio Abujamra. Ou ainda que eu defenda um programa em que ‘alguém faça graça com desgraças’.
Diante dessa reação intensa, torna-se necessário esclarecer, também, que a referência que fiz à palavra ‘Preocupações’ não foi uma proposta de mudança do nome do programa. Foi humor. Ou tentativa de fazer humor, com um trocadilho sobre uma entrevista que, embora atípica pela postura efetivamente angustiada (e não provocadora) que desencadeou em Abujamra, em nenhum momento foi considerada, aqui, de má qualidade, inadequada ou dispensável
O discreto charme
Em relação à análise que fiz em 11 de novembro sobre o programa ‘O discreto charme das partículas elementares’, o coordenador do Núcleo de Controle de Qualidade, Gabriel Priolli, enviou a este ombudsman a seguinte mensagem:
‘A propósito de seu comentário sobre ‘O Discreto Charme das Partículas Elementares’, informo que a complexidade do tema não foi suficiente para prejudicar a performance de audiência do programa. Ele registrou média de 1 ponto durante toda a exibição, mantendo ou mesmo superando o que ‘Radiola’ obtém regularmente, no mesmo horário. Aparentemente, o esforço da equipe para tornar o conteúdo mais atraente deu resultado. Se não espetacular, como seria desejável, ao menos razoável. Abraço, Gabriel Priolli’.
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Elementares, mas nem tanto
(O discreto charme das partículas elementares, 10 de novembro)
As intenções e objetivos não poderiam ser mais legítimos, louváveis e importantes. E o desafio, para os físicos e profissionais de televisão envolvidos no projeto, seria gigantesco em qualquer emissora do planeta: na esteira do Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento, transmitir, em horário nobre, um programa inteiramente dedicado à explicação do significado e da importância das partículas elementares e do LHC, o gigantesco acelerador de partículas encravado no coração da Europa.
Desde o início, foi possível perceber que houve um notável esforço dos realizadores na cenografia de inspiração ‘kubrickiana’, nos efeitos especiais caprichados, na interpretação aplicada dos personagens Rafa e Marina e na variedade de ambientes usados na ‘trama’, entre eles a entrevista e o quizz-show, ambos comandados pelo sempre competente e engraçado Marcelo Tas.
Para a maioria dos telespectadores, porém, apesar da introdução da simpática Gabi, logo no início, é bastante provável que esse seríssimo esforço de produção não tenha provocado impacto ou envolvimento significativo no público potencial do horário. Não só pela tarefa naturalmente árdua de tornar palatável, para esses telespectadores, os comuns, um mundo cheio de neutrinos, múons, leptos, quarks, glúons, mésons, bózons mediadores e um certo Princípio da Incerteza, entre outros elementos e conceitos. Mas também pelo fato de a estrutura narrativa ter abusado de uma linearidade que deve ter sido fatal em termos de audiência.
O roteiro, por exemplo, deixou para mostrar o divertido quizz-show de Marcelo Tas apenas no terço final do programa, depois de dois blocos pesados em que, apesar do esforço dos atores e professores em cena, era impossível não concluir que ‘O discreto charme das particulas elementares’ era, afinal, uma aula ilustrada de física. Até porque os primeiros diálogos aconteceram dentro de uma sala de aula.
Outra vítima da excessiva linearidade do roteiro, igualmente escondida na parte final, foi o mini-bloco em que o programa mostrou, usando animações computadorizadas espetaculares, como funciona o Large Hadron Collider (LHC), a imensa máquina posta em operação há poucas semanas na Suíça. Também ficou para o final, sem ser ‘chamado’ no início, o ‘Rap do LHC’, música que acabou não diminuindo significativamente a confusão sobre partículas elementares, mas teve sua difícil letra milagrosamente bem-interpretada pelo rapper Rincon Sapiência.
É uma pena, mas, em nome do telespectador médio, mais acostumado aos conteúdos não exatamente educativos do horário, é preciso perguntar: será que valeu a pena tanto esforço? Quantas pessoas efetivamente ficaram sintonizadas nessa cara e trabalhosa aula de astrofísica? Como o cidadão comum, telespectador de TV aberta, poderia ter sido sensibilizado de forma mais eficiente para o Dia Mundial da Ciência pela Paz e pelo Desenvolvimento?’