Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo migratório: é preciso “desglamurizar” a vida internacional

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Há pouco material na imprensa brasileira que fale de vivência no exterior. Muito se reporta sobre o êxodo dos conterrâneos, que buscam no aeroporto a saída para seus problemas. Números, estatísticas de saída e a perda de cérebros fazem parte do enredo.

Abordam-se também as vantagens e benesses de se morar fora do país, em lugares onde os índices de desenvolvimento humano, segurança e investimentos em educação fazem inveja em qualquer cidadão. Imagens de executivos bem sucedidos, que fizeram pós-graduações em universidades de ponta ou experiências internacionais de expatriamento cobrem o tema de purpurina.

Os choques culturais vivenciados por esses profissionais, as dificuldades enfrentadas por suas famílias, os inúmeros problemas advindos da mudança de contextos sociais, entretanto, raramente são relatados.

Até mesmo nas mídias relativas à vida corporativa, pouco se fala da esposa desse executivo de alto padrão, que teve que largar família, profissão e sonhos para acompanhar o marido. Se a mulher é praticamente esquecida, que dirá a adaptação das crianças ou até mesmo a óbvia falta de jogo de cintura desse executivo para se comunicar com pessoas de origens culturais diferentes, mesmo que ele domine o idioma.

Vive-se o sonho dourado do cidadão global. Parece que basta tomar o avião rumo ao mundo e está tudo bem. É falar inglês e pronto, a humanidade espera com tapete vermelho. Só que não. Em geral, sofre-se muito com a mudança de país. Questões nunca imaginadas passam a intrigar e a incomodar a maioria das pessoas que passam pela experiência.

Quando me candidatei para o Mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana, fui questionada na ficha de inscrição sobre o que pretendia fazer com meus conhecimentos adquiridos no curso. Instintivamente respondi que usaria no jornalismo, levando ao Brasil conceitos de interculturalidade, diversidade, competência para se viver fora. Era preciso investigar e comunicar mais a respeito do fenômeno migratório.

Naquela época, não sabia como o faria. Com o progresso do curso, pesquisas e entrevistas, soube que havia insuficiente informação sobre o que exatamente acontece com uma pessoa que emigra, das dificuldades de adaptação, sobre como lidar com a saudade acachapante. Sim, porque adultos se sentem como crianças de novo, ao se verem tendo que arrumar amigos como na época da escola.

Dessa forma, cheguei à conclusão de que se fazia urgente a necessidade de falar sobre comunicação intercultural, mudança de mentalidade quando se convive com diferentes, a importância da diversidade cultural e, claro, os efeitos de ir embora do país sobre a saúde psicológica do ser humano. Tudo isso em uma linguagem mais popular, sem termos acadêmicos.

Deu-se início, em 2016, a minha coluna Suíça de Portas Abertas, no portal de notícias Swissinfo.ch – escrito em dez idiomas, inclusive em português. Um ano mais tarde, começa outro projeto semelhante na Rádio CBN: a CBN Longe de Casa, que traz semanalmente assuntos que tenham relação com vida no exterior e referências a temas ligados à importância de se movimentar em grupos culturais distintos, mais abrangente por abarcar o mundo e não se limitar a um país.

Se tem uma coisa que o jornalismo precisa explorar mais é a aula de humildade e subjetividades que a experiência de migrante proporciona. Lá, entre os diferentes, é possível olhar para dentro e perceber como o racismo, o abismo econômico e os comportamentos de bolhas sociais que trazemos do Brasil prejudicam, e muito, a adaptação fora do país.

E por último, viajar pelo mundo é menos comprar roupa e mais aprendizado sobre como respeitar outras culturas.

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Liliana Tinoco Bäckert é jornalista e tem Mestrado em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana e comentarista da Rádio CBN. Autora do livro Amores Internacionais: casei com um estrangeiro, e agora?