Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalismo esportivo e a arte de emburrecer o público

(Foto: Emilio Garcia/Unplash)

Você já percebeu que o jornalismo esportivo internacional na grande maioria dos casos, especialmente futebolístico, “debate” dias e dias discutindo-se o “nada”, não se chegando à conclusão nenhuma, vive de especulações e palpites enquanto o suco extraído de todo esse “nada” é que você fica horas frente à TV sem ser acrescentado do ponto de vista cultural e crítico, nem sequer entendendo o próprio esporte diante de “especialistas” que acabam levando mais folclore e entretenimento que conteúdo ao público?

Por que o jornalismo esportivo é, em geral, tão alienador, adotando métodos em que há ausência praticamente total de utilidade pública servindo quase que única e exclusivamente ao entretenimento, em detrimento do jornalismo sério? É o que discutiremos brevemente aqui.

Baixo nível intelectual em dois pontos

O jornalismo esportivo internacional possui baixo nível intelectual por um motivo bem claro, e outro mais profundo:

1.) O jornalismo esportivo possui baixo nível intelectual porque seus profissionais possuem, em geral, baixo nível intelectual. Triste redundância. Simples assim. Não há mistério nisso, tanto quanto não resta nunca dúvidas sobre qual será a resposta de torcedores à mais sofrivelmente tradicional pergunta de jornalistas nas portas dos estádios: quem ganhará o jogo?

Mas existe algo que vai muito além disso, no que diz respeito à escassez de conteúdo nessa área do jornalismo.

2.) No Brasil, exceto a ESPN e a alguns profissionais tais como Jorge Kajuru, Juca Kfouri, Juarez Soares, Nilson César, José Silvério, Rogério Assis, Cláudio Zaidan, Armando Nogueira, José Trajano e outros poucos, não se discute o esporte a fundo nem o coloca, como muitas vezes deveria ser, no contexto social, econômico e político tanto quanto a maioria dos jornalistas “especializados” em esporte nunca atuou em outras áreas jornalísticas.

Tudo isso por causa do ponto-chave, explicação de todo esse “nada” que “enche a linguiça” do noticiário esportivo, principalmente futebolístico: a ausência de pensamento e de questionamento é o que sustenta a grande corrupção que só cresce dentro do esporte, mais ainda do futebol, modalidade que movimenta bilhões e bilhões de dólares anualmente impregnada de sujeira generalizada da qual participa dirigentes, jornalistas, políticos, empresas (a Nike é o exemplo mais gritante), empresários de atletas e, claro, atletas cúmplices.

Paixão Bandida

Qualquer um com mínima vivência no esporte sabe que muitos narradores e jornalistas formam parte direta na corrupção esportiva, e das mais diversas maneiras. A mais utilizada é supervalorizar atletas nos comentários para receber, nas futuras negociações dos seus esportistas de estimação, o famoso jabá, isto é, uma porcentagem financeira.

Enfim, a corrupção é o motivo do ópio que, lamentavelmente, tornou-se o esporte, há muito uma sutil e apaixonada maneira de alienar as pessoas, anestesiando-as da realidade do mundo e da realidade do próprio esporte.

Para a sustentação desse sistema podre, o futebol e o esporte em geral não podem ser levados muito a sério, nem podem fazer as pessoas pensarem e sob o risco de se findar a farra da cartolagem encoberta por um bando de jornalistas aloprados, o dia inteirinho falando sobre futebol sem chegar à conclusão nenhuma, sem levar a lugar nenhum.

É esse o único motivo por que não se adota a tecnologia para impedir os infinitos e vergonhosos erros da arbitragem no futebol, sob o pífio e manjado argumento de que a modalidade “é apaixonante justamente pela polêmica dos equívocos de arbitragem, gerando calorosos debates nos botequins de todo o mundo”.

Esse é o argumento dos cartolas, mas não, lords do bem-dizer que nunca chutaram uma bola na vida: o futebol é apaixonante pelas jogadas bonitas, e torna-se mais empolgante ainda quando aquele que se preparou melhor técnica, física, tática e psicologicamente traduz todo esse valor em vitória dentro de campo, de cujo preparo as federações e confederações de futebol, representadas pela dona FIFA, são as maiores adversárias muitas vezes.

Uma fonte muito próxima a este autor, que trabalhou no Departamento de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol nos negros anos do presidente Eduardo José Farah (1988-2003) — que renunciou ao cargo para não ser cassado pela Justiça —, confidenciou que o critério para a escalação de árbitros baseava-se na “troca de favores” na administração Farah. Quem acha que alguma coisa mudou de lá para cá?
Em meio a tudo isso, note-se que a questão do maior uso da tecnologia para auxiliar (ou corrigir) a arbitragem quando necessário, está totalmente afastada também dos “debates” e das pautas de reportagem do jornalismo esportivo internacional em geral. Pois é…

Mas é claro, se algum dia se retirar do árbitro o maléfico peso de estar acima do bem e do mal em suas decisões e usar-se a tecnologia para tornar o futebol uma modalidade justa em seus resultados, e para preservar inclusive o trabalho e a própria figura humana do árbitro, não mais passível das torrentes de erros irredutíveis (mesmo aqueles mais gritantes que até o Zé da Fiel, lá de cima da arquibancada constatou com toda a certeza e indignação), as manipulações de resultado tornar-se-ão inviáveis e o futebol não viverá mais refém dessa gente, não será mais vítima dos interesses da cúpula engravatada que rege o esporte.

Pois cada campeonato e Copa do Mundo, do começo ao fim em inúmeros casos, são o mais triste exemplo de que, no futebol, o melhor na minoria das vezes vence, exemplo de resultado produzido pela arbitragem fantoche, como sempre foi.

Tal paixão bandida movida pela polêmica dos erros é a linha de raciocínio que leva à rasa pauta do jornalismo, e à sua arte de emburrecer as pessoas que acaba, por sua vez, desaguando na máfia dos resultados e nas diversas outras formas de roubalheira indiscriminada.

Esse amor dos cartolas pelo erro e pela ausência de senso crítico nada mais é que a pedra angular da manipulação que impera no esporte — este sim, inteligente, simples e vítima do Pão e Circo que também se enquadra no oportuno Showrnalismo – A Notícia como Espetáculo de José Arbex Júnior.

O jornalismo em geral tem se distanciado, a passos desenfreados, de sua função essencial: a construção social da realidade.

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Edu Montesanti é jornalista, escritor, professor e tradutor. Articulista de Pravda Brasil e Pravda Report (desde 2016), repórter da Revista Caros Amigos (2016 e 2017), articulista de telesur English (2017 a 2019), articulista de Global Research (Canada, 2016 a 2019), articulista de Diário Liberdade (Espanha, 2014 a 2016), entre outros meios internacionais.