Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crises nos estados do Norte evidenciam a importância do jornalismo local

(Foto: Atlas da Notícia)

  • Tocantins continua líder em desertos de notícias
  • Rádios rondonienses se afiliam a grupo da região Sul
  • Desmatamento no Pará e a pauta ambiental na imprensa
  • O desafio do trabalho jornalístico em meio ao apagão no Amapá
  • Cobertura local denuncia colapso da saúde no Amazonas

 

O ano de 2020, marcado pela pandemia de Covid-19, foi conturbado na região Norte. Em novembro o Amapá passou por um apagão de 20 dias que deixou a população em situação caótica. No Amazonas, a primeira e a segunda onda de contaminação pelo novo coronavírus expuseram nas manchetes da imprensa o total colapso do estado, tendência observada também nos estados vizinhos Rondônia, Roraima e Pará. Neste último, os índices alarmantes de desmatamento e queimadas somados aos conflitos territoriais decorrentes de atividades ilegais continuam a expor crises sociais e econômicas da Amazônia.

É neste cenário que a quarta edição da pesquisa Atlas da Notícia mapeou veículos de jornalismo local, chegando ao total de 960 veículos nos sete estados da região Norte — dos quais são 347 online, 291 rádios, 206 TVs e 116 impressos.

Pará e Amazonas, os maiores estados da região, seguem com maior número de veículos, sendo 256 e 184, respectivamente. A quantidade de desertos de notícias continua alarmante: 314 dos 450 municípios nortistas não possuem nenhum veículo jornalístico mapeado no Atlas.

O estado do Tocantins teve bons resultados na pesquisa de 2020, foram 87 veículos cadastrados na plataforma Atlas da Notícia. Entre atualizações e novidades, o único segmento no estado que não cresceu foi o impresso. Ainda assim, o Tocantins é o estado que concentra, proporcionalmente, a maior quantidade de desertos de notícia (85,6% dos municípios tocantinenses ainda não têm veículos jornalísticos) e, por isso, está na última posição no ranking nacional, empatado com o Rio Grande do Norte.

Na versão anterior da pesquisa, a região Norte, com uma proporção de 71,8%, perdia apenas para o Nordeste, com 73,5%, em relação à quantidade de desertos de notícia. Nesta quarta edição, o Norte superou o Nordeste, passando a ocupar o primeiro lugar com uma proporção de 69,8% dos municípios sem cobertura jornalística, enquanto o Nordeste registrou uma proporção de 66,3%. Norte e Nordeste amargam números que refletem a desigualdade social em comparação a outras regiões do país. Reivindicação de longa data, ambas regiões reclamam visibilidade para a imprensa local e para suas pautas na cobertura de veículos nacionais.

As redes de comunicação continuam fortes na estrutura da região Norte. Na segunda edição do Atlas da Notícia, apontamos como os conglomerados de mídia, geralmente ligados à famílias com histórico na política partidária, representam a grande imprensa na região Norte. Com o levantamento de 2020, identificamos a filiação e criação de novas redes de mídia nos estados nortistas. Destacamos os casos das rádios de Rondônia e de uma rede de portais online no Pará.

O Grupo Massa, sediado na capital paranaense Curitiba, possui uma cadeia de mídia que cruza o Brasil por meio de uma rede de televisão que retransmite o sinal do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), de uma rede de jornalismo online e de uma rede de rádios. O Grupo Massa é de propriedade do apresentador e empresário Carlos Alberto Massa, mais conhecido por seu apelido Ratinho, que dá nome ao programa televisivo no ar desde 1998 no SBT. A família Massa tem trajetória na política desde os anos 1970 e, atualmente, Ratinho Junior é governador do Paraná. Em Rondônia, oito municípios têm rádios afiliadas à Rede Massa FM: Jaru, Rolim de Moura, Pimenta Bueno, Vilhena, Cacoal, Colorado do Oeste, Ji-Paraná e a capital Porto Velho.

Longe de ser novidade, o desmatamento na Amazônia ganhou destaque no debate público nos últimos anos em razão de índices inéditos de aumento. Em 2020, o Pará completou quinze anos como estado mais desmatado e com mais focos de calor, representando 46% e 41%, respectivamente, do total na Amazônia. A desertificação na Amazônia se dá também pela insuficiência e fragilidade da imprensa local cobrindo a agenda ambiental. Os dados levantados pela quarta edição do Atlas da Notícia apontam que 95 dos 144 municípios paraenses seguem sem veículos jornalísticos próprios. No entanto, a diminuição desse número é uma possibilidade a ser observada nas próximas edições da pesquisa, a exemplo de Rondon do Pará que até 2019 não possuía nenhuma iniciativa jornalística, mas agora conta com a cobertura do Rondon Notícias, que promoveu o primeiro debate entre candidatos à prefeitura nas eleições de 2020 e também tem uma frente de checagem de fatos.

O apagão de energia elétrica do Amapá, em novembro de 2020, durou cerca de 20 dias e atingiu 13 dos 16 municípios do estado. Durante o blackout, houve cobranças, principalmente nas redes sociais, quanto à cobertura jornalística em nível nacional sobre a situação no estado. Sem energia elétrica, o fornecimento de telefonia e banda larga também ficou comprometido, prejudicando o trabalho dos jornalistas amapaenses, principalmente de veículos online.

De acordo com o Portal Imprensa, o único meio de comunicação que conseguiu manter a população informada sobre o apagão foi a rádio — com a falta de energia para manter os equipamentos eletrônicos, rádios de pilha ou automotivos foram as opções disponíveis. Com o uso de geradores, apenas a TV Amapá e a Rádio CBN, ambas da Rede Amazônica, conseguiram manter os trabalhos e noticiar a crise energética do estado. O levantamento da imprensa amapaense pelo Atlas da Notícia não identificou mudanças significativas, apenas uma tênue diminuição da proporção de municípios sem cobertura jornalística que passou de 56,3% para 50%.

O Amazonas se tornou o epicentro da pandemia de Covid-19 no Brasil. A primeira e a segunda onda de contaminação expuseram a fragilidade do poder público em conter o impacto da disseminação do novo coronavírus. A cobertura da imprensa foi fundamental para denunciar situações decorrentes do colapso, como a crise na rede de saúde e os “fura-filas” da vacina. O Atlas da Notícia registrou 27 novos veículos no estado, com destaque para o segmento online.

Manaus, que está no centro da crise de fornecimento de oxigênio na rede hospitalar amazonense, é a única capital da região Norte que possui mais de uma centena de veículos jornalísticos — com o total de 137 veículos, ocupa o sétimo lugar no ranking do Atlas da Notícia que lista 30 cidades com maior número de veículos no país. Entre os veículos que se destacam na cobertura do colapso no estado, alguns são homônimos de jornalistas reconhecidos na capital, como o blog do Mário Adolfo, que também é editor-executivo do Portal Toda Hora, e ganhou notoriedade na atualização em tempo real pelo seu perfil no Twitter, e o Portal Edilene Mafra, cuja produção digital também agrega podcast e webtv.

Acre e Roraima não apresentaram alterações substanciais no mapeamento de 2020, ambos registram 86 e 36 veículos jornalísticos, respectivamente, e com concentração dos veículos nas capitais. A proporção de desertos de notícia em ambos estados está acima de 50% e também não houve mudanças. Ou seja, 59,1% das cidades acreanas e 73,3% das cidades roraimenses continuam sem imprensa local mapeadas pela Atlas da Notícia desde 2019. Assim como os estados vizinhos (com exceção do Tocantins), Acre e Roraima possuem fronteiras com outros países e, portanto, é provável que o jornalismo local nesses estados retratem essa proximidade, tanto nas características quanto no conteúdo, hipótese a ser verificada nas próximas edições da pesquisa.

Esforço colaborativo fortalece o Atlas da Notícia

O levantamento de veículos jornalísticos realizado pelo Atlas da Notícia é um esforço coletivo possível devido à colaboração de vários grupos de pesquisadores e jornalistas em todas as regiões do país. Na região Norte, a participação do Lab F5 – Laboratório de Jornalismo em Rede da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) tem sido consistente desde a segunda edição do Atlas da Notícia. Em 2020, mesmo com o período letivo prejudicado pela pandemia, contamos com a colaboração de três novos grupos de professores e estudantes de Jornalismo. Além dos grupos, contamos também com pesquisadores e jornalistas independentes que atenderam a um chamado para voluntários do Atlas da Notícia divulgado no início da pesquisa.

Outro suporte importante que tivemos nesta quarta edição foi a lista de veículos do estado do Tocantins compilada pelo Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Multimídia da Universidade Federal do Tocantins e que nos serviu de ponto de partida para uma verificação mais aprofundada da imprensa no estado.

***

Jéssica Botelho é mestre em Ciências da Comunicação e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas. Coordenadora no Centro Popular do Audiovisual (Manaus/AM). Jornalista na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib.

___

Colaboradores

Colaboraram na quarta edição do Atlas da Notícia os seguintes voluntários:

Ariel Bentes
Alana Beatriz Bentes dos Santos
Alexandre Franco da Cruz
Anna Cecília Otto Rezende Rodrigues Rebelo
Ana Beatriz Miranda Gadelha
Camila Oliveira
Camila Pinheiro Batista
Cleisson Vitor Soares Pereira
Elânny Vlaxio Lopes
João Carlos Oliveira Marques
Juliana Lira
Lídia Aciole do Carmo
Rômulo Reis

E os docentes:
Sandro Colferai
Elaine Javorski Souza
Janine Bargas
Liana Vidigal
Sandro Colferai

Com o apoio das seguintes instituições:

Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa)
Centro Universitário do Norte (Uninorte)
Universidade Federal de Rondônia (Unir)