Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A imprensa forma opiniões?

(Foto: Roman Kraft/Unsplash)

Há algum tempo tenho notado que os principais jornais diários de São Paulo estão mais preocupados não em dar a notícia, mas em aproveitar o viés político que pode ser dado às notícias.

Assim, por exemplo, lembremos o notável editorial do dia 13 de dezembro último, da Folha de S.Paulo, publicado não no local habitual das páginas internas, mas na própria página 1 do jornal. Esse editorial foi com razão criticado pelo ombudsman do próprio jornal na edição de 20/12/2020, no artigo “Palavras ao vento”, a respeito do qual ele disse que a “linguagem estava muitos tons acima do adotado nesse tipo de recurso”.

De fato, quando li aquele editorial, meu primeiro impulso foi escrever ao jornal lamentando seu baixo nível, mas desisti de fazê-lo porque seria inútil. A própria crítica do ombudsman era justa, embora, ironicamente, estivesse alguns tons abaixo do devido, pois na verdade o nível daquele editorial chegara mesmo aos limites da grosseria; teria sido possível dizer as mesmas coisas, ou até muito mais do que aquele editorial disse, mas com maior qualidade, ao criticar o governo ou a política de governo. Como foi escrito, aquele editorial desserviu aos leitores qualificados que a Folha pretenda ter; embora a alguns possa ter agradado, desceu quase ao nível de panfleto com linguagem de rua; não se alçou ao de um jornal centenário. Neste sentido de buscar elegância par a par com firmeza, duríssimo, sim, foi o artigo de ombudsman da Folha, da primeira quinzena de janeiro, ao evidenciar a deformação que a Folha fez na manchete de uma reportagem sobre pesquisa de opinião, na qual, em vez de dizer que Bolsonaro tinha subido na avaliação de pesquisa de opinião, publicou-se que ele não tinha descido… Não é honesto dizer meia-verdade.

De minha parte, eu lia há dezenas de anos o Estadão; contudo, estava se tornando progressivamente irritante para mim o fato de aquele jornal frequentemente ter perdido a noção de notícia: os editoriais, as manchetes, os artigos de opinião e até as reportagens passavam muitas vezes a privilegiar não a notícia, e sim a notícia sob as cores da linha editorial do jornal. Mudei para a Folha não por esperança de que fosse diferente, pois não tenho ilusões sobre o comprometimento da imprensa às linhas editoriais de seus donos, mas simplesmente porque me cansei daquele jornal. Vejo, sem surpresa porém, que estou caminhando para o mesmo rumo, pois a Folha também tende a privilegiar não a notícia, mas a opinião.

Ora, acredito que leitores qualificados não leiam o jornal para saber a opinião do jornal, que, aliás, já devam conhecer. De minha parte, é uma enorme raridade ler um editorial: pouco me importa o que o dono do jornal pensa, ou o que ele quer que se pense a respeito de um assunto, ou de um governo, ou de uma decisão governamental — ainda que eu possa pensar como ele ou não —; eu leio jornais para saber o que está acontecendo no mundo. Não para saber o que o dono do jornal está pensando ou está querendo que os leitores pensem.

O serviço de ombudsman da Folha é diferenciado, porque independente; também destaco que, não raro, a Folha saudavelmente publica em espaço nobre opiniões divergentes. Mas parece que tudo isso é para ostentar isenção. Em compensação, a expressão tendenciosa de alguns articulistas diários torna insuportável ler o que escrevem, pois, embora mudando de assunto, eles sempre dizem as mesmas coisas todos os dias.

Vem-me à mente a poderosa expressão “formadores de opinião”, que frequentemente se usa nos meios de comunicação. Será que a imprensa consegue mesmo formar opiniões? Será que ilusoriamente não crê estar “formando” opinião de quem já tenha opinião formada, coincidente com a dos donos do jornal? Talvez se consiga fazê-lo em relação a pessoas que não saibam tirar suas próprias conclusões independente da opinião dos donos dos jornais, que, aliás, já sabemos qual é antes de lermos o que escrevem ou mandam escrever. Existem pessoas assim? Vale a pena fazer todo um jornal com foco só nesse tipo de pessoas?

Além da perda de credibilidade das notícias em geral, os próprios editoriais não correm o risco de serem esquecidos e sim de nem serem lidos. Não foi por outro motivo que o referido editorial do dia 13, em vez de ficar no espaço habitual da p. 2, foi para a página 1…

Sinal claro de enfraquecimento dos editoriais; no lugar habitual ele nem teria sido lido.

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Hugo Nigro Mazzilli é advogado e Professor da Escola Superior do Ministério Público do estado de São Paulo.