O Observatório da Imprensa publica nesta página o primeiro artigo da série Ecossistemas de Informação da Amazônia, que busca mostrar como veículos jornalísticos sediados em cidades estratégicas da Amazônia Legal cobrem temas relacionados ao desmatamento e às mudanças climáticas.
Produzido com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), o projeto tem foco em dezesseis cidades da Amazônia: Rorainópolis e Boa Vista, em Roraima, tema deste primeiro texto; Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira, no Pará; Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Acre; e Manaus, Parintins, Itacoatiara, Manacapuru e Coari, no Amazonas.
Todos esses municípios estão no Norte, região do país que apresentou maior queda de confiança na imprensa e onde 43% das pessoas consideram os veículos jornalísticos pouco ou nada confiáveis, segundo uma pesquisa realizada em dezembro do ano passado pelo PoderData, divisão de estudos estatísticos do jornal digital Portal360.
Usando procedimentos e critérios jornalísticos, foram realizadas entrevistas com jornalistas, professores e pesquisadores que atuam nesses estados e também examinadas centenas de reportagens, artigos de opinião e editoriais publicados nos principais veículos daquelas dezesseis localidades durante o ano de 2020, período marcado pela pandemia de Covid-19 e pelo retrocesso na política ambiental do governo federal.
Afinal, que imprensa é essa? Quem controla esses veículos? Que conteúdo produzem? Como apuram e editam suas notícias sobre clima e ambiente?
Um ponto de partida foi o Atlas da Notícia. A terceira edição do Atlas, em 2019, mapeou 814 veículos em sete estados da região norte e em quatro segmentos – rádio, TV, impresso e online. A quarta edição, divulgada no início de fevereiro de 2021, chegou a 960 veículos e trouxe um dado alarmante: 314 dos 450 municípios do Norte não possuem nenhum meio de comunicação jornalístico mapeado. “A desertificação da Amazônia se dá também pela insuficiência e fragilidade da imprensa local cobrindo a agenda ambiental”, escreveu Jessica Botelho neste Observatório da Imprensa.
Outra referência utilizada para nortear a análise de conteúdo foram os atributos de melhores práticas jornalísticas que compõem o sistema de indicadores do Projeto Credibilidade, capítulo brasileiro do The Trust Project que é desenvolvido desde 2016 pelo Projor em parceria com a Unesp, com apoio institucional da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).
A coleta de dados, a apuração de informações e o formato narrativo seguiram um procedimento inspirado no chamado jornalismo de soluções, que Priscila Pacheco classifica, neste texto, como uma prática jornalística criteriosa, baseada nas evidências das respostas a problemas sociais. O resultado, no nosso caso, se aproxima de uma metarreportagem sobre o jornalismo na Amazônia.
Obviamente, essas entrevistas e análises não permitem generalização sobre as características de uma imprensa amazônica, ademais tão diversa e vasta quanto a própria região. E tampouco se deve desconsiderar a influência exercida pelo próprio governo brasileiro nesse ecossistema de informação, a partir de uma política que oscila entre o negacionismo (a negação da evidência científica do avanço do desmatamento e das queimadas) e o tom servil aos interesses de um modelo econômico extrativista que dominou os discursos e as práticas do período. Pois ainda que a análise da política ambiental brasileira fuja aos objetivos deste trabalho, ela está presente no conteúdo do jornalismo local na Amazônia Legal, seja na publicação regular de conteúdo do estafe governamental, seja na reprodução de argumentos que procuram contrapor desenvolvimento econômico e produção de riqueza à preservação ambiental.
Uma visão panorâmica da imprensa em Roraima
Os anos 1980 são o período de construção da mídia no estado de Roraima, com jornais, rádios e emissoras de TV, com proprietários relacionados aos grupos políticos locais. E se o contexto contemporâneo sugere uma perda relativa do poder das mídias de massa, a ordem de dominação empresarial e política do discurso jornalístico no estado se adapta aos novos tempos. O principal meio de informação local, confirmaram muitas pessoas ouvidas durante o projeto, é o WhatsApp. Parte do conteúdo que circula nessas redes tem ligação com blogs financiados pela elite política, difundindo, muitas vezes, desinformação.
Nesse sentido, o que ocorre em Roraima não é diferente de outras regiões do Brasil. Parece haver um gingante buraco negro informativo, formado por grupos de WhatsApp que relativizam o poder da mídia tradicional, sobre o qual pouco se sabe e cujo conteúdo é difícil alcançar. A ordem da comunicação digital intensificada a partir da segunda década do século XXI também se reflete no estado com a criação de veículos online e comunidades organizadas em redes sociais. Esse conjunto de fatores torna complexo o entendimento dos meios de circulação da informação na região.
Como o estado é base de importantes dispositivos federais de segurança, por ser zona de fronteira, existe uma tendência de alinhamento da imprensa local tradicional ao governo de plantão. Assim, quando o discurso ambiental não era tema de ataque, como ocorre sob Bolsonaro, havia maior abertura a esse tipo de pauta. Com o atual presidente, a aderência à postura que contrapõe o meio ambiente ao desenvolvimento econômico ganhou mais força e legitimidade, a ponto de muitas fontes ouvidas dizerem que há quase uma interdição desse debate nos espaços sociais e midiáticos tradicionais. Há um silenciamento sobre pautas ambientais, convivendo com reproduções acríticas das falas dos membros do governo – que também escrevem artigos publicados nos veículos locais. Um outro fator relacionado à influência dos políticos no conteúdo produzido é o repasse de verbas parlamentares para os veículos – a título de “divulgação de atividade parlamentar” –, fator identificado na pesquisa através dos dados do CNPJ das empresas.
Ainda assim, é possível perceber o fortalecimento de iniciativas de valorização da profissão e de uma comunicação mais cidadã. A atuação da academia no curso de jornalismo das universidades federais, formando profissionais mais críticos e investindo na pesquisa, com a criação recente de um programa de mestrado, é fator de destaque – embora exista uma dificuldade para o mercado absorver os formados. Outro movimento, identificado também em lugares diferentes da Amazônia, é o fortalecimento de uma comunicação comunitária de matriz indígena, tendência acentuada pela urgência da pandemia da covid-19. Ela se dá em plataformas de informação e nas redes sociais tradicionais, principalmente o Facebook.
Em Roraima, a pesquisa mapeou 21 veículos que produzem jornalismo nos dois municípios pesquisados – Boa Vista e Rorainópolis.
Boa Vista, a capital de Roraima, está separada de Rorainópolis, segunda maior cidade do estado, por 295 quilômetros. As quase quatro horas de trajeto na direção sul mostram uma mudança de relevo: saem os lavrados, formações do tipo savana presentes na região da capital, e entram as matas densas e úmidas da Floresta Amazônica. A mudança não é apenas geográfica. Parte-se de uma região relativamente urbanizada, com a rede de serviços e comércio da capital, para outra centrada na economia madeireira, de colonização mais recente e em franco processo de crescimento. Em comum, ambas expressam as relações tensas entre atividade econômica e meio ambiente presentes em grande parte da Amazônia Legal.
O predomínio de um modelo extrativista na relação com os recursos naturais, com maior presença de garimpo nos lavrados e extração de madeira ao sul do estado, é dominante diante do desconhecimento ou da interdição ao debate sobre formas sustentáveis da exploração desse patrimônio – dos dezenove veículos identificados pelo Observatório da Imprensa em Roraima, o único a ter uma editoria especializada sobre meio ambiente é o Correio do Lavrado. Em todos os outros, a cobertura sobre clima, desmatamento e meio ambiente é ausente ou difusa.
A questão fundiária é o principal foco de conflitos na região, quase sempre envolvendo posse de terra, grilagem e invasão de reservas indígenas para a prática ilegal do garimpo. As populações tradicionais – ribeirinhos e indígenas – vivem da economia fluvial, do extrativismo vegetal e da roça de subsistência, e também são atraídas pelo garimpo. O desmatamento é visto em contraponto à necessidade de emprego e renda e a mudança climática se faz notar com o aumento das queimadas – cobertas pelo jornalismo local na dimensão do combate ou dos efeitos na vida da população, quase nunca das causas. Essa tendência convive com espaços de resistências que se fazem nas próprias mídias tradicionais no estado e outras por iniciativas locais nas redes sociais, principalmente a partir da matriz de cultura indígena.
Folha de Boa Vista: sem questionamento
Principal jornal da capital de Roraima, a Folha de Boa Vista não tem editorias ou colunas específicas destinadas a meio ambiente ou mudanças climáticas. Os problemas ambientais na Amazônia aparecem, no veículo, mais pela divulgação de políticas de combate, e não com informações sobre as causas e consequências sociais e climáticas dessa crise. Não há aprofundamento sobre os responsáveis pelo desmatamento ou sobre as comunidades afetadas por essas ações.
Eventualmente, o assunto aparece nas páginas de opinião. Em 6 de junho, a colunista social Shirley Rodrigues escreveu:
“Hoje é o Dia Mundial do Meio Ambiente e o que temos no Brasil é uma devastação histórica das florestas, contaminação de rios com mercúrio, grilagem de terras, desmatamentos, garimpos ilegais, em que se registram mais de 20 mil garimpeiros na Terra Indígena Yanomami.”
Em 8 de agosto, o articulista anônimo da coluna Parabólica retomou o tema:
A pressão, interna e internacional, contra o governo Bolsonaro em torno da questão ambiental e indígena continua aumentando. Está se transformando num verdadeiro cerco, alimentado por algumas informações corretas – o número de queimadas na Amazônia e no Pantanal tem realmente aumentado – e por ameaças mentirosas arquitetadas por grupos econômicos internacionais.
Pouco mais de um mês depois, em 19 de setembro, surgiu um texto assinado pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmando que há distorção de dados e notícias sobre as queimadas e os focos de incêndio na Amazônia. Foi o mesmo teor adotado por Jair Bolsonaro ao participar da 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 22 do mesmo mês. Seu discurso foi copiado e colado em uma notícia com o título “Bolsonaro diz que organizações propagam mentiras sobre queimadas”. Apesar de diversas agências de checagem do país terem apontado inconsistências na fala do presidente, a Folha de Boa Vista não o fez. Com frequência, o jornal reproduz declarações de figuras políticas na íntegra. Não chama atenção para o que é fato ou equívoco e tampouco apresenta dados para aprofundar a discussão dos temas.
Sobre os conflitos fundiários na região, o veículo demonstra disposição para denunciar as ações de garimpeiros (“Dois indígenas morrem em conflito com garimpeiros no Alto Alegre”, 24/6). As matérias produzidas sobre o assunto são geralmente republicadas de agências de notícias, como Reuters, Folhapress ou Agência Brasil. Em uma reprodução de reportagem da Agência Pública (“Dois mil garimpeiros buscam ouro em Raposa Serra do Sol”, 24/5), o texto denuncia a ação de garimpeiros. Na maioria das matérias, são encontradas somente declarações políticas e é raro haver divulgação dos nomes das tribos indígenas nos títulos de notícia. O jornal não mostra o mesmo empenho para denunciar as ações de grileiros.
Emissoras de rádio e de TV
É na capital, também, que ficam as principais rádios e as retransmissoras afiliadas dos grandes grupos de televisão. Com exceção da TV Tropical (SBT), todas as redes de TV produzem alguns programas locais de caráter jornalístico ou policial – alguns exemplos são as duas edições diárias do Jornal de Roraima, da TV Roraima/Rede Amazônica (Globo); Mete Bronca e Cidade Alerta RR, da TV Imperial (Record); Roraima Urgente e Roraima em Dia, da Band Roraima (Band).
A Rádio Folha FM, que pertence ao mesmo grupo da Folha de Boa Vista, tem uma das maiores coberturas do estado, com programação voltada para notícias locais e nacionais em programas como Bom Dia Roraima e Jornal 100.3, informando sobre as reivindicações da população local e trazendo a opinião dos apresentadores. Nenhuma editoria específica informa sobre meio ambiente e as crises de desmatamento na Amazônia. Mudança climática também é assunto pouco discutido nos debates.
Embora também sem editoria específica, a Rádio Monte Roraima abre espaço aos sábados para informar sobre as comunidades indígenas da região no programa Abertura: a voz dos povos indígenas. Surgida em 2002, a emissora é conduzida pela Diocese de Roraima e pela Fundação Educativa Cultural José Allamano. Entre os programas jornalísticos da grade semanal estão o Jornal Brasil Hoje, o Jornal Amazônia é Notícia e o Monte Roraima Notícias, que, durante a semana, eventualmente comenta sobre a violência e a perseguição que os indígenas, principalmente os Yanomami, enfrentam com a garimpagem ilegal.
Blogs e portais de internet
Dentre os onze blogs e portais de internet noticiosos identificados no estado (incluindo o jornal Folha de Boa Vista, que concentrou suas atividades online em função da pandemia), três merecem destaque pelo tratamento dado aos temas relacionados ao meio ambiente.
Nativo digital, o Correio do Lavrado é uma iniciativa de uma geração mais jovem para disputar espaço narrativo no estado. Propõe “uma nova leitura humanizada e independente dos fatos locais, nacionais e internacionais de relevância para a população”. A editora de conteúdo é Vanessa Vieira, jornalista formada pela Universidade Federal de Roraima, ex-editora-chefe da Folha de Boa Vista.
Embora o jornal tenha uma editoria específica sobre meio ambiente, a maioria das notícias reproduz textos de Agência Brasil, Agência Câmara de Notícias, Ministério da Cidadania e Valor Econômico. Ou seja: as informações sobre desmatamento e focos de incêndio são levantadas por uma perspectiva que vem de fora da região e, não raro, fortalecem o discurso do governo federal. São poucas as abordagens detalhadas, que usam cientistas como fontes primárias, a exemplo do texto assinado por Vanessa Vieira em janeiro: “Descarte incorreto de materiais obstrui rede de esgoto e prejudica meio ambiente”.
Um ponto positivo é a abordagem de temas indígenas, com notícias sobre as diferentes tribos existentes em Roraima. Ao longo da pandemia, foram publicados diversos textos de utilidade e instrução para os povos nativos – cabe ressaltar que o veículo dá nome às etnias, demonstrando cuidado em não tratar de maneira homogênea a diversidade indígena da região.
O Roraima 1 tem sido persistente na cobertura de temas ligados ao desmatamento em Roraima. Todo mês, são publicados dados que atualizam o avanço do problema. Em maio, o jornal reproduziu uma matéria da BBC – “Pandemia vai permitir aceleração do desmatamento na Amazônia, diz estudo” – que destaca a incapacidade do governo Bolsonaro para frear o problema. Críticas às ações do presidente são recorrentes, como no texto “Desmatamento na Amazônia chegou a 1.359 km² em agosto”, que cita a insatisfação de ambientalistas com o líder do Executivo.
Também merece atenção a cobertura que o Roraima 1 vem fazendo sobre o avanço da covid-19 entre as populações indígenas do estado, com o reconhecimento da importância de noticiar a pluralidade dos povos, como em “Coronavírus já matou 69 indígenas de seis etnias em Roraima”. Há, ainda, um conjunto de colunistas que tratam de temas como empreendedorismo e política. Jessé de Souza, um dos jornalistas mais conhecidos do estado e ex-editor da Folha de Boa Vista, questiona, por exemplo, as relações do ex-senador Romero Jucá com o setor energético local em textos como “Pegadas de Jucá no esquema da questão energética e a relação com a Oliveira Energia”.
Por fim, o jornal online Roraima em Tempo – que já teve uma edição impressa, mas hoje funciona apenas no meio digital – abre espaço sobre a crise ambiental no estado, principalmente em relação ao aumento do desmatamento, com dados levantados e discutidos por especialistas locais, mostrando certa pluralidade de vozes para discutir assuntos agrários e indígenas. Em agosto, um relatório do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia permitiu afirmar: “RR é o sexto estado com maior índice de desmatamento em 2020, aponta Imazon”. Mais tarde, no mesmo mês, com dados do Instituto Socioambiental (ISA) e informações da OMS, o portal cravou: “Roraima é o sétimo estado do Brasil com maior número de indígenas internados devido a queimadas”. As duas matérias foram escritas por uma jovem estudante de jornalismo, Yara Walker.
Sobre os incêndios e focos de incêndio na floresta, o jornal publicou 28 matérias em 2020, incluindo a reprodução de notícias da Agência Brasil. Uma delas utiliza dados do Inpe e do Corpo de Bombeiros para noticiar: “Ministério declara estado de emergência ambiental em Roraima”. Também publica notícias que envolvem questões agrárias, agricultura familiar e reservas indígenas, mencionando os povos Macuxi, Yanomami, Wapichana, Taurepang, Wai Wai e Warao – um exemplo é “Garimpo pode causar genocídio de povo Yanomami por covid-19, alerta instituição à Justiça”.
Rorainópolis: quase um deserto de notícias
Com pouco mais de 30 mil habitantes, Rorainópolis não é apenas a segunda cidade mais populosa de Roraima – de acordo com o Inpe, foi também o terceiro município que mais promoveu o desflorestamento no estado em 2019, conforme os últimos dados disponíveis na plataforma Prodes. Jornalistas ouvidos na pesquisa dizem que há grande influência do Pará e do Amazonas na região, o que tem atraído um fluxo de migrantes em busca de trabalho nas madeireiras. Trata-se de uma cidade nova, elevada a município em 1995, mas que já ganha relevância política no estado. Dois senadores eleitos em 2018 têm base eleitoral na região: Messias de Jesus (Republicanos) e Chico Rodrigues (DEM), que ganhou os noticiários em 2020 por ter escondido R$ 33 mil na cueca durante uma operação da Polícia Federal.
Fontes ouvidas no desenvolvimento da pesquisa relacionam a base econômica do garimpo e da exploração de madeira, presentes em Rorainópolis, como fatores que se contrapõem ao discurso ambiental na região. Privilegia-se o ponto de vista econômico, a necessidade de trabalho e renda que funciona como uma espécie de silenciamento dos temas relacionados ao desmatamento e a mudanças climáticas. De fato, em Rorainópolis identificamos apenas um veículo noticioso: o Jornal Roraisul, com endereço também em Boa Vista, que também faz a cobertura de outros sete municípios (Alto Alegre, Caracaraí, Caroebe, Iracema, Mucajaí, São João da Baliza e São Luiz do Anauá). Com uma edição impressa mensal e portal de notícias, o jornal está em nome de Osmar Morais Santos e o editor-chefe é Luiz Valério, autor também de um blog sobre política que leva seu nome. Para breve, a Rede Amazônia programa a contratação de um videorrepórter que cubra o noticiário factual – como acidentes e ocorrências policiais – na cidade, segundo contou em entrevista o diretor de jornalismo da empresa, Elisandro Oliveira.
A questão do corte ilegal de madeira da floresta constitui um foco de tensão local. Em 28 de setembro e nos dias seguintes, por exemplo, os meios de informação do estado noticiaram a apreensão de 200 metros cúbicos de madeira saídos de Roraima em direção a Manaus – a carga estava em caminhões que seguiriam para Nordeste e Sudeste. Nos principais veículos, os relatos foram factuais e não aprofundaram dados sobre a possível origem da mercadoria ou os grupos envolvidos no transporte. Nem o nome dos motoristas ou dos responsáveis pelas cargas foi divulgado, como mostra a cobertura do fato pelo Roraima 1 (28/9). A matéria da Folha de Boa Vista (3/10) mostrou o protesto do sindicato patronal questionando a irregularidade da carga e apontando um prejuízo de R$ 70 milhões aos cofres públicos, mas não informou os argumentos legais da apreensão da carga. Em agosto, o Roraima em Tempo (12/8) noticiou a apreensão de uma carga menor de madeira irregular na divisa de Mato Grosso e Goiás – a mercadoria era originária da cidade roraimense de Caracaraí, a 157 quilômetros de Rorainópolis.
Para entender como o Jornal Roraisul cobre temas ligados ao meio ambiente e a mudanças climáticas, analisamos publicações entre 1° de janeiro e 22 de outubro de 2020, tendo por referência as palavras-chaves já descritas. Por meio do mecanismo de busca oferecido pelo site, foram encontradas publicações com seis dos 26 termos selecionados para análise.
Os termos “garimpo”, “meio ambiente” e “desmatamento”, por exemplo, só foram citados uma vez e apareceram juntos na mesma notícia. “Operação conjunta apreende aeronave e combustível destinados a garimpo” (25/7) detalha uma ação da Polícia Federal, usa falas de fontes oficiais e parece reproduzir informações de algum release. Não aprofunda a investigação sobre as pessoas presas e quais as ligações delas com outros grupos. O termo “preservação ambiental” foi abordado duas vezes. Ambas noticiam operações policiais de combate a crimes ambientais.
Conselho Indígena de Roraima
Como espaço de resistência, merece destaque o Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização sem fins lucrativos que luta em defesa dos povos originários da região e do país. Em novembro de 2020, sua página no Facebook tinha 10.430 curtidas; no Twitter, a comunidade era menor, com 729 seguidores.
Desde 1990, o CIR atua nas áreas de saúde, educação, cultura, gestão ambiental, promoção social, desenvolvimento sustentável e participação em políticas públicas, “respeitando a organização social e cultural dos diversos povos indígenas do estado”. Produz documentários sobre garimpo ilegal, faz transmissões ao vivo a partir de Boa Vista e produz uma comunicação ativista em defesa das comunidades tradicionais e de uma relação mais sustentável com a terra. É financiado por campanhas de crowdfunding e captação de recursos de outras instituições alinhadas com seus valores.
Considerando jornais impressos, portais online, emissoras de rádio e de televisão, a pesquisa identificou 21 veículos nos municípios de Boa Vista e Rorainópolis. Com base nas informações levantadas, foi possível traçar o seguinte quadro geral sobre alcance/audiência, localização e grupos proprietários desses veículos:
1) Boa Vista concentra a maioria dos veículos mapeados nos dois municípios: vinte, do total de 21. Nove veículos existem apenas na versão online (incluindo dois blogs). Cinco são emissoras de rádio. Cinco são emissoras de TV. Em 2020, dois jornais impressos – Folha de Boa Vista e Jornal Roraisul – tiveram as edições em papel interrompidas durante a pandemia do novo coronavírus.
2) Mais de um terço dos veículos mapeados têm relação com nomes tradicionais da política local. A Folha de Boa Vista e a Rádio Folha 100.3 FM pertencem à família de Getúlio Cruz, ex-governador de Roraima. A TV Imperial e a Rádio Equatorial 93 FM pertencem a uma filha do ex-senador Romero Jucá. A TV Band Roraima e o portal Roraima em Tempo pertencem à mulher e a um filho do ex-senador Romero Jucá. A TV Tropical e a Rádio Tropical FM pertencem ao ex-deputado federal Luciano Castro e a Geilda Monteiro Cavalcanti, mulher do ex-senador Mozarildo Cavalcanti.
3) Dos veículos identificados, dezessete são geridos por organizações com perfil comercial; um por fundação de orientação religiosa católica (Rádio Monte Roraima FM) e dois por empresas públicas (Rádio Roraima AM 590 e TV Assembleia).
4) A pesquisa não conseguiu identificar a quem pertence o site Boa Vista Já. O servidor fica nos Estados Unidos e os dados do proprietário são sigilosos. Os textos do site não são assinados. Com exceção das notícias sobre política, a maior parte das seções – incluindo uma editoria chamada Agro-Negócio – está desatualizada. A conta de Twitter do Boa Vista Já foi suspensa, segundo aviso na própria rede social, por “violar as regras” da empresa.
5) Entre as fontes de renda de pelo menos seis veículos identificados (Jornal Roraima Hoje, Roraima em Foco, Rádio Roraima AM 590, Rádio Monte Roraima, Band Roraima e Jornal Roraisul) está o recebimento de verbas públicas para “divulgação da atividade parlamentar” de deputados e senadores, conforme notas fiscais emitidas pelos números de CNPJ das empresas
6) Entre as redes sociais, o Facebook tem predomínio sobre Instagram, YouTube e Twitter. Todos os veículos identificados têm conta na rede de Mark Zuckerberg. Os veículos de maior popularidade* são, em ordem: Folha de Boa Vista (55,1 mil curtidas), Band Roraima (29,4 mil), Boa Vista Já (23,9 mil), Rádio Equatorial (18 mil) e TV Imperial (16,2 mil). Os dados são de novembro de 2020.
7) O Instagram tem contas de dezenove veículos identificados. Os veículos de maior popularidade* são, em ordem: Folha de Boa Vista (59,8 mil seguidores), Rádio Equatorial 93 FM (23 mil), Roraima Em Tempo (19,2 mil), Roraima 1 (13 mil) e Band Roraima (12,3 mil).
8) O YouTube tem contas de quinze veículos identificados. Os veículos de maior popularidade* são, em ordem: TV Imperial (15,3 mil inscritos), Band Roraima (3,69 mil) e Folha de Boa Vista (3,13 mil).
9) O Twitter tem contas de dez veículos identificados. Os veículos de maior popularidade* são, em ordem: Folha de Boa Vista (11,4 mil seguidores), Blog do Luiz Valério (1,8 mil), Blog do Expedito Perônnico (1,3 mil) e Band Roraima (972).
10) O único veículo a ter uma editoria especializada sobre meio ambiente é o Correio do Lavrado. Em todos os outros, a cobertura sobre clima, desmatamento e meio ambiente é ausente ou difusa.
11) Com exceção da TV Tropical (SBT), as redes de TV produzem alguns programas locais. TV Roraima/Rede Amazônica (afiliada da Globo): Bom Dia Amazônia; Jornal de Roraima 1ª edição; Jornal de Roraima 2ª edição; Roraima Notícia (boletim jornalístico durante a programação). TV Imperial (afiliada da Record): Sempre de Bem, Mete Bronca, Cidade Alerta RR, Programa Perfil. Sempre de Bem e Programa Perfil seguem a linha do entretenimento/entrevistas. Os outros dois combinam jornalismo e notícias policiais. Band Roraima (afiliada da Band): Roraima Urgente, Roraima em Dia. O programa Barra Pesada é uma produção independente, na linha policial.
*A contagem não incluiu a Rede Amazônica, pois as redes sociais da empresa englobam outros estados da região Norte, e a TV Assembleia, que faz parte das páginas e canais da Assembleia Legislativa como um todo, sendo impossível diferenciar o que é específico de cada uma.
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Gabriela Erbetta é jornalista e escritora.
(Colaboraram na pesquisa Pedro Varoni, Thallys Braga, Izabela Machado, Bárbara Morelli e Vitória dos Santos).