‘Muitas dicas sobre a língua.’ É isso o que o Jornal do Comércio, de Porto Alegre, promete para a coluna ‘O inglês nosso de cada dia’, escrita (em inglês…) pelo teacher Roberto Henry Ebelt. Apesar do título da coluna, ela não sai todos os dias, vem ali quase no final do caderno semanal ‘JC Empresas & Negócios’, o produto mais comercial deste jornal comercial.
Que jornal é esse? Seu slogan, restritivo e quase escondido, é ‘JC, o jornal de economia e negócios do RS’. Já a campanha de assinaturas projeta em letras garrafais, desinibidas: ‘O jornal de quem decide’. Quem há anos decide por lá é Mércio Tumelero, diretor-presidente do jornal e dono da rede de lojas Tumelero, cujo slogan, por sua vez, é: ‘Para construir, reformar e decorar, ninguém facilita tanto’.
Pois então, este que decide (e facilita) tem por objetivo vender um jornal para homens de negócios, homens que decidem (e facilitam com seus produtos e formas de pagar) nossas vidas e que, obviamente, precisam muito do inglês enquanto ‘ferramenta de trabalho’ – ou seria ferramenta de capital?
Mas como é o inglês de quem decide? Que língua é essa?
Militares glorificados
A coluna desta última segunda-feira (27/4) começa com ‘In our language’, que, se não estou enganado, é qualquer coisa como ‘Na nossa língua’. Isso dito em inglês certamente gera dubiedades. Pois seguimos a leitura e vemos que o teacher Ebelt se refere ao provérbio ‘Morreu, vira santo’. Este seria um fato da nossa língua (agora sim, portuguesa) e da nossa cultura política (brasileira…). Sua tese é que neste Brasil brasileiro teimaríamos em esquecer e perdoar.
Que bom que nem todos somos assim! Alguns teachers se prestam a nos lembrar das malignidades dos falsos santos, colocando os pingos nos ‘ais’ (nas letras i, em inglês).
Após algumas passagens por murderers (assassinos, creio) do calibre de Che Guevara, Adolf Hitler, Lenin, Josef Stalin e Mao Tsé-tung, vemos que o verdadeiro alvo da coluna de dicas do inglês é, de fato, Márcio Moreira Alves.
Internado desde outubro de 2008, Márcio morreu no início deste abril e é um ícone da luta contra a ditadura que nos calou, torturou e endividou entre 1964 a 1985 – essa mesma que, talvez por causa de alguma falha cultural, ainda não esquecemos nem perdoamos. Por isso mesmo o teacher Ebelt, oferecendo-nos mais dicas sobre a língua (de quem decide e facilita), glorifica os militares, pois ‘exactly 45 years after the military had the guts to sacrifice their lives to prevent Brazil from becoming a socialist republic‘. Não sei bem, mas parece que ele diz aí que os militares tiveram estômago (?) para sacrificar suas vidas em prol do anticomunismo…
Sempre se perde na tradução
Logo mais abaixo ele sugere ao leitor (do inglês, né?), que quando ouvir a expressão ‘Anos de chumbo (Years of lead)’ [tradução e caixa alta: sic], leve em consideração que uma verdadeira guerra estava (e ainda está!) acontecendo no Brasil, ‘a war between the Soviet empire together with its Brazilian fifth column members acting in enemy territory (Brazil) against the Brazilian Armed forces defending the whole Brazilian population‘. Tenho que me desculpar com o leitor que não domina (e talvez não possa decidir e facilitar) o inglês, mas fico com medo de só mostrar a minha pobre tradução e ninguém acreditar nisso que foi publicado. Ali diz qualquer coisa como todos nós, brasileiros, fomos salvos pelos milicos, já que estávamos a um passo de nos tornarmos parte do império soviético. Uh…
Vejam que não é só a Folha de S.Paulo que anda brincando de revisionismo histórico. Se lá os homens que decidem falam em ‘ditabranda’, aqui é diferente, falam em guerra e em batalha permanente, ainda atual, já que se volta contra os vivos e contra a memória daqueles que, como Márcio Moreira Alves, há pouco chegaram ao Olimpo dos justos. As lágrimas de seus amigos próximos e familiares talvez ainda não tenham secado. Mas guerra é guerra, pois ‘communism is like an addiction‘, alguma coisa tipo o comunista sempre quer mais, nunca está satisfeito, esse abusado!
Tá duvidando? Ebelt sugere que olhemos para os programas iniciados por esse homem que vive em Brasília e é ‘our boss‘, o chefe dos homens que decidem e facilitam – mais ou menos isso, já que a gente sempre perde e acrescenta alguma coisa quando traduz…
‘Why is he an idol for all the people who do not make a special effort to earn their livings?‘ Como é que pode, o cara é ídolo dos que recebem tudo de mão beijada!
Quem disse que inglês é fácil?
Fiquei um pouco em dúvida (inglês enferrujado, talvez) quando ele se refere à Estella, que seria a candidata ‘of (y)our president‘. Acho que Ebelt precisa ser mais didático, ele mistura as lições básicas com as super-avançadas! Estella, nome de guerra de Dilma, que ele retoma para essa guerra permanente contra os abusados, seria a candidata dos que decidem (‘We, the businessmen‘) ou a candidata do chefe de todos os que decidem (He, The Man)? Yours or ours?
Um pouco mais abaixo, quase no finzinho da coluna, ganhamos uma dica para responder à dúvida: é quando ele se refere, num inglês impecável, aos políticos de Brasília e à nossa heróica imprensa – e eis que o colunista desvela um pouco mais a natureza do jornal e a do sistema capitalista, já que não seriam os políticos aqueles que verdadeiramente decidiriam as coisas: ‘they feel that they are free to do things that even the Devil doubts, as we are informed everyday by the only power that gives us hope to continue struggling for our lives: the press.‘ Vou tentar escrever em português, eu juro, português brasileiro, para facilitar: o que será que dá na cabeça desses políticos que agem como se não tivessem o rabo preso com ninguém? São aspirantes a subversivos, como constantemente nos informa o único poder que não envergonha, os que decidem: a imprensa.
Difícil, não? E quem disse que o inglês é uma língua fácil? Que bom que ninguém nos facilita tanto a vida como os homens que decidem.
Um bom democrata
Não me senti plenamente respondido em relação ao ‘of (y)our president‘, a tal ponto que corri em direção a um buscador on-line para saber alguma coisa sobre o teacher. Descobri um blog, com a seguinte descrição:
‘Professor de Inglês como segundo idioma, escritor, republicano (nos EEUU); fã de Ronald Reagan, apaixonado pela idéia de exportar os muçulmanos da Palestina para o raio que os partam. Amo Israel, EEUU e Alemanha.’
Ahá!… As suas dicas de língua são de inglês como segundo idioma e ele só é republicano nos Estados Unidos! Informação fundamental, pois sugere que aqui, no Brasil, ele é democrata! Como bom democrata, herdeiro da antiga Arena, apoiou (e apóia) a ditadura, não se exime de colocar o dedo nas feridas do povo, e de pôr, ainda mais, pingos de sangue nos nossos ais.
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Jornalista, mestre em história social da cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professor-bolsista e doutorando em estudos da linguagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)