Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Crise turbinada, protecionismo mal explicado

A recessão americana é mais feia na imprensa brasileira do que nos Estados Unidos, onde já é muito grave. A economia americana encolheu 6,1% no primeiro trimestre, segundo informaram na quinta-feira (30/4) alguns dos maiores jornais do país. A notícia apareceu dessa forma tanto em títulos quanto em textos de chamadinhas. Na quarta-feira (29) à noite havia sido apresentada exatamente da mesma forma em jornais de TV. Alguns correspondentes haviam mandado a história correta, mas um detalhe foi menosprezado por quem produziu os títulos e chamadas: a taxa de 6,1% é anualizada. Em outras palavras: o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos diminuiu no primeiro trimestre em ritmo correspondente a 6,1% ao ano. Não diminuiu 6,1% em três meses.

Não é um detalhe desprezível. Se um carro se move a 100 quilômetros por hora durante 15 minutos, percorre apenas 25 quilômetros nesse intervalo. Mas o motorista pode ser multado por dirigir a 100 km/h, embora não tenha percorrido uma centena de quilômetros. Velocidade é uma coisa, distância percorrida é outra. No trimestre de maior atividade, a economia brasileira cresceu em ritmo equivalente a 6,8% ao ano em 2008. Foi essa a justificativa do Banco Central para retardar a redução dos juros. Agiu como o guarda ao multar o motorista pela velocidade, não pelo percurso realizado. Dar atenção a detalhes como esse pode parecer bobagem, mas não quando se entende a diferença entre correr a 100 km/h durante um quarto de hora e percorrer 100 quilômetros numa hora.

O noticiário sobre a redução da taxa básica de juros, a Selic, anunciada em 29/4 pelo Comitê de Política Monetária (Copom), foi mais interessante que o material publicado habitualmente nessas ocasiões. Segundo o Estado de S.Paulo, a decisão de cortar 1 ponto porcentual da taxa, e não 1,5 como na reunião anterior do Copom, indica a decisão de realizar um ajuste mais longo e menos drástico do juro básico. De acordo com a Folha de S.Paulo, o presidente do BC, Henrique Meirelles, disse ao presidente da República, antes da reunião do Copom, ser preciso maior cuidado nos cortes, por causa dos sinais de recuperação da economia.

Atritos comerciais merecem acompanhamento

O Valor chamou a atenção para outro fato: segundo alguns analistas, a redução mais lenta do juro básico vai deter a depreciação do real e poderá até provocar uma revalorização cambial, gerando problemas para as contas externas.

Outro dado positivo: os jornais deram menos destaque do que noutras ocasiões à repercussão entre empresários e sindicalistas. Rádios e TVs, no entanto, insistiram nessa chatice. Na quinta-feira (30/4) de manhã, quem enfrentou o trânsito com o rádio ligado precisou mudar de estação várias vezes para escapar da patacoada dos líderes empresariais e sindicais.

Só um jornal deu atenção razoável às discussões comerciais entre brasileiros e argentinos, embora os atritos estejam crescendo. ‘A Argentina usa barreiras para obter investimentos’, informou o Valor, na quarta-feira (29), indicando um subproduto do protecionismo argentino: a idéia não é só dificultar o ingresso de produtos brasileiros, mas também atrair fábricas para o país. Na mesma edição foi noticiada a imposição de licenciamento não automático, pelo governo brasileiro, às compras de produtos lácteos da Argentina. Na quinta-feira, novo material, desta vez com chamada no alto da primeira página: ‘Argentina agora impõe licenças de importação a autopeças brasileiras’.

Outros jornais cobrem os atritos comerciais entre os dois maiores sócios do Mercosul, mas com regularidade muito menor que a do Valor. Esses dois sócios são a maior e a terceira maior economias da América Latina. O assunto merece melhor acompanhamento.

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Jornalista