Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A cobertura sobre meio ambiente e mudanças climáticas no Acre

Foto: Ascom/Segup

O Observatório da Imprensa publica, nesta semana, o segundo artigo da série Ecossistemas de Informação da Amazônia, que busca mostrar como veículos jornalísticos sediados em cidades estratégicas da Amazônia Legal cobrem temas relacionados ao desmatamento e às mudanças climáticas. Produzido com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS), o projeto tem foco em dezesseis cidades da Amazônia: Rorainópolis e Boa Vista, em Roraima; Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira, no Pará; Manaus, Parintins, Itacoatiara, Manacapuru e Coari, no Amazonas; Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Acre, tema deste segundo texto.

A pesquisa do Observatório identificou 27 veículos jornalísticos em atividade no estado: dezoito na capital, Rio Branco, oito em Cruzeiro do Sul e apenas um em Sena Madureira. Deste total, quatro títulos mantêm versões impressas e online, todos sediados em Rio Branco: A Gazeta do Acre, Jornal Opinião, O Rio Branco e Jornal A Tribuna — o jornal Página 20, que também existia em papel, suspendeu a edição física em 2020. A maior quantidade de veículos, porém, está mesmo na internet: dezesseis deles existem apenas online.

Dentre os estados contemplados pelo projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia, o Acre foi o terceiro com a maior alta de desmatamento acumulado entre 2010 e 2020, segundo dados do portal Amazônia Legal em Dados — com 1.109 hectares de área desmatada, perde para o Amazonas (2.596 hectares) e o Pará (9.032 hectares), mas fica à frente de Roraima (586 hectares). A evolução desses números foi registrada com frequência pelo AC 24 Horas, site de maior alcance nas redes sociais entre os veículos analisados pelo Observatório da Imprensa ao longo de 2020 (em dezembro, eram mais de 180 mil curtidas no Facebook, 61 mil seguidores no Instagram e 21 mil inscritos no canal do veículo no YouTube). Em três ocasiões, o repórter Edmilson Ferreira registrou a escalada a partir de dados fornecidos pelo Imazon, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia: “Desmate cresce 200% em abril deste ano no Acre”, “Desmate cresceu 7% no mês de junho no Acre, aponta Imazon” e “Em julho, Acre desmatou mais que o Mato Grosso, diz Imazon”.

Denúncias de apreensão de madeira ilegal também aparecem com frequência, a maioria baseada em informações das polícias Rodoviária e Militar locais. Em fevereiro de 2020, por exemplo, o jornal utilizou o termo “crimes ambientais” para qualificar o transporte ambiental de madeira no texto “Caminhão com madeira ilegal é apreendido pela polícia em Cruzeiro do Sul”. São poucas as vezes, entretanto, que discussões relacionadas ao meio ambiente ganham profundidade — o hábito é publicar notícias curtas com informações muitas vezes reproduzidas de assessorias de imprensa.

Outro título acreano de sucesso nas redes sociais é o Contilnet (51 mil curtidas no Facebook e 33 mil seguidores no Instagram, em dezembro de 2020). Assim como vários outros analisados para este projeto, porém, o portal dá preferência à reprodução de notícias escritas por terceiros, como O Globo, Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo e Metrópole. Em outubro e novembro, o diário carioca foi a origem de dois textos que citam mudanças climáticas: “Animais do Cerrado podem tomar lugar de fauna florestal em Amazônia degradada” e “Biden diz que EUA ‘estão de volta e prontos para liderar o mundo’”. Mas profissionais da equipe do Contilnet assinam textos referentes aos incêndios amazônicos, como em “Nos primeiros 16 dias de agosto, AC registrou mais de 1 mil focos de queimadas” e “Em 2020, Rio Branco ficou 42 dias com ar poluído acima do recomendado pela OMS”.

Fundado em 1985, o jornal A Gazeta do Acre está entre os pioneiros do jornalismo no estado — a versão digital surgiu em 2010. Embora não tenha uma editoria específica para cobrir temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas, os assuntos surgem com frequência nas colunas de opinião assinadas por Evandro Ferreira, engenheiro agrônomo, pesquisador do INPA e do Parque Zoobotânico da UFAC (“Natureza e biodiversidade não são empecilhos para o progresso”), e por Foster Brown, professor e pesquisador (“Quanto vale um ano da sua vida? Os custos das fumaças de queimadas”). Em outro artigo (“Os indígenas brasileiros pedem socorro”), a jornalista Beth Passos afirma que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou “a extinção de regras ambientais que protegem as restingas e manguezais” e comenta que as terras indígenas são constantemente invadidas por grileiros da região. Na cobertura do dia a dia, contudo, os temas aparecem de maneira difusa, geralmente em textos de terceiros (“Força-Tarefa Amazônia apresenta balanço de dois anos de atuação no combate ao crime na região”, da assessoria do Ministério Público Federal do Acre, e “Desmatamento e criação de gado são os maiores emissores de CO² em Rio Branco”, do AC 24 Horas).

Rádios e TVs

Com programação musical e de entretenimento, a Rádio Cidade 107.1 FM produz dois programas jornalísticos fixos: o Jornal das 7, das 7h às 8h, e o Jornal das 12h, das 12h às 13h, com notícias sobre Boa Vista. Outros municípios do estado são atendidos por subsidiárias da emissora em Feijó, Tarauacá, Sena Madureira, Epitaciolândia, Cruzeiro do Sul e Porto Walter.

Programas locais também aparecem nas afiliadas das principais empresas de TV do país. Retransmissora da Record, a TV Gazeta comparece com Balanço Geral AC, Gazeta Alerta, Gazeta Entrevista, Gazeta em Manchete e Geração Gazeta. Na Rede Amazônica, antiga TV Acre, afiliada da Globo, a grade contempla o Bom Dia Acre e os Jornal do Acre 1ª e 2ª edição. Bom Dia Rio Branco, RB Notícias, Tribuna Livre e Programa da Jô são as contribuições locais da TV Rio Branco, retransmissora do SBT.

Cobertura especializada

Ainda na internet, chama atenção o Blog do Fábio Pontes, site pessoal de um jornalista acreano free-lancer. Em conversa com a equipe do projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia, Pontes deu seu depoimento sobre o trabalho que faz cobrindo temas relacionados a meio ambiente, imigração e indígenas para seu próprio veículo e títulos como Amazônia Real, Folha de S.Paulo, piauí, Veja e Valor Econômico.

“Em se tratando da questão ambiental, o trabalho de repórteres locais, da cobertura, é zero. Quando sai alguma coisa, o gancho está atrelado à mídia nacional, com taxa de desmatamento, de queimadas, mas não existe aprofundamento de investigação local. A imprensa não tem interesse em tratar essa questão — o tema dominante, aqui, é a cobertura política.

O governo, que é o principal financiador da mídia, está voltado para o agronegócio. Portanto, quem define a pauta local é o governo de plantão, o grande financiador de anúncios.

Procuro manter minha independência, não me influenciar por grupos políticos. Sou a única voz que coloca pra fora os problemas sociais e ambientais que existem aqui. O restante dos jornalistas tem medo de se expor.

Saímos de vinte anos de um governo mais conservador do ponto de vista ambiental, de proteção da floresta, para outro com discurso do agronegócio. Foi uma ruptura muito forte e muito rápida, estamos vendo as consequências. O Acre tem níveis recordes de desmatamento e queimadas. A política ambiental só não foi completamente abandonada porque ainda dá dinheiro. É um estado muito pobre que depende muito do governo federal e de empréstimos, financiamentos que vêm de fora em troca de preservar a floresta. Mas o governo estadual não aplica o dinheiro como deveria, nas comunidades de base, rurais. A Reserva Chico Mendes é o melhor exemplo da falência, do desmonte da política ambiental, tanto estadual como federal. Antes, tinha um exemplo de extrativismo de borracha e castanha. Sem a política de fomento, mais e mais famílias foram abandonando isso e colocando bois dentro da reserva.

Muitas redações, no Acre, diminuíram de tamanho e, hoje, publicam releases na íntegra. sem mudar uma vírgula. Até os erros elas repetem.

Acredito que a população local não demonstra interesse por temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas porque não existe cobertura da imprensa local. O que se vê sobre desmatamento é o que sai no Jornal Nacional, na Band. Mesmo os telejornais locais só dão as notícias para repercutir o que foi feito nacionalmente – quando sai matéria no Fantástico, por exemplo.”

Cruzeiro do Sul e Sena Madureira

Dos oito veículos de comunicação identificados em Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do estado, seis existem exclusivamente como portais de internet — os outros são a Rádio Verdes Florestas, mantida pela Diocese de Cruzeiro do Sul, com dois programas jornalísticos na programação diária, e a TV Juruá, retransmissora local do SBT.

Portal de maior alcance nas redes sociais, com mais de 40 mil curtidas no Facebook e 21 mil seguidores no Instagram (em dezembro de 2020), o Juruá em Tempo apresenta pouco conteúdo sobre meio ambiente produzido pela própria redação. Quando trata do assunto, geralmente utiliza textos de Folhapress, O Estado de S. Paulo, G1, Agência Brasil e outros veículos do próprio estado. Curiosamente, às vezes o crédito aparece, às vezes não. São exemplos três matérias sobre a apreensão de madeira: “Alemanha e França compraram madeira ilegal do Brasil, indicam ações da PF”, “3 entre 10 madeireiras investigadas da Amazônia transportaram toras dentro do país em 2020” (ambas da Folhapress) e “PRF apreende 3 caminhões com madeira irregular, uma espingarda e um veículo no AC” (que altera poucas coisas de uma reportagem publicada pelo G1).

A prática de “copiar e colar” conteúdo não se limita, porém, ao Juruá em Tempo. Texto idêntico sobre desmatamento — “Polícia Federal deflagra Operação contra crimes ambientais e trabalho escravo em Boca do Acre” — foi publicado também no Jornal Opinião, na Folha do Acre e no Ecos da Notícia, o único a atribuir a autoria à Assessoria de Comunicação da PF. Outras vezes, o site atribui a “apuração” à fonte do texto original. Em “Gladson Cameli e líderes indígenas discutem demandas apresentadas ao estado”, o Juruá em Tempo assina o texto “Com informações da Agência de Notícias do Acre”. Palavra por palavra, porém, o conteúdo é idêntico ao que aparece no site da própria Agência.

Também populares nas redes sociais, os sites Juruá Online (mais de 35 mil curtidas no Facebook) e O Alto Acre (mais de 22 mil) usam do mesmo expediente, reproduzindo matérias de veículos como G1, Agência Acre, CNN e AC 24 Horas. Vale registrar as reportagens feitas pelo Juruá Online sobre a importância da preservação da biodiversidade, como “A rica natureza do vale do Juruá no Dia da Amazônia” e “5 de junho – Dia Mundial do Meio Ambiente e o alerta para as queimadas urbanas” — nenhuma das duas reportagens, porém, permanece publicada no veículo.

Em Sena Madureira, o terceiro município mais populoso do estado — 46.511 habitantes, segundo estimativa do IBGE para 2020 —, foi identificado apenas um veículo de comunicação: o portal Acre Online, antes chamado de Sena Online. Na análise do projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia, foram encontrados conteúdos com cinco das 26 palavras-chaves utilizadas na pesquisa: populações ribeirinhas, populações indígenas (ambas citadas de maneira indireta em notícias sobre, por exemplo, a implantação de novo modelo de escolas indígenas e rurais no estado ou sobre uma ação pedindo a contratação de médicos para o combate à pandemia do novo coronavírus), agronegócio (pacote lançado pelo governo estadual para investir em obras de infraestrutura), agricultura familiar (programa de compras governamentais de alimentos) e incêndios (alerta para o grande número de ocorrências — e o único texto que convida o leitor a participar ativamente da conservação ambiental de sua região). A pesquisa não identificou nenhuma notícia em que o jornal tenha consultado especialistas nos assuntos ligados ao meio ambiente e observou que os temas não ganham aprofundamento com dados, por exemplo. Todas as matérias abordam os temas do ponto de vista do governo.

***

Gabriela Erbetta é jornalista e escritora.

(Colaboraram na pesquisa Pedro Varoni, Thallys Braga, Izabela Machado, Bárbara Morelli e Vitória dos Santos).