No terceiro artigo da série Ecossistemas de Informação da Amazônia, o Observatório da Imprensa procura mostrar como veículos jornalísticos do Pará cobrem assuntos relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas, tendo por base matérias publicadas ao longo de 2020. O texto faz parte de uma iniciativa produzida com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) para identificar a cobertura sobre esses temas em dezesseis cidades estratégicas da Amazônia Legal: Rorainópolis e Boa Vista, em Roraima; Rio Branco, Cruzeiro do Sul e Sena Madureira, no Acre; Manaus, Parintins, Itacoatiara, Manacapuru e Coari, no Amazonas; Belém, Ananindeua, Santarém, Marabá, Parauapebas e Altamira, no Pará.
A pesquisa do Observatório identificou 72 veículos jornalísticos em atividade no estado – o que mais desmata no país, de acordo com a plataforma Amazônia Legal em Dados. “Do total de 19,7 mil hectares desmatados registrados em 2020 na Amazônia Legal, 76,8% ocorreram em três estados da região. O Pará foi o estado com maior desmatamento acumulado, com 9.032 hectares”, o que corresponde a 45,8% do total da área, segundo a instituição.
O município de Belém registra 24 títulos, seguido por Santarém (catorze), Altamira (doze), Ananindeua (dez), Parauapebas (oito) e Marabá (quatro). A exemplo das outras capitais de estado pesquisadas pelo projeto Ecossistemas de Informação da Amazônia, a cidade apresenta jornais impressos e online, portais de internet, emissoras de rádio e retransmissoras de TV afiliadas às grandes redes originárias do Sudeste (TV Liberal/Globo, SBT Pará, Record TV Belém, RBA TV/Band).
Sem editoria específica para cobrir temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas, o jornal Diário do Pará (com versões impressa e digital) trata de desmatamento, garimpo, incêndios e apreensão de madeira, por exemplo, de maneira factual, relatando operações locais (“Ministério da Defesa proíbe fiscalização do Ibama contra garimpo ilegal no Pará” *, 18/8; “Operação ‘Amazônia Viva’ apreende madeira ilegal no Pará”, 31/10) ou reproduzindo informações de outros veículos (“Megaoperação da PF contra garimpo mira empresário no Pará”, 18/10; “PF faz a maior apreensão de madeira da história na divisa do Pará com Amazonas”, 21/12, ambas da Folhapress). Também apresenta a opinião do senador Jader Barbalho (MDB-PA) diante dos índices crescentes de desmatamento no estado (“Senador Jader cobra ação do governo federal contra desmatamento da Amazônia”, 20/6) – a família do político é proprietária do Diário do Pará.
Em setembro, o jornal comemorou as vinte edições da revista trimestral AgroPará, “primeiro suplemento exclusivamente voltado para o agronegócio no estado”, encartado gratuitamente na edição impressa. Diversas reportagens estão disponíveis online, tratando de temas como avicultura (“Indústria granjeira paraense produziu 28 milhões de quilos de ovos por ano em 2019”, 10/1), criação de gado (“Rebanho paraense se destaca pela genética e pela carne produzida”, 9/1), aquicultura (“Pará tem espaço favorável para a criação de pescado e ganha destaque”, 27/12) e apicultura (“Mel é item fundamental na alimentação e na produção de remédios”, 26/12). Dois meses depois, em novembro, o veículo anunciou o lançamento dos cinco fascículos da série Diário Documento – Sustentabilidade (“Novo projeto do DIÁRIO apresenta bons exemplos de sustentabilidade”), com edições especiais abordando projetos sociais, educação ambiental, sustentabilidade empresarial, reciclagem e produtos biodegradáveis.
Principal concorrente do Diário do Pará entre os jornais impressos e online, O Liberal também trata de desmatamento e apreensão de madeira, por exemplo, de maneira factual, republicando textos de outros veículos, como Folha de S.Paulo, e usando informações oficiais das assessorias de comunicação, quase sem entrevistar autoridades ambientais (“Polícia apreende mais de 500 m³ de madeira ilegal e interdita serraria clandestina no Marajó”, 8/9; “Instituto aponta crescimento de 143% em desmatamento na Amazônia”, 12/3).
Representantes de comunidades indígenas e quilombolas, por outro lado, foram ouvidos em reportagens sobre o avanço da epidemia de covid-19 em cada grupo (“Covid-19 já matou 34 quilombolas no Pará”, 2/7; “Pará é o segundo em mortes de indígenas por covid-19”, 6/7). Em agosto, outro exemplo de presença da voz indígena ocorreu quando manifestantes Kayapó fecharam a BR-163, perto do município de Novo Progresso, para cobrar mais acesso à saúde e proteção de suas terras. O Liberal acompanhou os três dias de protesto, descritos em textos como “Após ato de 29 horas, indígenas Kayapó liberam a BR-163” (18/8) e “Manifestação de indígenas na BR-163 completa 48h” (19/8), que elencam cada reivindicação do grupo.
Outro título veterano das bancas de jornais belenenses, A Província do Pará publica textos com postura crítica aos grileiros. O periódico relaciona a atividade a problemas sociais e ambientais, como desmatamento (“Amazônia tem maior desmatamento no período de junho dos últimos 5 anos”, 13/7), queimadas (“Focos de calor batem novos recordes na Amazônia em julho, aponta Greenpeace Brasil”, 11/8) e invasão de terras indígenas (“TRF1 suspende norma da Funai que afrouxa proteção de terras indígenas em Marabá”, 3/7). Sobre a Amazônia, publica e reproduz matérias com destaque à fauna e à flora locais (“Plantas na Amazônia tem bactérias produtoras biodegradáveis”, 15/6; “Veneno de jararaca e aranha da Amazônia pode tratar doenças”, 13/11; “Embrapa: planta amazônica ajuda a combater pragas agrícolas”, 15/11). Os textos seguem o padrão de divulgação científica, com dados de instituições e pesquisadores que estudam a floresta.
Altamira: mudanças no jornalismo em função de Belo Monte
Dentre os municípios responsáveis por colocar o Pará como o estado que mais desmata no país, Altamira ocupa o primeiro lugar. Segundo a plataforma Amazônia Legal em Dados, que compila informações do Prodes e do Inpe, foram 1.595,1 hectares em 2020.
O levantamento feito pelo Observatório da Imprensa identificou doze veículos de comunicação atuantes na cidade. As três emissoras de rádio – Rural Altamira, Cidade e Vale do Xingu – dão prioridade à programação musical, com eventuais boletins informativos e horários de cunho religioso. Cinco são emissoras de TV, reproduzindo sinais de Band (TV Cidade), SBT (TV Vale do Xingu), Record (TV Mirante), Cultura (TV Altamira) e Globo (TV Liberal), com a produção de alguns telejornais locais.
Uma videorreportagem de Elvira Lobato e Ana Terra Athayde, publicada no Observatório da Imprensa em março de 2019, já informava que a televisão é o principal meio de comunicação da cidade e contextualiza a imprensa local: “A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte [2016] impactou Altamira e seu entorno. A formação de um lago de 480 km quadrados deslocou 10 mil famílias ribeirinhas e atingiu treze terras indígenas. De cidade isolada às margens do rio Xingu, Altamira tornou-se o epicentro da discussão mundial sobre a preservação do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas. A imprensa local, que antes se limitava à cobertura da própria comunidade, ampliou seus horizontes para acompanhar a nova agenda.”
Temas relevantes para a preservação do meio ambiente estão na pauta do Xingu 230, veículo local com maior presença nas redes sociais – em dezembro de 2020, eram mais de 57 mil curtidas no Facebook e 13 mil seguidores no Instagram. A maior parte dos textos, entretanto, reproduz matérias de outros títulos, como o G1 Pará. Foi o caso de duas postagens, em maio e junho de 2020, apontando o município como campeão de desmatamento na Amazônia: “Altamira lidera ranking de desmatamento da Amazônia, aponta Imazon” e “Altamira lidera o ranking de municípios que mais derrubaram árvores”. O portal de notícias da Rede Globo também foi fonte de três textos sobre operações coordenadas pelo Ibama ou pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade no combate a crimes ambientais: “Operação Verde Brasil apreende tratores, motossera, escavadeira e aplica multa por desmatamento em fazendas no PA” (29/5), “Operação contra crimes ambientais interdita três garimpos e fecha acampamentos no interior do PA” (29/6) e “Nova fase da Operação Amazônia Viva interdita mais de 30 garimpos ilegais no Pará” (12/11).
Em outra ocasião (16/3), o texto “Fazendeiros de Castelo de Sonhos, Altamira e Novo Progresso são condenados a pagar R$6,8 milhões por desmatamento ilegal no Pará” reproduziu notícia da Folha do Progresso – que, por sua vez, dá crédito para o G1. A Folha foi o jornal digital que denunciou, em 10 de agosto de 2019, as queimadas conhecidas como Dia do Fogo, crime ambiental provocado por fazendeiros e empresários na cidade de Novo Progresso, no sudoeste do estado. Quando não utiliza material produzido por outros veículos, as fontes dos textos sobre meio ambiente utilizadas pelo Xingu 230 são assessorias e órgãos oficiais. Foi o caso, por exemplo, em “Polícia Federal deflagra operação contra exploração ilegal de madeira em três municípios da região do Xingu” (29/7).
Único jornal impresso de Altamira, publicado desde 2012 em formato tabloide, A Voz do Xingu afirma, em sua página no Facebook, ter tiragem quinzenal de 3 mil exemplares e distribuição gratuita em onze municípios. No site, as editorias estão divididas em Política, Esporte, Polícia, Região e Saúde. A versão em papel, além das matérias, traz quadros chamados Licenças Ambientais, com a divulgação de pedidos e concessões feitos à Secretaria Municipal da Gestão do Meio Ambiente e Turismo, por pessoas físicas ou jurídicas, de atividades como exploração florestal, comércio varejista ou limpeza de vegetação para trabalho agropastoril.
Leia também as reportagens feitas em Altamira por Elvira Lobato, em 2019, no lançamento do segundo ano do Atlas da Notícia:
– Prefeito e oposição possuem TVs em Altamira
– Emissoras focam em temas nacionais
– Globo não tem telejornal local
– O canal na internet de Bruce Whayne
Ananindeua e Marabá
Na região metropolitana de Belém, o segundo município mais populoso do estado, Ananindeua, é servido por sete emissoras de rádio, com foco em transmissões musicais ou programas de cunho religioso. Outros três veículos com presença online tratam da cobertura política local e estadual, além de temas como a pandemia do novo coronavírus, sem dar maior espaço a assuntos relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas.
Numa das poucas exceções, o blog Ananindeua Debates publicou, em julho, “A fala de Hamilton Mourão protege desmatamento, atenta contra povos indígenas e põe em risco a economia do país”, texto crítico à política do governo federal assinado por Zé Carlos Lima, creditado como presidente da Fundação Herbert Daniel local. Rui Baiano Santana, autor do blog, é um dos idealizadores da Associação de Imprensa de Ananindeua ao lado de Uziel Monteiro (Jornal Metropolitano) e Eduardo Sillé (Jornal de Ananindeua).
Em Marabá, a cerca de 500 km de Belém, no sudeste do estado, a pesquisa do Observatório da Imprensa identificou cinco veículos de informação, entre rádio (Itacaiunas), emissora de TV (Correio Marabá, afiliada do SBT), títulos online (Jornal Opinião; blog Hiroshi Bogéa) e um jornal impresso que também opera um portal na internet (Correio de Carajás).
A abordagem de temas relacionados ao meio ambiente e às mudanças climáticas é relativamente constante no Correio de Carajás. São frequentes as notícias, várias delas assinadas por profissionais da redação, sobre as investidas policiais que procuram combater mineração ou desmatamento ilegal e focos de incêndio na região, como “Seis forças federais fecham ‘Buraco Fundo’ entre Itupiranga e Curionópolis” (13/5), “Operação integrada das Forças Federais segue até junho” (14/5) e “Megaoperação fiscaliza caminhões de minério em Marabá” (25/6). Mas também marcam presença textos oficiais, reproduzidos da Agência Brasil ou do site do governo federal, a exemplo de “Mourão manifesta preocupação com incêndios na Amazônia” (4/8) e “Governo lança campanha contra queimadas” (19/8).
“Temos liberdade editorial para trabalhar sobre a temática do desmatamento, um dilema histórico e que causa graves problemas ao meio ambiente e às pessoas”, diz Ulisses Pompeu, editor do Correio de Carajás. O próprio jornalista afirma, porém, que alguns assuntos são mais espinhosos. “A extração de manganês ilegal, atualmente, é um grande dilema ambiental em nossa região. Além de acelerar o desmatamento, causa grandes danos ao solo e, por extensão, a todo o meio ambiente. Até mesmo a Polícia Federal tem dificuldade para realizar operações porque os grupos empresariais desse setor são muitos, fortes e ameaçadores. As poucas vezes em que nos arriscamos, denunciando a rota ilegal do manganês, fomos ameaçados de forma velada”, completa.
Parauapebas e Santarém
Oito veículos de informação foram identificados na cidade de Parauapebas, que surgiu como uma vila de Marabá, na década de 1980, em torno da exploração da maior reserva mineral do mundo, Carajás, pela Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale S.A. Com exceção de O Regional, que circula semanalmente às sextas-feiras – e, como presença digital, mantém apenas uma página no Facebook –, todos investem na existência online: Pebinha de Açúcar, Blog do Zé Dudu, Correio do Pará, Portal Carajás, Carajás Notícias, Sol do Carajás e Portal Parauapebas.
Não por acaso, a Vale aparece com certa frequência nos textos sobre meio ambiente postados pelos veículos com maior presença na internet: Pebinha de Açúcar (mais de 308 mil curtidas no Facebook em dezembro de 2020) e Blog do Zé Dudu (mais de 49 mil curtidas na mesma rede e data). “Município de Canaã dos Carajás estabelece contrato com Cooperativa de Catadores para coleta seletiva” (8/2) fala sobre a cooperativa Coolettar, parceira da Vale e da Fundação Vale. “Além do benefício ambiental com a formalização da coleta seletiva no município, o contrato promoverá a geração de trabalho e renda aos cooperados”, diz o texto – o único, em 2020, publicado para tratar do problema do lixo. Em setembro, a empresa também foi tema de um texto publieditorial no Blog do Zé Dudu: “Dia da Amazônia: conheça as ações da Vale para a preservação do bioma brasileiro”.
Em 2020, as ocorrências de queimadas em Parauapebas dobraram em relação ao ano anterior. O tema foi tratado pelo Pebinha de Açúcar em um texto que destaca as consequências da fumaça para a saúde de humanos e animais (“Ocorrências de queimadas dobram em relação ao ano passado em Parauapebas”, 10/8) e pelo Blog do Zé Dudu em diversas matérias sobre iniciativas de combate à prática (“Parauapebas é sede da Operação Fênix 2020 de combate a incêndios florestais”, 11/8; “FAB usa aviões C-130 Hércules em combate a queimadas na Serra dos Carajás”, 21/9).
Também os portais de internet dominam as informações em Santarém, terceiro município mais populoso do estado, distante cerca de 800 km de Belém: oito, do total de catorze veículos de comunicação (o jornal O Impacto tem também uma edição impressa). Os seis restantes são emissoras de rádio (Rural, Amazônia, Guarany) e TV (Cidade Dourada, Ponta Negra e Tapajós, afiliadas, respectivamente, de Rede TV, SBT e Globo).
Embora com presença modesta nas redes sociais – pouco menos de 4.000 curtidas no Facebook, em dezembro de 2020 – e escassa produção própria de conteúdo, O Estado Net dá bastante atenção a temas relacionados ao meio ambiente, repostando textos assinados por Repórter Brasil, Amazônia Real, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo, por exemplo. Lúcio Flavio Pinto, veterano jornalista e sociólogo paraense que, por mais de trinta anos, publicou o alternativo Jornal Pessoal, colabora frequentemente com textos reflexivos que não só criticam a atual gestão ambiental do governo Bolsonaro como apresentam personagens emblemáticos da região. Um deles, “Um pioneiro bolsonarista” (18/7), fala sobre a vida do produtor de arroz Paulo Cesar Quartiero: “É pioneiro da ideologia que declarou o fim do politicamente correto e prega a submissão de ambientalistas, indígenas e quilombolas à lógica da agropecuária, uma cartilha que o presidente está colocando em prática na Amazônia brasileira”. Também merecem citação as matérias sobre operações policiais contra o garimpo ilegal, como “Em operação contra ouro ilegal, PF apreende armas e veículo em Itaituba e Santarém” (20/01) e “PF prende duas pessoas por garimpagem ilegal e destrói máquinas em Jacareacanga” (13/11).
“O jornalismo local padece da falta de anunciantes. No contexto amazônico, onde a comunicação e o deslocamento são difíceis, tudo se torna ainda mais complexo”, afirma Edmundo Baía Júnior, editor do jornal O Impacto, em entrevista ao Observatório da Imprensa. Em relação à pauta ambiental, ele completa: “Várias vezes, aqui na redação, não viemos trabalhar no dia seguinte em que a edição foi às bancas porque recebemos ameaças de grileiros e madeireiros”. Em 2020, por exemplo, foram apenas duas as reportagens sobre apreensão de madeira (“Tratores e armas de fogo são localizados em operação policial que resultou na apreensão de 100 m³ de madeira ilegal em Santarém”, em 20/8, e “PF apreende 43,7 mil toras de madeira ilegal no Pará”, em 22/12) e outras duas sobre desmatamento (“Governo impôs sistema que inviabiliza a fiscalização do desmatamento, diz MP”, em 13/8, e “Pará concentra maior área de floresta desmatada em agosto, diz Inpe”, em 12/9).
***
Gabriela Erbetta é jornalista e escritora.
(Colaboraram na pesquisa Pedro Varoni, Thallys Braga, Izabela Machado, Bárbara Morelli e Vitória dos Santos).