Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que a mãe de Henry protege o homem que torturou e matou o seu filho?

(Foto: Agência Brasil/Tânia Rêgo)

Os investigadores da Polícia Civil do Rio de Janeiro já têm uma respeitável quantidade de provas técnicas e depoimentos mostrando que a professora Monique Medeiros protegeu e facilitou a tortura e o assassinato do seu filho Henry Borel, quatro anos, pelo padrasto, o médico e vereador do Rio de Janeiro Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho. Na quinta-feira (08/04), o casal foi preso por 30 dias por ameaça a testemunhas. Ela não é a única envolvida nesse tipo de crime que acaba protegendo o matador do filho. O médico Leandro Boldrini cumpre pena de 33 anos de prisão por ter sido cúmplice na morte do seu filho Bernado, 11 anos, assassinado pela madrasta Graciele Ugulini, em 2014. Graciele foi condenada a 34 anos de prisão por ter dado uma superdose de medicamentos para o menino e ter enterrado o corpo em uma cova rasa no interior de Frederico Westphalen, município agroindustrial a 80 quilômetros a leste de Três Passos, no norte do Rio Grande do Sul, onde morava a família. Em março de 2008, o bacharel em Direito Alexandre Nardoni foi condenado e cumpre uma pena de 26 anos por cumplicidade na morte da sua filha Isabella Nardoni, cinco anos, pela madrasta Anna Carolina Jatobá, ex-estudante de Direito, que foi sentenciada a 31 anos de prisão. Depois de agredida, a menina foi jogada pela janela do sexto andar do prédio onde a família morava em São Paulo. A lista de casos semelhantes ao do menino Henry é enorme. Só citei os casos do Bernardo e da Isabella porque tiveram uma enorme repercussão pública. Uma pesquisa revelou que 98% dos brasileiros ouviram falar do caso Nardoni.

Fiz algumas matérias sobre o episódio Nardoni. E na morte de Bernardo fiquei em Três Passos mais de um mês trabalhando na apuração do crime. Os inquéritos policiais que investigaram os casos Nardoni e Bernardo e o que está sendo feito sobre a morte de Henry têm como base provas técnicas e testemunhais que ligam os cúmplices ao executor do crime. Ontem (09/04), o engenheiro Leniel de Almeida, pai de Henry, perguntado por um jornalista, respondeu que jamais imaginou que sua ex-mulher fosse permitir que alguém fizesse mal para o filho deles. O inquérito policial, e depois o processo judicial, não trarão a resposta sobre o motivo pelo qual ela protegeu o matador do seu filho. Mas trarão as provas de que sabia do que aconteceu e ajudou a elaborar o álibi do matador. Lembro que, em várias palestras que fiz para colegas nas redações do interior do Brasil e estudantes de jornalismo, o caso Bernardo sempre brotava no meio da conversa, e a pergunta que eu nunca soube responder é o que deu na cabeça do médico Leandro para se aliar à matadora do seu filho. Durante o tempo que estive na cobertura do caso Bernardo recebi mensagens e ligações pedindo para explicar como um médico conceituado na cidade vira cúmplice do assassinato do filho. Conversei longamente com familiares, amigos, colegas e policiais. Liguei para um velho amigo da Polícia Civil e conversamos mais de uma hora sobre o caso. No final, ele me resumiu a situação assim: “O cara é 13”. Traduzindo: “é louco”.

Nessa situação, quando o repórter é pressionado pelos editores, os leitores e todo mundo para fazer um perfil do que pode ter acontecido dentro da cabeça do personagem, geralmente ele escreve bobagem. Não fugi à regra. No caso Henry: a mãe do menino foi ao salão de beleza logo após o enterro do filho. A polícia disse que isso é uma amostra da pouca importância que Monique dava para o menino. No dia que foi presa, eu comentei com uma amiga: “Ela se arrumou para ser presa, porque vai aparecer na televisão”. O que citei são apenas itens do seu perfil que não permitem maiores interpretações. Daí deixamos essas informações soltas lá no meio da matéria, e o leitor que tire as suas próprias conclusões. Antigamente isso funcionava, porque só jornalistas informavam a respeito dos acontecimentos. A coisa mudou. Com a chegada das redes sociais, esse tipo de notícia rende comentários de todos os calibres, atiçando ainda mais a curiosidade do leitor, que busca nos jornais informações para saber o que realmente aconteceu. E os jornais não têm essa informação. Como vamos fazer? Nós repórteres precisamos incluir entre as nossas fontes psiquiatras e psicólogos que nos ajudem a entender como pessoas como a mãe do Henry se tornam cúmplices do torturador e matador do seu filho. Lembro o seguinte: durante a pandemia da Covid-19, há mais médicos e cientistas nos noticiários explicando o que está acontecendo do que jornalistas. A presença desses profissionais qualificou os conteúdos jornalísticos e, com isso, fechou muitas portas para as fake news.

Arrematando a nossa conversa. A investigação policial e os processos que correrão na Justiça vão provar que houve a cumplicidade entre a mãe e o matador. E que ela não foi coagida a cooperar. É o mesmo roteiro dos casos Nardoni e Bernardo. Aqui lembro o que disse o pai do Henry. Que jamais pensou que sua ex-mulher fosse permitir que alguém fizessem mal para o filho deles. Por que a professora Monique decidiu ser cúmplice do algoz do seu filho? Por que Alexandre Nardoni resolveu ser cúmplice da madrasta que matou a sua filha? Por que o médico Leandro Boldrini se tornou cúmplice da madrasta que planejou a morte e executou o seu filho? Os nossos leitores querem essas respostas. Claro, não estou pregando que se transforme cada matéria em um livro, como Truman Capote fez em A Sangue Frio. Mas lembro aos meus colegas. Precisamos rechear com conteúdos mais consistentes esse tipo de matéria. Olha, todos os dias centenas de casais com filhos se separam no Brasil. Talvez venha daí o grande interesse das pessoas em saber mais sobre esse assunto. É isso que o nosso leitor está exigindo de nós.

Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é jornalista.