Com episódios que vasculham diversos cenários da realidade da cidade do Rio de Janeiro, a série Força-Tarefa, novo produto da TV Globo para disputar a audiência do telespectador que se satisfaz com o visual do submundo das drogas e das favelas, evidencia uma coleção de personagens que sobrevivem nos cantos sombrios da capital carioca. Segundo informações da própria emissora, cerca de 70% das cenas da nova série têm locações externas. Um verdadeiro deleite para aficionados em ‘realidade na televisão’.
Para deixar o programa ainda mais com aparência de real, o elenco ouviu palestras e participou de treinamentos para se ambientar ao universo policial e pegar a ‘ginga’ dos policiais. A fim de mergulhar de cabeça em seus personagens carrancudos, os atores visitaram corporações, fizeram aulas de tiros, além de assimilar o vocabulário típico de quem vive nas delegacias e periferias. Força-Tarefa é a arma da TV da família Marinho na disputa por maiores índices de audiência contra a rede Record, que, na mesma perspectiva, explora o tema da miséria e da violência, também numa série, ambientada em uma favela do Rio. A Lei e o Crime, produto da empresa do bispo Edir Macedo, conforme a própria emissora, é líder de audiência.
Identificação junto ao público
As duas séries de mesmo gênero refletem a tendência que tira proveito da estética da exclusão nos meios de comunicação. Não é de hoje que o assunto caiu no gosto de produtores de cinema e de televisão. Em 2004, o filme Cidade de Deus foi indicado ao Oscar e concorreu em quatro categorias, mas não levou nenhuma estatueta. Nem por isso, o longa-metragem de Fernando Meirelles deixou de fazer sucesso, refletindo sobre as causas do surgimento das favelas, do tráfico de drogas e do crescimento da violência no Rio de Janeiro. O filme virou ‘febre’, despertando o tema da favela na mídia. De forma dramática, Meirelles expõe na tela, nos cinemas do mundo inteiro, uma ferida social brasileira. As vidas de jovens sem oportunidades ceifadas pelo tráfico e pela truculência de uma polícia que não sabe e não tem condições para lidar com um problema que ultrapassa os limites da questão de segurança pública são exibidas no filme, que foi acusado de glamourizar o favelado. Deixando de lado estas supostas estetizações, Cidade de Deus faz seu espectador lembrar das mazelas do Brasil. Talvez por isso, tenha se tornado um campeão de bilheteria.
É de olho no público conquistado por filmes como o do cineasta Meirelles que os canais de televisão estão investindo na estética da exclusão que, de acordo com Beatriz Resende (2002), estaria presente na produção de um discurso que parte dos espaços excluídos da grande cidade que passam a falar, sem mitificação ou folclorização, de sua realidade, usando as próprias vozes. Talvez os personagens da periferia, pouco mostrados nas novelas, agora em evidência na mídia, sejam os motivos de tanto êxito neste gênero de produto televisivo. O sucesso pode estar na identificação que eles estabelecem junto ao público.
Imagem da periferia
Na visão de Jesús Martin-Barbero (2001), na obra Dos meios às mediações, o meio de comunicação é capaz de fazer o espectador se ver e se reconhecer. Ele chegou a esta conclusão ao estudar o cinema mexicano, que funcionou como estruturador da identidade nacional do México. Da mesma forma que o cinema, a televisão, que sofre com a queda de audiência das recentes novelas, está se aproveitando desse potencial de identificação, investindo em tramas que dizem retratar o ‘real’ das periferias para alcançar uma gama maior do público e um pedaço volumoso do bolo publicitário.
Embora seja veiculada como nova tendência, a presença da miséria na mídia remete a outros tempos. Mais recentemente, em 1995, o cinema nacional, no movimento que ficou conhecido como Retomada, usou de forma predominante o tema da favela, em que esta é mostrada como lugar representativo da exclusão. Este movimento de voltar os olhares cinematográficos para a periferia tem ligação com o passado do cinema brasileiro. Nos anos 60, o Cinema Novo, movimento que tem Glauber Rocha como notável, expunha a miséria como artifício para a reflexão da violência social. Isso já era presente na sétima arte nacional antes da genialidade de Glauber. A imagem da periferia era tema presente no cinema nacional desde os anos 30, em Favela dos meus Amores (1935), de Humberto Mauro, e ainda presente no cinema social dos anos 50, sobretudo nos filmes de Nelson Pereira dos Santos, como Rio 40 graus (1955) e Rio Zona Norte (1957).
Espaço geograficamente excluído
No período do Cinema Novo, Glauber Rocha, em 1965, escreveu o manifesto ‘Uma Estética da Fome’, no qual analisava uma forma de expor a miséria. Conforme o cineasta, só um cinema brutal, gritado, desesperado, feio e triste poderia impor o desgosto da miséria sobre o paladar das obras de fácil digestão apreciadas com intensidade pelo público internacional, sequioso por produções exóticas. O Cinema Novo foi considerado um fenômeno de importância mundial devido ao alto grau de comprometimento com a realidade. Os filmes desse movimento mostravam o excluído como um sujeito ativo dentro de uma revolução. Se ele não era dotado de razões políticas, pelo menos era conduzido por um impulso de sobrevivência.
Mas, atualmente, os moradores das favelas são apresentados pela televisão sob o mesmo ponto de vista? Na verdade, o que acontece hoje é que a mídia está usando a pobreza como espetáculo para alcançar audiência e conquistar o mercado publicitário, sem contribuir para que o espectador faça uma reflexão contundente sobre a realidade das favelas e de quem vive nelas. O que estas obras do gênero fazem através dos meios de comunicação é reforçar uma concepção generalizada que existe na sociedade que descreve a periferia e seus moradores como marginais, carregados de uma concepção negativa, que vem sendo ratificada a cada nova produção da mídia, pelo menos nos canais de TV aberta. Assim, a periferia vem sendo representada como espaço geograficamente excluído e seus personagens como sujeitos desclassificados, desonestos, violentos e envolvidos em crimes, fixando no imaginário popular uma única representação da identidade do excluído.
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Jornalista, repórter do jornal JF Hoje, Juiz de Fora, MG