TRANSFORMAÇÃO
‘Down there’ e primeira classe
‘ESTOCOLMO – Um dia de 1997 aportei em Amsterdã para cobrir uma cúpula da União Europeia. Peguei a credencial, pendurei no peito e fui tentar entender o mapa das tendas instaladas em um parque público da cidade, que seriam o QG do encontro.
Aproxima-se um jornalista holandês, vê ‘Brazilie’ escrito na credencial, abre o olhão e diz: ‘You came all the way from down there just to this?’. Tradução livre: ‘Você veio lá do fundão do mundo para isto?’. Interpretação mais livre ainda: ‘O que um bugre está fazendo no meio dos brancos?’.
Nos 12 anos seguintes, o ‘Brasil’ no meu peito, nas credenciais de cúpulas, passou a ser cada vez menos ‘down there’, em Hokkaido, no Japão, e Áquila, na Itália, em Londres como em Pittsburgh.
Sou, portanto, testemunha viva da história da transformação do Brasil de ‘down there’ para ‘primeira classe’, como disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva após ‘o Rio derrotar Obama’, segundo a manchete de ontem do ‘Financial Times’.
Mas, olho, nada de perder a perspectiva: os que fizeram a viagem são poucos, pouquíssimos políticos, um bom número de diplomatas e funcionários públicos graduados, um número crescente, mas ainda pequeno de empresários. É uma vanguarda que, se olhar para trás, verá que a grande massa ainda come poeira ‘down there’.
PS – A partir de amanhã, o titular deste espaço passa a ser Fernando de Barros e Silva, que já o ocupava às segundas-feiras e editava o caderno Brasil. Mas não se entusiasme muito porque eu continuarei aparecendo por aqui aos domingos e quintas-feiras, além de inaugurar uma coluna, aos sábados, no caderno Mundo, o meu habitat predileto desde criancinha (literalmente).
Não por acaso, chama-se ‘Janela para o Mundo’ a coluna eletrônica que assino na Folha Online nos demais dias da semana.’
TELEVISÃO
A nova graça do ‘CQC’
‘Eleita a primeira mulher do programa. Monica Iozzi leva cantadas dos entrevistados e aprende que não dá pra usar escarpim para caçar celebridades
Discussão ‘filosófica’ dia desses nos bastidores do programa ‘CQC’ tratava de tema polêmico: o uso ou não da palavra xoxota durante a atração. O apresentador Marcelo Tas disse a palavra ao vivo e, diante das risadas, um dos diretores do programa perguntava, atrás das câmeras: ‘Xoxota é palavrão? É palavrão ou não é?’ Explica-se: o programa foi comprado pela TV Bandeirantes da empresa Cuatro Cabezas, de Buenos Aires, e é dirigido por argentinos que, nos bastidores, podem interferir em seu conteúdo -mesmo sem entender direito os nossos palavrões.
Tas, que acha o termo ‘bonitinho’, foi voto vencido. A palavra foi abolida do ‘programa da família brasileira’ e ele teve que readaptar seu vocabulário. ‘Estou me achando o Chico Buarque, tendo que achar sinônimos para a palavra.’ Na última segunda, quando a coluna acompanhou os bastidores da gravação do programa que escolheria a oitava integrante do ‘CQC’, Tas decidiu substituir a dita cuja por ‘paçoquinha’.
A vencedora do concurso, que teve cerca de 23 mil inscritos, foi Monica Iozzi, 27, atriz de Ribeirão Preto, fã de Mussum e de Nair Bello.
Antes de saber que ganharia, Monica teve que aguentar muito suspense. Faltam poucos minutos para o programa entrar no ar e os três apresentadores, Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque, fazem um ‘aquecimento’ da plateia. ‘Vamos combinar uma coisa? Quando o Tas errar, as mulheres levantam a blusa e ‘pagam peitinho’. E os gordinhos também, que à distância é tudo igual’, brinca Luque. Os três então se revezam: ‘Cadê a torcida da Carol?’, ‘Cadê a da Monica?’, ‘E a torcida do Ivo Holanda?’. O público ri, devidamente esquentado.
Carol Zoccoli, 32, era a outra finalista para a vaga. No camarim, antes de saberem o resultado, falava sobre o nervosismo. ‘Nervosa? Tô drogada, né? Trinta quilos de Rivotril. Tô até cansada de ficar nervosa.’
Tas chega ao camarim pra retocar a maquiagem ‘high-tech’ da M.A.C -’é um gelzinho pra tirar o brilho’. ‘Vocês já sabem o resultado?’, brinca com as finalistas, que reclamam do tempo que ele demora pra divulgar os vencedores a cada etapa. ‘É que eu aprendi a prolongar o prazer. É uma técnica que você só descobre com o tempo.’
Longos minutos depois (para elas), Monica é consagrada vencedora. E Carol anuncia. ‘Vou comer bastante e entrar no reality show ‘Magros X Obesos’.’ Acha que vai levar ao menos um mês para descobrir ‘se valeu à pena ou se foi só um puta mico’ participar da disputa para entrar no programa da Band: ‘Daqui pra frente, é conta pra pagar e cartão de crédito atrasado. Como sempre foi’.
Já Monica, mais reservada que Carol, não teve que esperar nem um dia pra descobrir como sua vida mudou. No dia seguinte à escolha, cabeleireiros e maquiadoras a esperavam na Band para criar a imagem da primeira mulher do ‘CQC’. Um jornal popular tinha um pedido ousado: uma foto da moça de biquíni para estampar na capa. Pedido vetado.
Durante a sessão de maquiagem, Monica conta que só foi reconhecida duas vezes. Em uma delas, estava de moletom comprando Epocler numa farmácia, quando uma garota de 12 anos a interpelou. ‘Oi, eu te sigo no Twitter. O Marcelo Tas é careca mesmo?’
Monica fez artes cênicas na Unicamp, foi vendedora de livraria e garçonete. Solteira, diz que tem um ‘cacho’. E está aprendendo a lidar diante das câmeras com entrevistados que mexem com o fato de ela ser bonita. O governador José Serra e o jogador Cafu foram dois deles. ‘Com o Serra, eu tava tão nervosa que nem ouvi o que ele falou. Com o Cafu, eu disse que gostava das pernas dele e ele: ‘quer pegar?’ Fiquei desconcertada. Sou meio boba. Os entrevistados tiram sarro de mim.’
A atriz-repórter entra na sede da Cuatro Cabezas, a empresa argentina que produz o ‘CQC’ em vários países, com o pé esquerdo. O sapato escolhido na Band, um escarpim preto, é rejeitado na hora. ‘Não pode ser chique. Lá fora, é guerra. Eles correm o tempo todo atrás de político e celebridade’, diz a produtora Renata Varela.
O argentino Diego Barredo, 32, gerente da Cuatro Cabezas brasileira, chama Monica. Aconselha a ‘não se deslumbrar com as luzes’. ‘Uma experiência transcendental como a fama muda muito as pessoas.’ A Cuatro Cabezas tem contrato com a Band até 2011. Além do ‘CQC’, produz o programa ‘E24’, também exibido na Band, e o novo ‘A Liga’, que deve estrear em 2010. Diego está na produtora desde 1999, quando começou ‘servindo café pro Mario Pergolini, o Tas de lá’.
As celebridades e os políticos brasileiros e argentinos, diz, se comportam de maneira parecida. ‘No começo, eles não gostam [do ‘CQC’]. Acham as piadas chatas. De repente, as pessoas começam a gostar, e eles começam: ‘Adoro vocês’, ‘Marcelo [Tas], um beijo pra você’.’
Para Juan Buezas, 35, argentino que dirige o ‘CQC’, os brasileiros ainda penam no quesito informação. ‘Na Argentina, o cara que mora na rua lê jornal. Aqui, quando falamos com um senador pouco conhecido, temos que apresentar quem é. Muita gente não sabe quem é o presidente do Senado. Talvez saibam quem é Sarney, mas não o presidente do Senado.’
Monica discute sua pauta: o show de gravação do DVD de Gilberto Gil. Antes de ela chegar, o produtor Daniel Cronfli fez uma lista dos convidados VIPs com perguntas para cada um. ‘Pro Arnaldo Antunes, você pode perguntar: ‘Você prefere que o Carlinhos Brown suba ou que a Marisa monte?’ Cada repórter do ‘CQC’ tem um produtor para preparar as perguntas e soprá-las durante as entrevistas. O objetivo da noite é conquistar Gil. Para isso, Cronfli comprou uma Iemanjá de presente para o cantor.
Já no teatro, Monica estuda a pauta. Anda de um lado para o outro ensaiando. E logo começa a caça às celebridades. O publicitário Washington Olivetto a reconhece. ‘Agora, esse programa vai dar certo. Só tinha homem feio. Com uma mulher bonita, vai melhorar muito.’ O diretor Fernando Meirelles, não. ‘Eu não vejo TV.’ Mas vê a cola na mão da repórter. O que é isso? ‘É o nome de um orixá para puxar papo com o Gil.’
Surge Johnny Saad, presidente do grupo Bandeirantes. ‘A gente entrevista ele ou não?’, vacila Monica. ‘Vai lá’, apoia o produtor. Monica ganha os parabéns de Saad e se sai bem com uma gracinha. ‘Obrigada! Sobre o salário a gente conversa depois, né?’
Depois do show, chega o teste final: entrevistar Gil. Monica cola nele. Pergunta se vai ser vice de Marina Silva na campanha presidencial e dá a Iemanjá de presente. Flora Gil, mulher do cantor, avista a cena. ‘CQC, não!’ Surge na frente da câmera, cochicha no ouvido do marido. Monica pede só mais uma pergunta. Em vão. Gil já engatara conversa com outros convidados. Preta Gil, filha do cantor, diz a Monica que ‘estava torcendo por você [na competição]. Daqui a pouco, você vai fazer ‘stand-up comedy’ e ganhar dinheiro como eles [os outros repórteres do ‘CQC’]’.
O show de Gil foi a última missão do dia. No fim de semana, Monica providenciaria a mudança de Ribeirão Preto para São Paulo, onde dividirá um apartamento com a irmã até engatar de vez na nova vida.
Reportagem ADRIANA KÜCHLER’
Bia Abramo
Uma fazenda ridiculamente viciante
‘CHAMA-SE FarmVille e é uma espécie de doença. Doenças daquelas de internet; ‘ridiculamente viciante’, como classificou uma amiga (real) e vizinha (virtual).
Trata-se de um joguinho da rede social Facebook em que você ganha um pedaço de terra, uma identidade de fazendeira(o) e começa a plantar morangos e berinjelas.
Depois, você vira vizinha(o) de seus amigos e tem de ajudá-los a varrer folhas secas, se livrar de ervas daninhas e combater toupeiras que ameaçam sua plantação. Daí você ganha presentes: porcos, ovelhas, árvores frutíferas. Se você tem vizinhos bem mais avançados no jogo, tanto melhor: você pode ganhar agrados bonitos, como lindas romãzeiras, ou divertidos, como um elefante bebê. De vez em quando, aparecem animais perdidos e tristes: ‘oh, não, um patinho feio veio parar na minha fazenda’ (pode ser também uma ovelha negra ou uma vaca marrom). Se você é do bem (e nesse jogo não há outra alternativa), adota o patinho feio do amigo. A recompensa virá: o patinho feio, por exemplo, transforma-se em cisne, você ganha dinheiro e ‘experiência’ como fazendeiro pelo gesto generoso.
À medida em que progride no jogo, você pode plantar vegetais diferentes, comprar casas, mesas de piquenique e tratores, além de ir ganhando prêmios diversos, os quais, se devidamente ‘publicados’ na sua página do Facebook, podem ser compartilhados pelos vizinhos.
Há, segundo as estatísticas do Facebook, mais de 51 milhões de pessoas jogando FarmVille em 29 de setembro deste ano (http://statistics.allfacebook.com/applications/single/-/102452128776); isso com menos de quatro meses de existência (foi lançado em 19 de junho). E cresce, ainda segundo o Facebook, à razão de 1,04% ao dia.
À primeira vista, é mais uma brincadeirinha do Facebook, à qual se adere meio por pressão dos amigos. Depois, você acha divertido, fofo mesmo, plantar e colher abóboras e macieiras, ganhar galinhas cacarejantes cujos ovos rendem um dinheirinho virtual e lhe permitem, por exemplo, comprar mais um fardo de feno verde. É meio infantil, você sabe, mas quando menos se espera, está pensando nas framboesas que vão secar se você não chegar logo em casa, ou no quanto falta de dinheiro para comprar um trator ou, ainda, quando você, finalmente, vai poder mandar um coelho de presente.
Tem uma ‘história’, tem drama, tem um certo humor -e, sobretudo, se faz isso de forma pública e coletiva. O que isso tem a ver com a televisão? Talvez nada com a TV tal como existe hoje. Talvez tudo com a TV daqui para a frente.’
CINEMA
Brilha uma estrela
‘Dono da produção de mais de 80 filmes, Luiz Carlos Barreto é uma espécie de coronel do cinema nacional. O articulador político do setor ainda produziu o maior sucesso de bilheteria do Brasil, ‘Dona Flor e seus Dois Maridos’ (1976), que chegou a 12 milhões de espectadores -e cansou seu produtor. ‘Não aguento mais ouvir: ‘Luiz Carlos Barreto, o produtor de ‘Dona Flor’, diz Barretão, 81, como é conhecido. Ele é consultor do filme ‘Lula, o Filho do Brasil’, dirigido por seu filho, Fábio Barreto, e quer usá-lo para ‘ganhar dinheiro’. ‘Quero tirar a minha empresa do vermelho. Em 45 anos de cinema, essa empresa é um botequim que está no vermelho’, afirma. E completa: ‘Estou me lixando para a eleição, de dona Dilma [Rousseff] ou de quem quer que seja’.
A cem dias do lançamento do longa, em 1º de janeiro de 2010, ele diz à Folha que se sente vítima de ‘pré-censura’ e ressalta que o filme não tem ‘nenhum vínculo político’.
FOLHA – O senhor tem afirmado que espera 20 milhões de espectadores para ‘Lula, o Filho do Brasil’. É um número pretensioso, não?
LUIZ CARLOS BARRETO – O filme parte do princípio dos 5 milhões. Se puder ir a 10, 15, 20… Não é impossível. Nos anos 70, os filmes faziam até 10% da população brasileira. ‘Dona Flor [e seus Dois Maridos]’ fez 12 milhões quando o país tinha 120 milhões [de habitantes].
Hoje, temos 180 milhões. Sonhar em fazer 15, 16, 18 milhões, é um sonho, mas é realizável. Aí é que entra a necessidade de trabalhar fora dos padrões normais, de se lançar um filme fora dos mecanismos normais. Você começa a procurar formas de atrair o público que não tem o hábito de ir ao cinema, de adequar a política de preço às classes de baixa renda.
FOLHA – Trabalhar ‘fora dos padrões’ inclui usar mecanismos do próprio governo?
BARRETO – É absolutamente uma má interpretação dizer que o filme está procurando a máquina governamental. Ao contrário, estamos longe da máquina governamental, das máquinas partidárias. O filme não tem nenhum vínculo político, mesmo porque não se pode fazer um filme político.
Quando você faz promoções, você tem que encontrar os canais. Atrair a classe de trabalhadores, funcionários públicos, aposentados. Se eu quero atrair estudantes, eu vou atrás da UNE. Fomos procurar as centrais sindicais. Elas não são máquinas do governo.’
***
‘Estou fazendo esse filme para ganhar dinheiro’
‘Embora o título do filme seja ‘Lula, o Filho do Brasil’, Luiz Carlos Barreto defende que o presidente ‘não é o grande personagem’ do longa. ‘Esse filme devia se chamar ‘Dona Lindu, a Mãe de Lula’ na verdade. Ele retrata a história de uma mulher pobre, analfabeta, de grande intuição’, afirma. Glória Pires interpreta Lindu, enquanto Rui Ricardo Diaz é o Lula adulto. A história vai de seu nascimento até a morte da mãe, em 1980, passando pela afirmação como líder sindical e pela fundação do PT. Eleitor de Lula na última eleição, Barreto avalia o governo como ‘brilhante’, entre ‘os três melhores da história’, ao lado de Juscelino e Getúlio.
FOLHA – Apesar de afirmar que não há vínculo político, o senhor vai lançar um filme sobre o presidente em ano eleitoral.
BARRETO – O ano agora é pré-eleitoral, depois vai ser ano eleitoral. No Brasil, tem eleição quase todo ano. Não estou lançando filme sobre nenhum candidato.
FOLHA – Lula não é candidato diretamente, mas…
BARRETO – Se a gente acredita que esse filme é um instrumento eleitoral, a gente está acreditando demasiadamente, eu, todo mundo, os grandes cientistas políticos, que ninguém tem força de transferir voto.
FOLHA – O senhor diz que o filme ‘humaniza’ o presidente. Não seria ingênuo acreditar que isso não afeta o que as pessoas pensam sobre ele?
BARRETO – [O filme] É um épico melodramático, uma história fabulesca. É um menino que nasceu, filho de um cara que não tinha dinheiro para comer, viajou, morou debaixo de ponte em São Paulo e virou o presidente da República. Isso não cabe na cabeça de ninguém. Só se acredita porque é realidade. Não tem nenhum interesse de promoção, de culto à personalidade. O filme não vai criar um mito, o Lula já é um mito. Estamos mostrando que ele é um ser humano com qualidades, defeitos, capacidade de luta, de superação. Não tem exaltação, ao contrário. O grande personagem desse filme não é o Lula.
FOLHA – Então, quem é?
BARRETO – Esse filme devia se chamar ‘Dona Lindu, a Mãe de Lula’. Ele retrata a história de uma mulher pobre, analfabeta, de grande intuição, inteligência, que consegue resguardar a família de um destino que estaria possivelmente reservado a eles. Ela não queria que nenhum dos filhos virasse nem bandido nem prostituta. O Lula é uma das consequências de dona Lindu. É que está havendo uma inversão, como o filme se chama ‘Lula, o Filho do Brasil’. Queria mudar o título, mas tem uma cláusula de quando nós compramos os direitos do livro [de Denise Paraná].
FOLHA – Qual é sua intenção com o filme?
BARRETO – O objetivo primeiro desse filme é contar uma bela história, de exemplo. Isso é a boa ação. A ação mesmo é o seguinte: eu quero ganhar dinheiro. Quero tirar a minha empresa do vermelho. Em 45 anos de cinema, essa empresa é um botequim que está no vermelho. Eu fui procurar uma história e encontrei essa. Estou fazendo esse filme para ganhar dinheiro. Estou me lixando para a eleição, de dona Dilma ou de quem quer que seja. Neste momento, estou sendo egoísta, mas tenho motivos para ser: ga-nhar dinheiro. Fazer um filme que dê multidões. Por isso é que eu falo em 20 milhões.
FOLHA – O senhor acha possível ter todo esse público?
BARRETO – Tem uma história de quando eu fiz ‘Dona Flor’. Um dia, uma cunhada minha falou: ‘Por que você não faz um filme sobre esse livro do Jorge Amado?’. Eu perguntei: ‘Por quê? Nunca li’. Ela: ‘Já vendeu 500 mil exemplares’. E eu: ‘Já chegou. Vou fazer’. Sou pragmático, minha filha. Sou nordestino, imigrante igual ao Lula, só que vim num pau de arara aéreo, num avião da FAB, e ele veio de caminhão. Sou um sobrevivente também.
FOLHA – Por que escolheu falar sobre o presidente?
BARRETO – Quando eu fiz um filme sobre o Pelé ou o Garrincha, ninguém me perguntou por quê. Porque era o mesmo fenômeno: Garrincha, meninozinho pobre, que caçava passarinho e virou quatro semanas de páginas do ‘Daily Express’. O que é que é o Lula se não uma mistura de Garrincha e Pelé na política? Ele está para a política como Garrincha e Pelé estão para o futebol.
FOLHA – O senhor votou nele?
BARRETO – Votei no Lula uma vez só, das quatro eleições. Foi na reeleição. Na época em que ele se elegeu, no primeiro mandato, votei no Fernando Henrique [Cardoso]… não, no Serra! Ele ganhou do Serra, não foi? Eu votei no Serra, na primeira eleição. Eu sempre fui um cearense conservador. Votei no Fernando Henrique duas vezes, votei no Serra, só na última, com o Alckmin, que não dava. [risos] Coitadinho do Alckmin.
FOLHA – O senhor aprova o governo Lula?
BARRETO – Achei o primeiro período muito bom, e o segundo também. Todos os grandes entendidos mostram que o Brasil está entrando nos índices das credibilidades financeiras. Os dois governos do Lula são, na verdade, um pouco resultado de um período de preparação do governo FHC. O governo Lula está entre os três melhores que este país já teve. Juscelino [Kubitschek], [Getúlio] Vargas e Lula.’
Ana Paula Sousa
Empresas investem na obra sem renúncia fiscal
‘Neste final de semana foi dada a largada para a campanha de ‘Lula, o Filho do Brasil’. Os distribuidores do filme, que consumirá, só no lançamento, R$ 4 milhões, mandaram para cinemas de todo o país 700 traillers da mega-produção até aqui guardada a sete chaves.
A estreia, marcada para 1º de janeiro, será antecedida de poucas e calculadas exibições. A primeira delas acontecerá no Festival de Brasília, em novembro. Estão sendo alinhavadas ainda pré-estreias com a presença do presidente em São Bernardo do Campo, nos antigos estúdios da Vera Cruz, e em Caetés (PE), sua cidade natal.
Bruno Wainer, da Dowtown, encarregada da distribuição, em parceria com a Europa, define o filme como um ‘épico’. Sua inspiração, digamos, cinematográfica é ‘2 Filhos de Francisco’. Se, no caso de Zezé di Camargo e Luciano, o heroi anônimo era o pai, aqui esse papel caberá à mãe. Idêntico deve ser o tom de ‘volta por cima’. ‘Vi ‘2 Filhos’ mesmo não gostando de música sertaneja. Imaginamos que mesmo os não-eleitores do Lula queiram ver essa história, poderosíssima.’
Somados o orçamento de produção, de cerca de R$ 12 milhões, e lançamento, o filme apresenta-se como o mais caro já feito no Brasil. Detalhe: sem leis de incentivo. Apesar de ser consenso que, sem renúncia fiscal, as empresas raríssimas vezes botam a mão no bolso para investir em cultura, neste caso foi outro o enredo. Volkswagen, AmBev, Souza Cruz, Hyundai, Grendene, além de construtoras doadoras de recursos para campanhas – Odebrechet, OAS e Camargo Corrêa – colocaram dinheiro no projeto.
Dois produtores disseram à Folha que alguns dos patrocínios tiveram o empurrão de Gilberto Carvalho, chefe de gabinete de Lula, que, procurado pela reportagem, negou a informação por meio de sua assessoria.
Questionada sobre o número de investidores – numa proporção jamais vista no cinema nacional -, a produtora Paula Barreto justifica: ‘Eles acham que terão retorno financeiro do que investiram’. Ao ouvir o argumento de que é impossível o filme dar um retorno que tenha, de fato, importância para empresas desse porte, ela desconversou. ‘Se elas estão pensando em tirar algum outro tipo de proveito, isso não é comigo.’
O presidente Lula, por sua vez, tornou público o desejo de que, até janeiro de 2010, o Brasil tenha mais salas de cinema. Durante o lançamento do vale-cultura, há dois meses, ele definiu como prioridade o crescimento do parque exibidor. Mas, como telas não surgem num estalar de dedos, os distribuidores estão se virando como podem. ‘Não vamos deixar faltar cópias nas salas mais populares, como geralmente acontece, e faremos promoções para oferecer ingressos mais baratos’, diz Wainer. Um acordo já fechado é o que prevê a venda de ingressos mais baratos pelas centrais sindicais.’
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Relação com governo passou por oscilações
‘As antessalas de Brasília conhecem bem Luiz Carlos Barreto. O produtor sempre transitou pelos corredores do poder. Desde a Embrafilme, articula políticas e engendra saídas para questões que, às vezes, são mais suas que do setor.
Sua relação com o governo Lula oscilou, de início, entre os afagos e ataques. Mas não demorou a acomodar-se. Foi ele, por exemplo, um dos defensores da subordinação da Agência Nacional de Cinema ao Ministério do Desenvolvimento, no começo dos anos 2000. Mas, da noite para o dia, passou a defender a ida da agência para o Ministério da Cultura (MinC). A mudança de opinião teria acontecido ao perceber que, no MinC, seria mais fácil negociar suas dívidas. No polêmico episódio de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) atacou publicamente o projeto, mas, internamente, fez política. Já no segundo mandato, tornou-se defensor contumaz das iniciativas do MinC. E não falta a um evento sequer.’
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