Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O jornalista não é mais um operário da notícia

Foto: Standret/Freepik

A metáfora do operário da notícia perde cada vez mais sentido na medida em que entramos na era digital. Hoje, o melhor seria comparar o jornalista a um “médico” da informação e a razão é muito simples: a tradicional “linha de montagem” de notícias, mais conhecida como redação jornalística, já não consegue mais dar conta do enorme fluxo quotidiano de dados, fatos e eventos inseridos na agenda de interesses do público.

A pandemia do coronavírus nos obriga a mudar de metáforas porque a informação se tornou um item vital na nossa sobrevivência, já que dependemos dela para, por exemplo, saber onde e quando vacinar, mas principalmente para assumir novos hábitos, capazes de evitar a propagação do vírus, como usar máscaras e evitar aglomerações. Ninguém muda de rotina sem saber o motivo, o que só ocorre quando se tem informações. Mas isto é hoje uma coisa complicada porque enfrentamos uma avalanche de notícias, muitas contraditórias, falsas ou incompletas que nos confundem e desorientam.

Quando temos um problema de saúde, recorremos a um médico. Quando enfrentamos um dilema legal, procuramos um advogado. Para consertar o carro, vamos a um mecânico e assim por diante. Mas quando temos dúvidas sobre a confiabilidade, exatidão e relevância de uma notícia, a quem devemos recorrer? Até agora o costume era procurar um jornal, rádio ou telejornal, mas isto já não resolve mais a desorientação das pessoas. O volume de dúvidas é muito superior à capacidade da imprensa em dar respostas a todas elas. O ideal seria que as pessoas pudessem recorrer a um repórter, editor ou articulista, da mesma forma que consultam um médico quando têm uma dúvida clínica, porque o jornalista é, por dever de ofício, o profissional especializado em informação.

Mudar comportamentos, regras e convicções é um processo lento cuja velocidade depende fundamentalmente da quantidade, qualidade e forma de disseminação das informações transmitidas ao público. Até bem pouco tempo, acreditava-se que um bom marqueteiro daria conta do recado. Mas agora, com a avalanche de dados produzidos pela internet, a persuasão depende de uma abordagem personalizada e localizada, capaz de captar a atenção de pessoas atordoadas com o volume massivo de notícias publicadas em jornais, redes sociais e telejornais.

O profissional indicado para esta tarefa seria um jornalista atuante numa comunidade ou grupo social, porque ele pode conhecer quais os interesses e necessidades dos indivíduos situados nestes ambientes e tem condições de ajudar a distinguir notícias falsas das confiáveis, por exemplo. Daí a importância do jornalismo local, porque nele o profissional passa a fazer parte da comunidade e tem condições de poder orientar seus amigos, vizinhos, parceiros e parentes sobre porque hoje precisamos evitar aglomerações, mesmo depois de vacinados. Este é um comportamento que embora novo, veio para ficar porque, segundo os especialistas, não será possível eliminar o coronavírus num passe de mágica. Teremos que aprender a conviver com ele, da mesma forma que nos acostumamos com o H1N1 (da gripe), com o HIV (da AIDs) e vários outros.

O repórter como parte da notícia

Acontece que para atender a esta necessidade de esclarecer dúvidas, o jornalista profissional precisa enfrentar vários dilemas. Repórteres, fotógrafos, cinegrafistas e editores estão sendo levados a trocar a linha de montagem de notícias para atender à necessidade de participar da mudança de comportamentos, regras e valores imposta pela internet e pela computação.

O operário da notícia trabalhava em linhas de montagem chamadas redações onde um porteiro da notícia (chefe da reportagem) selecionava um fato, por exemplo, um crime, e o passava depois para o repórter de campo e o fotógrafo, no caso de um jornal ou revista. Depois, o resultado da investigação era submetido a um editor e a um revisor que melhoravam o estilo e corrigiam erros gramaticais ou ortográficos. O próximo passo era a versão passar à mesa do diagramador que inseria o texto ou as imagens na página a ser impressa e daí para as oficinas gráficas. No caso dos telejornais e programas radiofônicos o processo é distinto, embora mantendo a lógica da linha de montagem.

A digitalização passou a obrigar os jornalistas a um engajamento com as comunidades e grupos sociais onde atua, além de mudar o processo de produção de notícias jornalísticas, seja no caso dos profissionais autônomos ou das equipes contratadas por empresas de comunicação. Hoje, a nova metáfora para a produção jornalística é a do individualismo em rede, ou seja, a grande maioria dos profissionais funcionando como uma unidade autônoma, mas dependendo de algum tipo de grupo, equipe ou coletivo para que a notícia ou reportagem seja publicada, quase sempre na internet.

A era do jornalista como “montador” de notícias dentro de uma estrutura industrial de produção está cedendo lugar a um modelo onde os profissionais passam a agir mais como consultores, curadores ou professores. O jornalista já não despacha mais a notícia como quem entrega uma encomenda, pois passa a fazer parte dela, na medida que ele é um elo no fluxo ininterrupto de informações que circulam entre o público e a realidade.

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Carlos Castilho é jornalista, doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária.