‘O crack chegou à escola’ – este foi o título do artigo do jurista Paulo Brossard, ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF, publicado na edição de segunda-feira (2/11) de Zero Hora.
Se ele tivesse utilizado ‘craque’, a forma aportuguesa da palavra, a ambiguidade daria uma boa notícia: a escola estaria cuidando melhor do esporte que no Brasil mais desperta paixões, é instrumento de ascensão social, ainda que para poucos, e hoje compõe um dos itens de exportação. Mas, não. Ele se referia à droga cujo consumo já ultrapassou o da cocaína.
Nossa língua ainda não encontrou palavra adequada para identificar o novo tipo de tóxico e, como sempre, recorreu ao inglês. O étimo está presente em crack-horse, que no turfe designa o cavalo vencedor e no futebol indica o jogador com desempenho sempre acima da média. De resto, passou a designar o profissional altamente qualificado em outras áreas.
Enfim a mídia acordou para o crack, que em inglês quer dizer barulho de alguma coisa quebrando ou simplesmente quebra, como em o crack de bolsas e bancos. É exemplo disso a série de matérias que a imprensa vem dedicando ao assunto. O Globo, com chamadas na primeira página, deu para as reportagens o título geral de ‘Jovens em Risco’.
Uma ilha
O avanço do crack é impressionante. Alguns casos são emblemáticos. O prestigioso Liceu do Coração de Jesus foi fundado por São João Bosco em 1885, com o auxílio da princesa Isabel, no centro de São Paulo, para atender a filhos de imigrantes italianos e de negros libertos. Agora está sendo vencido pela cracolândia, mas chegou a ter três mil alunos. Hoje tem menos de trezentos. Os usuários do crack, conhecidos por ‘noias’, são os principais responsáveis pela debandada dos antigos alunos, transferidos para outras instituições, e pela decadência das novas matrículas, como noticiou a Folha de S.Paulo.
‘O que me parece espantoso é que essa catástrofe não sucedeu nos confins do Brasil, que tem os mais variados níveis econômicos e sociais, mas em zona central da capital de São Paulo’, destaca Paulo Brossard, acrescentando: ‘Agora a droga veio dar dimensão industrial ao vício e viciados, zomba da sociedade, dos jovens, estudantes, professores, autoridades de alta hierarquia, da liberdade e da vida das pessoas. É uma ilha dentro do Estado. Tem moral, leis, polícia e até justiça próprias. Nisso pode ser resumido o flagelo’.
Idade Média
O Globo destacou uma das conclusões do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), que é a mudança no perfil dos clientes do crack, antes pobres em sua maioria: ‘O caso do músico Bruno Kligierman de Melo, de 26 anos, viciado em crack que, há 11 dias, matou a estudante Bárbara Calazans, de 18, no Flamengo, no entanto, é um exemplo de que a droga já se alastrou para a classe média’.
A mídia começa a discutir a legalização do comércio de tóxicos, pois, clandestino, ele atesta seu avanço devastador, enquanto fracassam as estratégias de combate às drogas, as novas pestes desta nova Idade Média à qual adentramos já há algumas décadas.
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)