Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As crenças dos ministros de Bolsonaro não são palavras ao vento, eles acreditam nelas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Em meio a enxurrada de acontecimentos que diariamente invadem o nosso cotidiano de jornalistas, em abril o general Walter Braga Netto, ministro da Defesa, durante a cerimônia de passagem do comando do Exército do general Edson Pujol para o seu colega Paulo Sérgio Nogueira, fez uma observação que passou batida. Ele disse “[…] respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros”. Deu recado direto para a oposição ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), respeitar os 50 milhões e alguns quebrados de votos que o elegeram em 2018. No mesmo pronunciamento, o ministro acrescentou: “[…] é necessário se unir contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional”. Aqui a mensagem foi para Bolsonaro, que tem feito vistas grossas para as tentativas dos seus apoiadores de atropelarem as instituições. Na ocasião pensei: “o general acendeu uma vela para Deus e outra para o diabo”, um dito popular que se usa nas redações dos jornais pelo interior do Brasil para dizer que a pessoa tentou ficar de bem com os dois lados em uma disputa política.

Refleti sobre o que o general Braga Netto falou. E fiz uma revisão naquilo que nós repórteres aprendemos a respeito de como funcionam as coisas entre as quatro paredes da cúpula do governo federal. A conclusão a que cheguei é que a imprensa não acreditava que os apoiadores e os quadros técnicos do governo levassem a sério as coisas exóticas e perigosas que pregam pelas redes sociais. E nós demonstramos a nossa descrença sendo irônicos nos conteúdos das notícias. É sobre isso que vamos conversar, sobre as crenças — que defino como “coisas que a pessoa acredita que sejam verdades” — do presidente Bolsonaro e dos que o rodeiam. Dei-me conta disso na semana passada, quando recebi uma mensagem de um leitor que é terraplanista. De maneira educada, mas muito contundente, ele disse que eu deixava nas entrelinhas dos meus textos uma grande dose de ironia quando tratava do assunto. Enviou-me uma lista de literatura sobre o assunto. Confessei que o meu conhecimento sobre o matéria é o do “Tio Google” e de alguns documentários a que assisti. Ele não pediu que me retratasse do que publiquei. Mas que respeitasse a sua crença. Aqui chegamos a um ponto importante da nossa conversa. Ninguém é obrigado a acreditar na crença de ninguém. Mas deve tratar a pessoa com respeito.

Por que acho importante essa definição? Simples. Respeitar a crença de uma pessoa é uma coisa. Mas denunciar quando ela usa meios ilícitos para impor as suas crenças é a obrigação do repórter. Por exemplo. Lembram dos gestos feitos com os dedos por Felipe Martins, assessor para assuntos internacionais de Bolsonaro, durante um depoimento no Senado do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo? O gesto feito por Martins é um sinal dos defensores da supremacia branca. Ele acredita nisso. Mas é racismo, que é proibido por lei. Esses racistas são responsáveis por centenas de mortes ao redor do mundo. Uma outra lembrança. Durante uma reunião entre o Bolsonaro (abril/2020) e seus ministros, o titular do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, lembrou a todos que deveriam aproveitar o momento em que as atenções da imprensa, parlamentares e outros setores da população estavam voltados para os estragos que a pandemia está causando e “passar a boiada” — usado no sentido de flexibilizar as leis ambientais. Ele não só acredita nisso como vem praticando essa estratégia, que está resultando na destruição da fiscalização do meio ambiente. O ministro foi denunciado pelo delegado federal Alexandre Saraiva, de Manaus (AM). Salles está praticando um crime e vai sentar no banco dos réus. É uma questão de tempo.

Texto publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é jornalista.