A revista Pipoca Moderna, voltada para o segmento de DVDs, merece um estudo de caso por vários motivos. Primeiro, por sua sobrevivência num momento não muito favorável para várias revistas independentes. Depois, pelo fato de que ela nasceu como uma publicação distribuída gratuitamente para depois começar a ser vendida em bancas. Por último, por apresentar um novo tipo de tendência editorial: a do jornalista faz-tudo, que acumula várias funções no processo de produção, sendo editor-chefe, pauteiro, redator e diagramador. A Pipoca Moderna seria quase a revista de um homem só, não fossem os colaboradores e a estrutura terceirizada para venda de anúncios.
Depois de uma mal-sucedida experiência no fim da década de 1990 lançando a Vírus, revista de música focalizada no universo rock, o jornalista Marcel Plasse conhece agora o sucesso editorial, mudando de alvo: o mercado de cinema e DVD. ‘Dá para falar de rock a ópera, de Kill Bill a Dona Flor, as opções são muito mais amplas’, segundo ele. ‘Não estou fazendo uma revista para a meia dúzia que gosta de rock independente’.
Ao enfrentar o fracasso, principalmente do ponto de vista financeiro, Plasse aprendeu que ‘a melhor coisa que um editor independente pode fazer é diagramar sua própria revista’. Na opinião dele, isso adianta o processo de edição e reduz custos. ‘Sem dúvida, esta é a principal lição: eliminar o entrave do diagramador, que é caro e funciona num ritmo de fábrica de montagem, criando etapas na edição, coisa típica de grande editora, mas que vira mera burocracia numa editora independente’, afirma. ‘Não vale a pena’.
Agora, a prioridade é a consolidação de sua editora, a Caffeine, ou ‘o negócio de editar revistas’, como ele diz nesta entrevista, concedida via e-mail.
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Não é a sua primeira incursão no mercado de revistas. Você lançou a Vírus, voltada ao mundo musical. Numa entrevista anterior, você disse que ela deixou dívidas de mais de US$ 4 mil. Quais as lições tiradas dessa experiência?
Marcel Plasse – Os problemas da Vírus eram custo, público-alvo, estrutura e prioridade. A tecnologia hoje barateia muito a edição de uma revista. Fotolito, por exemplo, é palavra da época do Windows 95. Na verdade, do Macintosh. Há 10 anos, fazer uma revista num PC era heresia. Hoje, posso mandar a revista fechada direto para uma pasta do birô de pré-impressão, usando o ftp. Nem preciso gravar em CD. Também pude me dedicar a conhecer papel, tinta de impressão, máquinas etc. O fato é que, como disse naquela entrevista, não dá para brincar de fazer revista. Na época da Vírus, eu e o Jeferson de Sousa, meu co-editor, tínhamos outras prioridades. No meu caso, um emprego no Estadão. Desta vez, minha prioridade é minha editora. Há vários exemplos de jornalistas que criam revistas e as abandonam quando é necessário aumentar a dedicação, porque preferem manter seus empregos em lugares importantes. Também não estou fazendo uma revista para a meia dúzia que gosta de rock independente. Sem brincadeira, tem umas 10 revistas para cobrir esse público hoje, que no máximo deve chegar a 10 mil pessoas no país inteiro, mas, ao mesmo tempo, ninguém se atreve a cobrir a carência de uma revista pop, como havia a Bizz. Quando fizemos a Vírus, a perspectiva era inversamente proporcional a este quadro bizarro.
Quanto ao público prioritário da Pipoca Moderna, é o colecionador de DVD, que vai do meu vizinho de 55 anos aos colegas de aula da minha filha de 13 anos. E, neste universo, dá para falar de rock a ópera, de Kill Bill a Dona Flor, as opções são muito mais amplas e dependem mais da sua criatividade do que seu gosto pessoal. Quanto às várias lições, talvez a mais importante tenha sido a redução de etapas na produção da revista. Edição, redação e arte são agora uma única etapa, sem fases distintas para desenhar páginas, escrever e ‘titular’. O processo ‘antigo’ consistia em encomendar os textos, que vinham em lauda ou por e-mail, e depois se sentava com o diagramador para criar a página propriamente dita, discutindo ainda as fotos, que vinham em slide. Sabe-se lá como a gente conseguia diagramar sem um scanner caríssimo de slides. Agora, as fotos vêm por e-mail ou de sites destinados à imprensa. Então, logo que vem a pauta você já tem as fotos, mesmo que você não tenha um grande arquivo como a Abril, a Folha ou o Estadão. Assim, a página é desenhada a priori e o texto já vem na medida certa. Vem em dois, três dias, direto para a página. Pauta, tamanho de matérias, fotos, diagramação, título, tudo surge ao mesmo tempo na Pipoca.
Sem dúvida, esta é a principal lição: eliminar o entrave do diagramador, que é caro e funciona num ritmo de fábrica de montagem, criando etapas na edição, coisa típica de grande editora, mas que vira mera burocracia numa editora independente. Não vale a pena. A melhor coisa que um editor independente pode fazer é diagramar sua própria revista.
Ainda na mesma entrevista, você declarou que a gratuidade tiraria do leitor a função de sustentar a Pipoca Moderna. Hoje, ela é vendida em bancas. O que o fez mudar de idéia?
M. P. – A Pipoca Moderna ficou um ano – 12 edições – no formato gratuito de 16 páginas mensais, trazendo apenas resenhas de DVD. Poderia continuar assim por mais algum tempo, mas a data pareceu apropriada para uma virada. Continuo achando a banca o túmulo dos independentes. Nenhuma revista é sustentada apenas pelos leitores. Mas a Pipoca chega a esta etapa com história. Já no número 2 apresenta anúncio em página dupla da Directv. Só foi possível porque há um ano começamos a nos reunir e discutir o projeto da revista. Graças às parcerias, a Pipoca também ficou conhecida em livrarias que normalmente dificultam a entrada de editores iniciantes.
A virada também foi motivada pela vontade de crescer. Neste mercado, não vale a pena se acomodar com um pequeno lucro. Minha inclinação com este negócio, que deu certo, tem sido investir continuamente para lucrar mais adiante. É melhor que ficar marcando passo num produto limitado e estagnar em dois anos. Convenhamos, quantas páginas de publicidade se pode vender numa publicação de 16 páginas sem prejudicar o conteúdo editorial? Com 52 páginas, ainda hoje várias idéias acabam sendo descartadas por falta de espaço.
Um aspecto interessante da revista é que os textos são divididos em tópicos, ou seja, cada parágrafo aborda um assunto diferente do mesmo tema que está sendo tratado. Como se chegou a esse padrão?
M. P. – É uma conjunção de projeto gráfico e editorial. A idéia original era ter uma revista com fotos grandes, de página inteira, para os fãs arrancarem e colocarem em murais ou na parede. os temas tendem a ser cult e, bem, damos espaço para serem cultuados. Assim, o texto precisa ser o mais conciso possível, para permitir que se gaste espaço com fotos, sem deixar de lado a análise, porque senão seria apenas uma revista-pôster. A idéia é agradar um pouco aos olhos e outro tanto à mente.
Você é responsável pela diagramação, por vários dos textos da Pipoca Moderna e de manter um site no ar, além de correr atrás de anunciantes. A necessidade de assumir vários papéis é momentânea ou representa uma tendência para o futuro: o jornalista responsável terá de se desdobrar e não se limitar apenas a escrever para que projetos editoriais sobrevivam?
M. P. – Este é um conceito já antigo. Na Folha, por exemplo, o jornalista diagrama sua matéria desde a metade dos anos 90. Esse projeto, por sinal, começou a ser implantado quando eu escrevia lá. É uma boa lição. Para a Folha, teve como objetivo simplesmente minimizar gastos – todos os diagramadores foram demitidos por ocasião de sua implantação, ficando apenas um grupo seleto de chefes de arte para coordenar o caos. Mas também formou jornalistas com maior capacitação. Quanto ao site, garotas de 13 anos fazem sites todo o dia. É bem mais fácil que fazer uma revista. Mas estamos com um projeto, sendo desenvolvido pelo webmaster do Estadão, para incluir banco de dados e outras frescuras para transformar o www.pipocamoderna.com.br num miniportal. Aos poucos, vai ficar mais claro que a Pipoca deixou de ser um one man show, como já li, aliás como elogio.
Na parte editorial, estou trabalhando com ótimos colaboradores, como na época da Vírus, gente nova, como o Marcelo Costa, do site Scream and Yell e do jornalismo do Terra, e gente famosa, como o Luiz Carlos Merten, do Estadão. Outro mito que a gente pode enterrar, nesta nova fase, é que estou correndo atrás de anunciantes. Há uma agência fazendo isso para a Pipoca – a MBN (http://www.mbncomunicacoes.com.br). Mas costumo manter diálogo ativo com os departamentos de marketing das empresas do segmento da revista, seja para ter a programação de lançamentos que as assessorias de imprensa demoram a enviar, seja para ter certeza que estão recebendo a publicação e gostando dela. Nessas conversas, acabo fechando, sim, anúncios diretamente com os diretores. Nestes contatos com as distribuidoras, não estou atuando como jornalista, mas como diretor-proprietário de uma editora. Também compareço à reuniões com grandes anunciantes quando é necessário apresentar o projeto, já que ninguém defende melhor o filho que o próprio pai. Mas o follow-up com as agências é feito pela MBN.
Os bons resultados da Pipoca Moderna o animam a lançar uma publicação musical ou é mais fácil tocar (por questões mercadológicas, entre outras) algo voltado para o cinema, vídeo ou DVD?
M. P. – As próprias gravadoras estão dando mais atenção hoje para o DVD que para o CD. E o público tem comprado mais DVD que CD. CD é uma mídia obsoleta, com mais de 20 anos de idade. Sério, você prefere um disquinho apenas com músicas em dois canais ou outro com imagens e som em 5.1 canais? O preço de um CD e de um DVD é praticamente o mesmo e há uma nova geração que cresceu vendo mais MTV que ouvindo o rádio. Se isso não tiver conseqüências nos hábitos de consumo daqui para frente, tudo o que aprendi como jornalista não serve para nada. Quem for escrever de música, hoje, tem que levar isso em conta. Por questões mercadológicas, sim, é mais correto apostar numa publicação com o perfil da Pipoca. O rock continua lá. Mas também outras coisas interessantes. A curto prazo, vamos testar uma publicação infantil – Pipoca Doce –, como um especial de Natal. A longo prazo, há planos para uma publicação musical. Mas ainda ocorrerão muitas discussões. Será que é uma boa ressuscitar a Vírus? Será que o negócio é reinventar a Bizz (com outro nome, porque este pertence à Abril)?
Como disse lá atrás, a prioridade é a editora. Não uma revista específica, mas o negócio de editar revistas. Quem sabe a gente faz o caminho inverso do que fiz em 1987? Na época, o Alex Antunes, que editava a Bizz, teve a idéia de criar uma revista de cinema e vídeo a partir de uma publicação musical – com um perfil de crítica roqueira de cinema – e me chamou para criar a Set. Quem sabe a gente não cria uma revista de música a partir de uma revista de cine/DVD só para variar?
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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Ruídos, Papo de Bola e Rádio Brasil 2000 FM-SP; blog pessoal: http://onzenet.blogspot.com