Quando questionados sobre o que associam ao Brasil, a maioria dos europeus provavelmente mencionará velhos clichês como futebol, samba, caipirinha, sol e praia. A visão dominante que se tem do Brasil no velho mundo é positiva, e os europeus tendem a enxergar os brasileiros como um povo feliz, que curte a vida.
Com certeza os aspectos menos alegres – manifestados na pobreza, na criminalidade organizada ou nas intermináveis favelas – são conhecidos de muitos europeus, e filmes como Cidade de Deus intensificaram a consciência desses problemas. Na cabeça europeia, porém, o lado ensolarado do Brasil tinha nítida ascendência sobre seu lado mais sombrio – até agora.
Ironicamente, essa imagem positiva pode estar mudando com a escolha do Rio de Janeiro para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Em questão de poucos dias, a cobertura do Brasil feita por jornais e televisões da Europa se tornou muito mais crítica do que era até então.
No passado, tratar de problemas políticos e sociais brasileiros era algo que se limitava a ocasionais documentários na televisão ou em jornais. Agora, contudo, entrou para o cardápio da mídia diária, a grande formadora da opinião pública. Essa mudança é mais bem exemplificada pelo incidente recente em que um helicóptero da polícia foi abatido por traficantes de drogas no Rio.
Um mês atrás, um incidente desse tipo teria recebido no máximo uma nota curta nos maiores jornais europeus. Hoje, após a seleção do Rio para sediar a Olimpíada, ele vem dominando os jornais noturnos da televisão, fazendo manchetes em jornais nacionais e até mesmo jornais regionais e locais vêm divulgando o ataque.
Argumentar que essa mudança na cobertura da mídia internacional não tem importância para o Brasil seria dar provas de miopia.
Fardo pesado
O turismo, os investimentos estrangeiros diretos e a visão geral do Brasil como ator cada vez mais importante no palco diplomático mundial – para mencionar só alguns poucos aspectos – são influenciados por essa cobertura em grau importante.
Quem quereria visitar os Jogos Olímpicos ou investir em uma cidade que só chega aos noticiários por causa da criminalidade e da violência?
Até que ponto é digno de crédito um país que se tornou defensor da paz e cooperação internacionais, se ele não consegue garantir a segurança e o bem-estar de seus cidadãos?
Guardando tudo isso em mente, o impacto dessa cobertura mais crítica será uma faca de dois gumes. Ele vai pressionar as autoridades brasileiras a enfrentar os problemas maiores de modo mais ativo e intensivo, para evitar o declínio de sua reputação fora do país e as consequências econômicas e políticas fatalmente vinculadas a ele.
Ao mesmo tempo em que isso é sem dúvida positivo e pode levar a reformas substanciais, cria um fardo pesado para o Brasil. Seria ignorância imaginar que as organizações criminosas não têm consciência do fato de que a cobertura intensificada da mídia lhes proporcionou maior influência.
Jornalismo sensacionalista
Cada crime cometido e que é divulgado pela mídia estrangeira contribui para uma imagem negativa do Brasil no exterior, algo que as autoridades vão querer evitar a qualquer custo. Logo, tudo indica que ‘acordos de paz’ secretos com organizações criminosas serão uma consequência indesejável, mas provável.
O fato de que tanto brasileiros quanto europeus estão agora se perguntando se o Rio de Janeiro teria sido escolhido para sediar os Jogos Olímpicos se os ataques tivessem ocorrido uma semana antes da seleção final reflete a força real das dúvidas – dúvidas como saber se o Rio vai conseguir sediar pacificamente o evento mais visto do mundo.
Dessa vez, porém, o caminho que vai conduzir à Olimpíada pode receber tanta atenção quanto os próprios Jogos Olímpicos. É inevitável que novos ataques trágicos desferidos por organizações criminosas no Rio ocorram até 2016, e os europeus estarão assistindo a tudo.
Mas a ironia mais trágica de todas seria se o jornalismo sensacionalista internacional acabasse beneficiando bandidos e, com isso, dificultasse ainda mais a preparação de Jogos Olímpicos pacíficos.
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Professor de economia e política internacional na Universidade Erlangen-Nuremberg (Alemanha) e vice-diretor do Instituto Germano- Americano