A mídia anda esquecendo que este ano se completam os 250 anos do poeta e dramaturgo alemão Friedrich Schiller. Somos pouco dados a efemérides.
O historiador Voltaire Schilling, uma de nossas mais vigorosas expressões intelectuais, atual diretor do Memorial do Rio Grande do Sul, estado que, ao lado de Santa Catarina e do Paraná, tem forte presença da herança alemã, vem fazendo palestras sobre a efeméride, uma delas no Instituto Goethe, em Porto Alegre, e outra na Universidade Estácio de Sá, no Rio.
Aproveitando a viagem ao Rio abordou também a presença francesa no Brasil, por conta da outra efeméride que estamos celebrando: cem anos da missão militar francesa, cujo começo oficial deu-se em maio de 1919. Todavia tem mais relevo a missão artística francesa, que aqui chegou na segunda década do século XIX. E neste 2009, por conta do recente falecimento do filósofo francês, nascido na Bélgica, Claude Lévi-Strauss, vem à tona outra missão francesa no Brasil, desta vez já na década de 1930, e vivida especialmente na USP, em São Paulo.
Mas voltemos a Schiller, tão bem lembrado pelo diretor do Memorial do Rio Grande do Sul. Quando esses cargos são ocupados por critérios políticos no pior sentido, que é o dos partidos, nada acontece. É a diferença entre um bom administrador e outro sem visão nenhuma. Então que se registre o mérito da governadora Yeda Crusius, que nomeou Voltaire Schilling para o Memorial do Rio Grande do Sul, confluente com a de Sergius Gonzaga, pelo prefeito José Fogaça, para a Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.
Vida real
Gosto de reler Schiller, apesar de não ser meu escritor alemão preferido. O preferido, como todos sabem, é aquele que está homenageado no meu romance Goethe e Barrabás.
Ainda antes de entrar na minha vida a família Schreiber – que em alemão quer dizer escrivão – e deixar sua marca indelével no sobrenome de minha única filha, eu já era um apreciador da cultura germânica.
Parte desta influência devo a meus professores dos primeiros anos, que se chamavam Peters, Herdt, Schmidt, Junkes, Philippi etc, muitos deles alfabetizados primeiramente em alemão e só depois em português.
Deste estofo, digamos, cultural devo muito, naturalmente, a ter vivido até aos 32 anos no Brasil Meridional, tendo feito o curso de Letras em Ijuí (RS), região de forte presença alemã, e o mestrado na UFRGS, em Porto Alegre, em saudável convivência (para mim; para eles, certamente perigosa) com pelos duros como Cláudio Moreno, Joaquim José Felizardo, Flávio Loureiro Chaves, Luiz Antonio de Assis Brasil, Décio Freitas, Josué Guimarães e Guilhermino César, entre outros, e tedescos como Antônio Hohlfeldt, Jaime Copstein, Donaldo Schüller, Carlos Jorge Appel, Roque Jacoby, Charles Kiefer e Voltaire Schiling. E, claro, alguns menos lembrados, como Argemiro Jacob Brum, autoridade referencial da Unijuí, ao lado de figuras como Mário Osório Marques, o Frei Matias, e Telmo Frantz, quando lá fui aluno, por quatro anos, e depois professor, por seis anos.
Silvestre Philippi, meu querido professor de música e canto orfeônico – sim, amigos, havia estas duas disciplinas no ginásio do seminário – foi homenageado em outro de meus romances, Teresa d´Ávila, transposto para o teatro e premiado pela Biblioteca Nacional. Nas tramas, morre afogado o padre Divino Mann, ao tentar salvar um dos seminaristas.
Na vida real, ele o salvou. Para isso, atirou-se de batina no rio que ladeava o Seminário São Joaquim, em São Ludgero (SC). Quatro anos depois, coube a ele avisar-me que dois de meus irmãos tinham morrido afogados. O nome do personagem homenageia Thomas Mann, outro escritor alemão que muito releio.
Tema recorrente
Schiller escreveu a Ode à Alegria (An die Freude), musicada por Ludwig van Beethoven, que encerra a Nona Sinfonia e recentemente foi adotada como Hino da Europa Unificada.
A Neus – Central de Notícias Brasil-Alemanha, destacou num de seus despachos que ‘apesar do nome sonoro e da importância de Goethe, o povo alemão sempre se identificou mais com o poeta Friedrich Schiller’.
Amigo de Goethe, Schiller morreu cedo, aos 46 anos. Nasceu na pequena Marbach, no ducado de Würtemberg, mas ainda assim alcançou sucesso em toda a Alemanha com a peça Der Räubber (Os Bandidos).
Ode à Alegria começa assim:
‘O Freunde, nicht diese Töne!/ Sondern lasst uns angenehmere/ anstimmen und freudenvollere./ Freude! Freude!’. (Ó, amigos, nada desses tons!/ Ao contrário, deixem-nos entoar nossas vozes/ em sons mais agradáveis/ e mais alegres!/ Alegria! Alegria!’.
Num poema intitulado O Sino, lemos:
‘Alegria desta cidade/ Paz é sua primeira mensagem’.
Na epígrafe, pôs em latim: vivos voco/ mortuos plango/ fulgura frango (chamo os vivos/ choro os mortos/ espanto os raios).
A alegria é tema recorrente na obra de Schiller. E muitas alegrias e algumas tristezas são recorrentes na vida de todos nós. (xx)
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Escritor, doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é coordenador de Letras e de teleaulas de Língua Portuguesa; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da Editora Novo Século)