Oitocentos e cinqüenta e três cidades e quase 20 milhões de pessoas. Grandeza e diversidade são qualidades que não faltam a Minas Gerais. Viajar por Minas é surpreender-se com a variedade de paisagens – vales, rios e açudes – e, claro, com a já famosa simpatia de seu povo (e isso não é propaganda enganosa). Acrescente-se ao cenário natural a presença constante de belíssimas montanhas que, dependendo da estação, adquirem tons lilases ou cinzentos.
No entanto, esta Minas, ao contrário do que possa parecer, não é aquela dos cartões postais, dos pacotes de agências de viagem que incluem a capital, cidades históricas ou o famoso circuito das águas. Há outra Minas, muito além desta, que não aparece nos folhetos turísticos. Tenho tantas belas imagens de Minas na memória, tenho tanta poesia e prosa impregnando minhas lembranças; tanto de Drummond ou Rosa! E muito tenho das pessoas simples com as quais convivi e, felizmente, ainda convivo quando viajo para a região na qual nasci: o centro-oeste mineiro.
Minas são muitas (sim, isso foi propaganda de um governo nos anos 1980; perdoem o clichê). Minas é quase um país, na definição de tantas pessoas que já escreveram, cantaram e falaram sobre ela. Mas é incrível o quanto essa diversidade, essa riqueza, esse modo de vida, que encanta qualquer pessoa que se disponha a atravessar um Grande Sertão: Veredas, por exemplo, parece não entusiasmar aqueles que fazem a imprensa em Minas Gerais.
Um ‘reino de felicidade’
Cito apenas o ‘grande jornal dos mineiros’, que é como se define o Estado de Minas. De vez em quando, o jornal faz uma matéria interessante sobre essa diversidade, mas isso é (infelizmente) raro. Na maioria das vezes, o que se vê é a cobertura turística (e superficial) de temas que, se explorados com verdadeiro interesse, dariam matérias, no mínimo, saborosas. É claro que há honrosas exceções, mas é pouco, diante dessa Minas grandiosa. E onde há grandeza e diversidade, há certamente problemas, inúmeros e antigos. Problemas – tão gigantescos quanto o estado – que parecem não existir quando se lê o grande jornal dos mineiros.
As páginas do EM mostram uma Minas sempre perfeita e asséptica. Tudo parece funcionar perfeitamente bem, não há miséria, não há agravos políticos, a economia vai muito bem, não há corrupção… Não há melhor assessoria de imprensa para o governo Aécio Neves do que o Estado de Minas (o grande jornal do… governador de Minas). Sim, qualquer pessoa medianamente informada sabe que conchavos entre mídia e governantes são corriqueiros, mas isso não deveria ser aceito com normalidade. Isso é, sim, revoltante e triste. Triste na medida em que sabemos que a imprensa deveria ser ‘os olhos do povo’, mas quando a esse povo é negado o direito da crítica, temos o cenário perfeito para a imposição de meias verdades e o começo de uma verdadeira ditadura. E isso está acontecendo em Minas.
A constatação está no documentário feito pelo mineiro Daniel Florêncio [o documentário de Daniel Florêncio – a que todo mineiro deveria assistir – chama-se Gagged in Brazil (Censurados no Brasil) e já foi notícia neste Observatório]. Um documentário fundamental, aliás, não só por demonstrar as relações mesquinhas entre mídia e poder, mas também por expor um problema que significa, para mim, a morte do (bom) jornalismo. Coloque no Google ‘Estado de Minas X Aécio’: centenas de notícias aparecerão, todas favoráveis ao governador e todas publicadas no EM. Procurando por Minas sob esse prisma, qualquer pessoa irá achar que se trata de um reino de felicidade, não condizente, por exemplo, com o fato de que o salário do professor em Minas é um dos menores do Brasil. Há algo de errado aí. Vozes dissonantes são caladas e qualquer tentativa de se analisar a coisa por outro ponto de vista é cerceada.
Limpar apenas o alpendre
Como mineira, eu gostaria de ver o grande… sendo realmente ‘grande’, no sentido de oferecer possibilidades para que todos os mineiros e toda Minas fossem representados em suas páginas. Gostaria que houvesse abertura para o debate político saudável, gostaria que os inúmeros prefeitos corruptos de Minas pagassem realmente pelo roubo (literal) que é cometido nas cidadezinhas esquecidas, gostaria que esses tantos roubos fossem investigados e averiguados por jornalistas que, tenho certeza, sentir-se-iam motivados a ir em busca desse tipo de notícia. Há gente valorosa em Minas, entre eles, muitos jornalistas. Mas esta gente valorosa, anda sendo demitida.
No grande jornal só se pode falar da Minas-cartão-postal, a Minas que zerou o déficit, a Minas cor-de-rosa… E se tudo é mesmo assim, e se aqueles que se dispuserem a ler este artigo pensarem que estou sendo romântica demais, que jornalismo é isso mesmo, que o jornal X ou Y desse ou daquele estado também é abertamente do lado deste ou daquele político… Não sou ingênua, mas acredito ainda que tais coisas não devam ser aceitas com naturalidade. Isso não é, definitivamente, jornalismo. Enquanto a situação persistir (até quando?) prefiro procurar a Minas verdadeira, tão bela, pungente (e, sim, problemática) em outros lugares. Lugares reais e não nas páginas do Estado de Minas.
Pois o jornalismo que exclui toda a diversidade (que significa também estradas esburacadas, fome e miséria no norte do estado; salários miseráveis dos professores, agressões ambientais etc.) dessa deslumbrante Minas Gerais e tenta (apenas tenta, pois, como se vê, há descontentes cada vez mais descontentes) criar um mundo bonitinho, sinceramente me assusta e entristece. Limpar apenas o alpendre (como dizemos os mineiros) para receber as visitas enquanto a casa inteira está suja é algo que em Minas soa como falta de hospitalidade no trato com os visitantes.
De certa forma, é isso que o Estado de Minas vem fazendo com os leitores. E ai de quem ousar reclamar.
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Jornalista