O professor e pesquisador Damian Radcliffe, da Universidade de Oregon (EUA), publicou em fevereiro deste ano uma reportagem no site da Rede de Jornalistas Internacionais (IJNet), na qual resgatou uma previsão de Tom Trewinnard, cofundador e diretor de operações da consultoria de jornalismo digital Fathm, feita ao Nieman Lab: “A crise do coronavírus acabará eventualmente, mas a redação distribuída veio para ficar”. Em seu texto, Radcliffe endossou o prognóstico: “Depois da Covid-19, o grau de uso do home office vai variar de redação para redação, de jornalista para jornalista, mas uma coisa é certa: o gênio saiu da garrafa. A redação distribuída veio para ficar”.
Quando a pandemia de Covid-19 foi decretada, em março de 2020, poucos imaginavam que, decorridos aproximadamente um ano e seis meses, ainda seria tão difícil vislumbrar qual sistema de trabalho — presencial, remoto ou híbrido — prevaleceria após o controle do novo coronavírus. Contudo, é possível captar sinais emitidos pelo mercado de jornalismo para entender qual é a cultura organizacional que tende a se consolidar na realidade brasileira, marcada por um lento processo de vacinação que deve prolongar o cenário indefinido até, pelo menos, o início de 2022.
Em situações excepcionais como a atual, imposta pelos protocolos sanitários, a primeira solução adotada tende a ser a mais radical possível. Em face da Covid-19, o sistema presencial teve a hegemonia rompida e foi quase que integralmente substituído pelo remoto, algo possível somente em razão de avanços tecnológicos decisivos, a exemplo de aplicativos mais robustos de videoconferência (Zoom, Google Meet, Microsoft Teams etc.) e ferramentas de trabalho colaborativo com uma gama ampliada de recursos, como Slack e Google Workspace.
No entanto, a fadiga virtual provocada por intermináveis sequências de reuniões online, em conjunto com a demanda crescente pela retomada do intercâmbio criativo de ideias (para muitos proporcionado somente pelos encontros presenciais), fez com que o uso de espaços físicos de trabalho fosse, ao menos em alguns casos, retomado gradualmente em esquema de alternância para evitar aglomerações, chegando-se a uma conformação híbrida, que concilia o home office com idas pontuais de alguns colaboradores ao escritório.
Essas mudanças estratégicas ocorreram em todos os tipos de redação jornalística existentes no mercado, evidenciando não só o caráter emergencial imposto pela Covid-19, mas também uma adaptabilidade dos diferentes modelos a contingências externas. Estadão e Zero Hora, veículos tradicionais que conciliam operações de legado e digitais, tiveram logo no início da pandemia seus ambientes esvaziados e suas equipes remanejadas para o sistema de home office (ou teletrabalho), configurando-se o modelo batizado como “redação distribuída”, ou seja, totalmente descentralizada.
Assim também o fizeram nativos digitais como o Nexo e o Poder360. No caso do segundo, especializado em política, a sua atual sede em Brasília (DF) foi projetada sob diretrizes sanitárias: seguindo orientações de médicos, engenheiros e arquitetos, o jornal digital inaugurou em julho de 2020 suas novas instalações, utilizando um espaço mais amplo e ventilado, com displays de acrílico entre as mesas de trabalho e dispensers de álcool gel para higienização das mãos. O investimento propiciou a segurança necessária para o retorno gradual dos profissionais em sistema de rodízio.
É possível observar que a tendência das redações brasileiras não é de ruptura permanente com o sistema presencial, mas sim de adequação a uma realidade híbrida, assim como já ocorre em outros países. Na Inglaterra, por exemplo, o Guardian prevê a adesão a um modelo híbrido no pós-pandemia em razão das dificuldades e incertezas relacionadas ao impacto da Covid-19 que ainda perduram. Foi o que ressaltou a editora-chefe Katharine Viner durante o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ, na sigla em inglês) deste ano, promovido em abril pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas em Austin (EUA). Na ocasião, ela exaltou a possibilidade de reunir jornalistas da equipe de diferentes partes do mundo nas reuniões virtuais da publicação, promovidas às segundas, quartas e sextas-feiras, mas reconheceu que todos sentem falta dos encontros presenciais para o tradicional “brainstorming” de pautas.
Ainda no mercado britânico, o Reach, maior grupo jornalístico do Reino Unido, anunciou em março um plano para abolir suas redações fixas, convertendo-as em hubs de trabalho presencial temporário (sendo que 75% dos funcionários deverão ficar em home office). Ao mesmo tempo, na América Latina, conforme noticiado pela IJNet, o modelo híbrido tem sido adotado por diversas redações: um destaque é o jornal El Observador, do Uruguai, cuja sede fixa de mais de 20 anos foi abandonada e, após um período de trabalho remoto pleno, passou a conciliar o home office com encontros ocasionais em um espaço de coworking.
Adotar uma cultura organizacional que alia as infraestruturas digitais e a flexibilidade do trabalho remoto à potencial injeção criativa das interações presenciais é uma janela de oportunidade que se abriu tanto para redações de legado digitais quanto para as nativas digitais: além de viabilizar perspectivas mais otimistas para o pós-pandemia, esse direcionamento estratégico permite aos veículos jornalísticos ter uma característica dinâmica altamente recomendável para superar contingências futuras.
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Jonas Gonçalves é jornalista, mestre em Produção Jornalística e Mercado e doutorando bolsista da Capes em Mídia e Tecnologia na Unesp.