Vamos começar a nossa conversa descrevendo o cenário de hoje (03/07) para a eleição pela Presidência da República em 2022. Em uma trincheira está o atual presidente, Jair Bolsonaro (sem partido), e na outra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). E entre as duas trincheiras perfilam-se pelo menos cinco ou seis políticos tentando tornar relevantes as suas candidaturas para serem uma opção entre Bolsonaro e Lula. Um deles é Eduardo Leite (PSDB-RS), governador do Rio Grande do Sul. O espaço entre essas duas trincheiras chama-se “terra de ninguém”, um nome cunhado pelos soldados que lutaram na Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918). Há um filme chamado 1917, que recebeu 10 indicações para o Oscar em 2020 e ganhou três, que mostra com uma riqueza impressionante de detalhes a Primeira Guerra Mundial. Fiz esse nariz de cera para facilitar aos jovens repórteres que estão na cobertura do dia a dia nas redações a visualização do atual cenário para a disputa de 2022.
Por que o governador Leite tornou-se relevante na “terra de ninguém”? O que vou escrever não é opinião. Vou relatar fatos que podem serem encontrados com facilidade nas nossas matérias. Bolsonaro nunca mentiu quem ele é para os brasileiros. Ele sempre fez pregação contra lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Não é por outro motivo que entre os grupos políticos que apoiam o presidente da República perfilam-se: nazistas, ocultistas e grande quantidade de oportunistas de todos os quilates. Lembro que um dos seus apoiadores, o atual deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), ganhou notoriedade e se elegeu em 2018 quando quebrou a placa Marielle ( vereadora do PSOL no Rio de Janeiro executada pelos milicianos em 2018). Silveira está preso por ter ofendido os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pregado a volta da ditadura militar — há matéria na internet. O braço de Bolsonaro na “pauta de costumes” do seu governo é Damares Alves, pastora evangélica, advogada e ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. De um modo geral, Bolsonaro, uma vez ou outra, dispara contra os candidatos da “terra de ninguém”, principalmente o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP). Fez dois ou três disparos contra Leite. Mas agora a história mudou porque o governador gaúcho assumiu que é gay e isso o tornou um alvo preferencial dos bolsonaristas.
E ao tornar-se um alvo preferencial de Bolsonaro na “terra de ninguém” Leite viu a sua candidatura ganhar musculatura. Por quê? A “pauta de costumes” é uma das caixas-pretas do governo federal. A presença do governador gaúcho na disputa puxará para a pauta dos candidatos de 2022 o caso da execução, em 2018, da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL) e do seu motorista Anderson Gomes. Marielle era uma mulher negra, nascida na favela da Maré, bissexual, e sua execução tornou-se notícia ao redor do mundo. A polícia prendeu como atirador que matou a vereadora e seu motorista o sargento reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Ronnie Lessa, 48 anos. E o ex-PM Elcio Vieira de Queiroz, 46 anos, como o homem que dirigia o carro de onde Lessa disparou os tiros. Os dois são milicianos e Lessa morava na casa (65/66) do Condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente Bolsonaro tem o imóvel número 58. A polícia ainda não chegou ao mandante da execução da vereadora. E o simples fato de Lessa morar no mesmo condomínio de Bolsonaro já é uma dor de cabeça para o presidente. Aqui no Rio Grande do Sul, o fortalecimento da candidatura do governador na disputa presidencial de 2022 já pressiona a Polícia Civil a dar atenção para o caso de Cláudia Hartleben, professora do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que desapareceu em 2015. A professora foi vítima de feminicídio e os suspeitos não foram presos porque o corpo não foi encontrado. Leite foi prefeito de Pelotas de 2013 a 2017.
Ninguém sabe por quanto tempo vai durar a notoriedade nacional do governador Leite. Mas o que vimos é que ela trouxe à tona que a presença dele no cenário de 2022 traz para a discussão as questões da “pauta de costumes” do presidente e casos como o de Marielle. E no Rio Grande do Sul o caso da professora Cláudia, da UFPel, que até agora não mereceu atenção do governo Leite. Em relação ao governador gaúcho, o ex-presidente Lula está em uma posição muito confortável porque, por enquanto, Leite é problema de Bolsonaro. Aliás, qualquer outro candidato da “terra de ninguém” que surgir vai ser atacado pelo presidente da República. Lula é hoje o candidato preferido nas pesquisas de voto. Como era em 2018, quando o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Criminal da Justiça Federal, Curitiba (PR), o prendeu na Operação Lava Jato por corrupção.
As condenações de Moro foram confirmadas em segunda instância por desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS). Lula foi preso e ficou inelegível e Bolsonaro foi eleito presidente da República. Moro abandonou a carreira na magistratura e tornou-se ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Bolsonaro. No ano passado, Moro foi fritado pelo presidente e saiu do governo. O site The Intercept Brasil publicou mensagens trocadas pelo então juiz Moro com os procuradores da República no aplicativo Telegram durante o caso Lula. Os ministros do STF consideram ilegal o procedimento de Moro e Lula foi solto e inocentado – a história toda está disponível na internet. Bolsonaro hoje corre o risco de não chegar ao fim do seu mandato porque é investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, a CPI da Covid, existem mais 120 pedidos de seu impeachment na Câmara dos Deputados e a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu um inquérito para investigar o presidente por prevaricação — há matéria na internet. Hoje (03/07) é esse o cenário. A pergunta é: o governador gaúcho tem “bala na agulha” para se manter relevante nessa disputa?
Texto publicado originalmente pelo blog Histórias mal Contadas.
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.