Poucas situações evidenciam de forma tão clara o reacionarismo estrutural do governo brasileiro do que a olímpica ignorância do Palácio do Planalto em relação às campanhas de esclarecimento público. É constrangedor verificar que a elite governamental ainda não percebeu que qualquer iniciativa para combater uma pandemia como a Covid-19 só funcionará junto com uma campanha de informação pública. A cultura comunicacional dos nossos dirigentes está desatualizada em mais de um século.
É inacreditável que a política de comunicação pública do governo priorize o ENEM e iniciativas administrativas do Ministério da Educação e simplesmente ignore as dúvidas e angústias dos brasileiros causadas pela devastação social, econômica e sanitária provocada pela Covid. Não é por falta de informação que a Secretaria de Comunicação (SECOM) do Governo Federal continua com a cabeça no início do século 20. A única explicação plausível é um reacionarismo deliberado.
As campanhas de promoção de causas sanitárias são universalmente consideradas peças-chaves e insubstituíveis em qualquer esforço destinado a mudar hábitos da população e prepará-la para enfrentar uma pandemia como a Covid-19. É impossível chegar à imunidade coletiva sem contrariar hábitos como os abraços ou trocas de beijos em encontros sociais, e promover a sua substituição pelo distanciamento e o uso de máscaras para prevenir a contaminação viral.
Mas o governo Bolsonaro ignorou as técnicas modernas de advocacy (promoção de causas) e não desenvolveu nenhum esforço estruturado para orientar a população nesta mudança de comportamentos imposta pelo coronavírus. Se limitou a produzir alguns spots publicitários onde a preocupação central era mostrar ações do governo na pandemia, com foco num posicionamento unidirecional, que acentua a posição subordinada do público-alvo.
As campanhas de promoção de mudança nos hábitos, normas e valores sociais são fundamentais em emergências médicas porque são elas que levam indivíduos a entenderem e aderirem à necessidade de assumir novas atitudes e regras como condição para sobreviver a uma ameaça letal. É essencial estabelecer uma empatia entre a mensagem e as pessoas às quais ela se dirige, o que só é obtido por meio da identificação de fatos, comportamentos, valores, desejos e necessidades dos indivíduos que se pretende atingir.
A pandemia e o sabão em pó
O que os publicitários do governo Bolsonaro fizeram foi tratar as mensagens sobre a pandemia com a mesma técnica comunicacional das campanhas de marketing para venda de sabão em pó. Desse jeito ninguém muda comportamento algum porque não se trata de convencer alguém a escolher esta ou aquela marca por suas vantagens ou preço, mas sim de alterar rotinas e culturas, geralmente muito arraigadas. Ninguém induz ninguém a usar máscara, algo sabidamente incomodo, tratando o produto como um hambúrguer. Para suportar o incomodo da máscara ou a resistência cultural ao distanciamento social, é preciso primeiro achar pontos de identificação com as pessoas para que elas não encarem a mudança como uma imposição autoritária, e em seguida mostrar que o sacrifício vale a pena com argumentos simples, mas baseados na ciência.
Quando surge, uma pandemia como a Covid-19 é sempre algo desconhecido pela maioria absoluta da população, que normalmente passa por um período de desorientação e perplexidade logo que a doença começa a contaminar pessoas. É, portanto, essencial que um governo possa orientar a população a partir dos conhecimentos e informações especializadas, disponíveis em centros oficiais de pesquisa, em universidades e em laboratórios privados.
O governo é fundamental numa conjuntura de crise sanitária porque tem mais condições de acesso à informação do que as pessoas comuns. Por isto, uma omissão neste esforço para informar a população, equivale torná-la indefesa diante de uma ameaça que pode gerar contaminações e óbitos. Mas não basta ter a informação pois ela é ineficaz sem um sistema de comunicação composto por dois elementos centrais: o que será transmitido (a mensagem) e como isto acontece (as plataformas).
Estamos vivendo um período traumático de transições entre comportamentos, regras e valores consolidados na era analógico/industrial para novas rotinas e normas associadas às tecnologias digitais de informação e comunicação. A nova ecologia informativa criada pela internet e pela digitalização tornou-se muito complexa. Já não dá mais para tratar os conteúdos (mensagens) independentemente das formas de transmissão (plataformas de comunicação). Um esforço de vacinação em massa é dinheiro posto fora se não houver uma estrutura vinculando mensagens e plataformas. É, pois, gravíssima a atitude do governo Bolsonaro de ignorar esta associação entre políticas públicas e comunicação, no enfrentamento de um desafio novo como a Covid-19.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC, professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.