Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

E agora, Jair? Ser preso, ser morto ou ser ditador?

Foto: Alan Santos/PR

Essas três alternativas sobre seu futuro próximo — ser preso, ser morto ou ser ditador — foi o próprio presidente Bolsonaro quem pronunciou, num desvario cada vez mais evidente, num encontro de líderes evangélicos numa igreja em Goiânia, há alguns dias.

Ainda mais insano tinha sido o pronunciamento, pouco antes, do chamado pastor e apóstolo Sinomar Silveira, na mesma igreja, reportando-se a uma mensagem recebida diretamente de Deus para ser entregue a Bolsonaro. Nela, Deus confirmava ter escolhido Jair Bolsonaro e afirmava que o Brasil se tornaria a maior nação do mundo, graças ao presidente.

Tratava-se evidentemente de um grande show, alguma coisa na contracorrente de uma Semana da Arte Moderna de Oswald de Andrade e do Manifesto Tropicalista, mas um show delirante em que os atores, entre eles o próprio presidente, interpretavam seu papel sem rir, mesmo se a cena tinha tudo de um teatro do absurdo. E a deputada federal Carla Zambelli enviava seus tweets e vídeos para mostrar a aprovação divina do presidente.

Carla Zambelli Salgado, sobrenome que nos relança de novo nos anos 30, com o fundador do nazifascismo verde-amarelo, Plínio Salgado, e líder da Ação Integralista Brasileira, apoiada na época pelo clero católico conservador de extrema-direita. Outra coincidência, o PRP, partido de Plínio Salgado, dominava nas pequenas cidades paulistas interioranas, justamente onde hoje estão dominando os evangélicos de Bolsonaro.

“A cultura e a civilização, elas que se danem” como diria Gilberto Gil. Composição profética porque cinquenta e dois anos depois, elas se danaram mesmo num Brasil de tolices, trapaças, crendices e mensagens ou fake news apócrifos de Deus. A colega jornalista Madeleine Lacsko, da Gazeta do Povo, de Curitiba, tinha publicado, faz algum tempo, outras referências religiosas sobre a predestinação de Bolsonaro para governar o Brasil, baseadas na Bíblia, feitas pelo ex-chanceler Ernesto Araújo.

Referências indevidas, diga-se de passagem, talvez porque Araújo, mau conhecedor da Bíblia, quisesse agradar aos evangélicos e ao presidente (dizem que Bolsonaro, nesta altura, acredita mesmo ser um enviado de Deus, o próprio Messias). Assim, o ex-chanceler comparou Bolsonaro com a pedra angular da igreja, talvez sem perceber se tratar, no caso, de Jesus Cristo. Neste caso, sem fazer muito alarde, Bolsonaro seria o próprio Filho de Deus. E, se existe Trindade, não se espantem, seria um terço de Deus.

A teoria evangélica tropicalista de um presidente escolhido ou predestinado se reforçou quando um pastor congolês, residente na França, afirmou ter tido a revelação divina de que Bolsonaro era um homem escolhido por Deus para governar o Brasil. Isso poderia ter passado despercebido, tem muita gente por aí tendo alucinações e revelações divinas sem sair nos jornais, mas a revelação feita ao pastor Steve Kunda foi valorizada pelo próprio Bolsonaro, que difundiu nas suas mensagens e pelo Facebook, a conta de Steve Kunda no YouTube.

Bolsonaro teria também acreditado ser escolhido por Deus, um milagre sobrenatural como diz o conhecido pastor Malafaia, ou sabe ser mais uma trapaça eleitoral de pastores trapaceiros, dentro do Festival de Besteiras que Assola o Brasil, como diria o profeta Stanislaw Ponte Preta, também conhecido como o jornalista Sérgio Porto?

Tudo poderia ser um show sem consequência, não fosse os milhões de crédulos crentes que, além de terem votado nele por conselho dos pastores evangélicos, suportam os aumentos dos preços dos gêneros alimentícios, do gás engarrafado, da gasolina, pagam o dízimo e irão gritar, no Sete de Setembro, em Brasília, São Paulo e outras cidades por liberdade, sem saberem seu significado. Mesmo porque entre as fake news que recebem se diz que se Lula for eleito serão fechadas as igrejas!

Por essas e outras, a revista Carta Capital publicou, no ano passado, uma excelente reportagem sobre o Cristofascismo de Bolsonaro. E quem cantou ou ouviu a Canção do Subdesenvolvido, de Carlos Lyra com letra de Carlos Lyra e Francisco de Assis, vai ficar imaginando como incluir no processo de colonização do Brasil a chegada dos pastores evangélicos com o populismo bíblico.

Afinal, qual das três alternativas — preso, morto ou ditador — vai acontecer com o ungido, predestinado e escolhido por Deus, Jair Bolsonaro, depois do Sete de Setembro? Sem ser profeta e nem querendo ser, a hipótese mais provável não é nenhuma das três mencionadas.

Por estar destruindo a Amazônia, por ter enganado o povo com a cloroquina e o Kit Covid, por não ter comprado logo as vacinas, por ter deixado morrer quase 600 mil pessoas, por ser negacionista, mentiroso, por estar privatizando nossas grandes empresas estatais, por querer que o povo faminto compre fuzil em lugar de feijão, incitando assim seus seguidores à revolta por dias ainda piores, por ter nomeado ministros incompetentes, por tudo isso mereceria alguns anos de prisão.

Mas acabará sendo internado num hospício de rico, como costumam ser chamadas as clínicas psiquiátricas para doentes mentais avançados. Louco que se julga Napoleão não faz mal a ninguém, mas louco que acredita ser o ungido e predestinado por Deus é muito perigoso no comando de um país. Ainda mais quando é seguido por milhares ou milhões de outros loucos.

Por isso, a menos que se tomem medidas severas para evitar que se concretizem as ameaças proferidas pelos bolsonaristas mais excitados, temo a repetição em Brasília do ataque dos trumpistas ao Capitólio, ocorrido em Washington nos Estados Unidos, contra alvos que simbolizam os poderes legislativo, eleitoral e o Judiciário. Mas não conseguirão provocar o golpe tão esperado por Bolsonaro.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.