Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa não se deu conta que o relatório da CPI da Covid interessa ao mundo

Foto: Alessandro Dantas

O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), não é o único governante no mundo negacionista em relação ao poder de contaminação e letalidade da Covid-19. Disso todos jornalistas têm certeza. Mas ele é único que se tem notícia que está sendo investigado por uma CPI, no caso a Comissão de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. Bolsonaro tornou o seu negacionismo em política de governo e os senadores estão apurando a responsabilidade que essa decisão teve nas 580 mil mortes causadas até agora pelo vírus no Brasil, e em casos absurdos, como o da falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e cidades do interior do Pará que acabou matando dezenas de pessoas por asfixia nos hospitais. E também o fato dessa política ter aberto as portas do Ministério da Saúde para gangues de estelionatários que tiveram a sua ação facilitada por pessoas influentes no governo, como militares e pastores evangélicos. Por que os jornalistas, historiadores, cientistas, pesquisadores e tribunais internacionais irão se interessar pelo relatório da CPI da Covid? Essa é a nossa conversa.

O interesse maior nesse relatório é porque a pandemia da Covid-19 não será a última a afligir a humanidade. E o documento terá dados que ajudarão os cientistas a se preparar para o próximo vírus. O tamanho do estrago que a próxima pandemia causará vai depender do que aprendermos com a Covid, em todos os campos do conhecimento. Principalmente no resultado das políticas praticadas pelos governos dos países no combate à pandemia. O caso do Brasil vai merecer destaque porque existirá o relatório da CPI da Covid e muitos documentos disponíveis para pesquisa. Por exemplo: as pesquisas clandestinas feitas em pacientes de Covid com a droga proxalutamida (remédio para a próstata) no Hospital da Brigada Militar, em Porto Alegre (RS). E a ação do plano de saúde Prevent Senior, de São Paulo, que tratou ilegalmente de pacientes com o Kit Covid (drogas ineficazes contra o vírus como a cloroquina). Esses dois assuntos são muito sérios e sempre ganharam espaços nobres na imprensa na maioria dos quatro cantos do mundo. Muito por conta do que os nazistas fizeram nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial e que foi fartamente documentado durante os processos do Julgamento de Nuremberg. Nesse julgamento, além de condenar os criminosos de guerra, os Aliados buscaram entender por que pessoas comuns, médicos e técnicos se envolveram nos absurdos cometidos pelos nazistas. A CPI da Covid vai trazer explicações para compreendermos como médicos se envolveram com nessa história do Kit da Covid e em experimentos ilegais feitos em pacientes.

O relatório da CPI da Covid no Brasil terá três destinos: um no campo da disputa política. Os outros dois na Justiça. Pessoas serão processadas criminalmente e no civil. Famílias de pessoas que foram tratadas pelos médicos com medicação não recomendada pedirão ressarcimento. Tenho dito nas minhas palestras para estudantes de jornalismo que, como hoje existem dentro das redações repórteres especializados em economia, política e investigação, deverá surgir o jornalista que entenderá tudo sobre pandemia. Por quê? Esse tipo de matéria sempre terá um bom índice de leitura devido a sua relevância. Daí que considero importante os professores das faculdades de jornalismo ficarem atentos para o assunto. Por que a imprensa ainda não se deu conta da importância que terá ao redor do mundo o relatório da CPI da Covid? Vou simplificar a resposta. Falta gente nas redações para analisar o imenso volume de informações que o governo Bolsonaro produz diariamente. Em outros tempos, as redações já teriam montado uma força-tarefa de repórteres e editores para tratar exclusivamente do caso. A falta de gente nas redações se deve às demissões em massa de jornalistas. Como as grandes empresas vão solucionar o problema? Duvido que os CEO estejam perdendo o sono com isso. Até porque a maioria deles entende tanto de jornalismo quanto um contador. Isso criou uma oportunidade para que pequenas empresas de conteúdo possam investir no assunto e vender as matérias no mercado editorial.

Para fechar a nossa conversa. Não lembro nos meus 40 anos de repórter ter vivido tempos de tamanha abundância de notícias. A maioria delas relevante para o nosso leitor por se tratar de assuntos que fazem parte do seu dia a dia, como a saúde da sua família. Nessas horas é fundamental que haja dentro da redação uma pessoa de cabeça fria, que possa pensar sobre como avançar a investigação nos assuntos que estão sendo tratados pelo jornal. Geralmente quem faz esse papel é um repórter mais experiente e com grande conhecimento do perfil do leitor do jornal. É aquele cara que chama o repórter para o cafezinho e conversa com ele. Principalmente com os “focas”. Para quem não é jornalista. Chamamos de focas os novatos na profissão. Comparando a situação das redações com um time de futebol. É como se não tivéssemos o cara que pensa a jogada. Na ausência dessa pessoa, a maioria dos jornais espera o assunto explodir na imprensa internacional para depois investir nele. Estamos pagando o preço de terem colocado pessoas que não entendem de jornalismo na direção dos jornais.

Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.