Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Caso Garcia: diversidade de opinião inclui distorção da realidade?

Foto: CNN Brasil/Reprodução

A demissão do jornalista Alexandre Garcia tornou pública e chamou ao debate uma realidade existente no setor da informação no Brasil. Um número importante de órgãos e profissionais da imprensa decidiu ignorar os princípios básicos do código de ética da profissão para se dedicar à desinformação. São jornais, rádios e canais de televisão especializados em deformar e distorcer a realidade, evitando qualquer compromisso com a verdade.

Foi montada uma rede paralela de informações motivada principalmente por objetivos econômicos, para criar uma outra realidade política, social e religiosa, baseada na inverdade e nas teorias da conspiração, especializada na fabricação de fake news, notícias falsas ou contra-verdades. Seria fácil demais estabelecer uma relação com o mundo descrito por George Orwell, com o premonitório livro 1984 e as teletelas espalhadas por todos os lugares.

Felizmente, não chegamos ainda aí com nossos celulares, porém a proliferação das fake news, refazendo constantemente a realidade para uma parcela mais crédula da população, transformando a verdade em mentira, lembram o Ministério da Verdade. O Grande Irmão que todos respeitam e temem, mas ninguém vê, até poderia ser o deus usado para amedrontar com imaginários castigos eternos os dóceis, pobres e desprotegidos evangélicos.

Foram as redes de fake news, todo mundo sabe, que elegeram o presidente Bolsonaro e transformaram em poucos meses a maneira de se pensar no Brasil, a ponto de se criar a expressão gado, rebanho ou boiada para designar o coletivo enganado pelas falsas notícias. Mas não se trata de um mundo orwelliano, porque a mistificação se opera sem a presença de uma ditadura opressiva. Não há um regime ditatorial, o domínio do pensamento se faz de maneira sutil.

Mas o Brasil não vive um cenário de ficção. Em lugar da opressão, existe a indução ao erro. Essa é a função principal dos autores dos fake news, a maioria pequenos jornalistas especializados em deturpar as informações originais. São as falsas notícias espalhadas pelas redes sociais apoiadas nas inovadoras técnicas de informação, que permitem manipular centenas de milhares, milhões de pessoas.

Dessa manipulação decorreu a desconfiança pela vacina contra o Covid-19, a aprovação do desmatamento, a rejeição das máscaras e o chamado tratamento precoce ineficaz, mas que enriqueceu laboratórios fabricantes de cloroquina e outros falsos inibidores do vírus, fatores responsáveis pela morte de milhares de pessoas. Nada disso teria acontecido sem os disseminadores de falsas informações, mesmo porque no resto do mundo ninguém acreditava em tratamento precoce contra o coronavírus.

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros fala em “divulgação da informação precisa e correta” e em “veracidade dos fatos e interesse público e responsabilidade social”. E mais adiante: “o exercício da profissão de jornalista é uma atividade social submetida ao Código de Ética”, “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade”. Ou ainda: “o jornalista não pode divulgar informações visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica”. Em tempos normais “as transgressões ao Código de Ética serão apuradas, apreciadas e julgadas”

Nessa nova realidade social em que a inverdade, a má informação e notícias falsas circulam impunemente competindo com o jornalismo objetivo, enganando a parcela da população desprovida de crítica, talvez fosse o momento de órgãos profissionais da classe como a FENAJ provocarem um grande debate nacional para desmistificar os criadores de notícias falsas, transmitidas por canais de televisão, rádios, jornais, redes sociais, denunciando o falso argumento da diversidade de opinião.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.