A suspensão autoritária de garantias legais ao funcionamento de canais noticiosos municipais e independentes mostrou o desprezo do governo Bolsonaro pelo jornalismo local independente, o segmento informativo apontado na Europa e Estados Unidos como essencial para a busca de um novo modelo de sustentabilidade econômica da atividade informativa.
Há dias, o Ministério das Comunicações suspendeu, via canetada, a vigência de dispositivos legais regulando os chamados Canais da Cidadania, um projeto de criação de sistemas locais e regionais de televisão aberta criado em 2012 e que foi adotado por cerca de 300 municípios brasileiros. A decisão, segundo a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), é um retrocesso porque vai dificultar enormemente o acesso à informação pelos moradores de comunidades urbanas e rurais.
A valorização da informação focada em questões municipais e regionais é fundamental para a busca de modelos de sustentabilidade financeira na produção de notícias, através da reaproximação entre o público e o jornalismo. Quase todas as grandes universidades norte-americanas criaram nos últimos anos cursos e pesquisas sobre jornalismo local, enquanto na Europa se multiplicam projetos jornalísticos comunitários orientados por profissionais autônomos.
Ao decretar a orfandade legal dos Canais da Cidadania, o governo deixou claro seu incentivo ao caos informativo promovido nas redes sociais virtuais por adeptos da polarização ideológica, das notícias descontextualizadas e das mensagens de ódio político, machismo, racismo e xenofobia. A política bolsonarista de comunicação é o “vale tudo” noticioso, atitude que só complica ainda mais todos os problemas enfrentados pelo jornalismo depois que a digitalização e a internet mudaram radicalmente a estrutura e as rotinas da produção de notícias no mundo inteiro.
A televisão ainda é o canal de comunicação e de informação mais popular em todo o planeta. Seu alcance aumentou ainda mais com o surgimento da WebTV, televisão via internet que pode ser captada até por celulares. O projeto dos Canais da Cidadania estava associado à implantação de um sistema de televisão digital terrestre que alcançaria a grande maioria dos 5.568 municípios brasileiros. Os canais digitais de TV a nível municipal podem veicular informações em texto, sons e imagens, o que aliado à possibilidade de interação com o público através de celulares vai gerar enormes benefícios para a educação, a oferta de serviços públicos, informação e geração de capital social.
Esforço coletivo
Hoje as pequenas cidades têm acesso a praticamente toda a informação produzida no mundo, ao mesmo tempo que os blogs pessoais e redes sociais virtuais disponibilizam um volume inédito em matéria de notícias da comunidade. Isto tem levado sociólogos, como o espanhol Manuel Castells, a afirmarem que o jornalismo é peça essencial na construção da nova cultura social digital que está sendo construída a partir dos bairros, guetos étnicos e culturais em cidades medias e pequenas. Para que isto aconteça, é também essencial que o exercício do jornalismo local seja sustentável financeiramente.
Este é um dilema ainda sem solução. Há dezenas de experiências e projetos em curso, especialmente nos Estados Unidos. Os resultados não são conclusivos, mas uma coisa os pesquisadores já constataram: sem a participação do público é muito difícil achar um modelo de financiamento estável da produção jornalística de informações para consumo dos habitantes de pequenas e medias cidades brasileiras. O que se sabe, até agora, é que não haverá um modelo único aplicável a todas as realidades locais. Além disso, o envolvimento do público na sustentação financeira do jornalismo vai exigir uma nova relação entre consumidores e produtores de notícias. Será necessária também uma integração vertical ente publicações locais, nacionais e internacionais.
A sustentabilidade financeira do jornalismo local é um tema complexo e voltaremos a ele de forma mais detalhada em textos futuros. Mas é cada vez maior a convicção entre os que estudam a questão de que a função das pessoas comuns, no financiamento do noticiário local, inclui sua participação no desenvolvimento do modelo sustentável e principalmente na fiscalização da performance dos jornalistas, profissionais e amadores.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.