Um assunto que há anos mobilizava apenas jornalistas que trabalham no Japão vem se transformando num debate mais amplo desde que o primeiro-ministro Yukio Hatoyama tomou posse, em setembro.
O novo governo prometeu sacudir as estruturas administrativas, diminuindo a influência dos burocratas – que deram as cartas nos bastidores durante as cinco décadas de poder do Partido Liberal Democrata (PLD) e tinham controle sobre quais informações poderiam ou não ser divulgadas para o público. Parte do meio jornalístico comemora os primeiros passos em direção a uma abertura, que fortalecerá a liberdade de imprensa no país.
Mas o governo tem encontrado resistência de grupos que não veem com bons olhos a implosão de um sistema.
Correspondentes e freelancers são barrados
No Japão, a imprensa nacional segue um regime de clubes fechados, ou seja, jornalistas que escrevem sobre saúde pública, por exemplo, são sócios de um grupo exclusivo que tem acesso a entrevistas regulares de funcionários da área. A mesma coisa acontece com quem acompanha assuntos econômicos, policiais ou jurídicos, entre outros. É o chamado sistema de kishas: clubes onde só entram jornalistas pertencentes às grandes empresas de comunicação japonesas.
Correspondentes estrangeiros, em sua maioria, freelancers e repórteres de publicações menores e de sites são barrados. Assim que assumiu a pasta, o ministro das Relações Exteriores, Katsuya Okada, anunciou a abertura de suas entrevistas. A kisha que restringia o acesso ao ministério protestou, alegou questões de segurança, mas Okada disse tratar-se de um princípio fundamental numa democracia: direito de informação.
– O sistema era conveniente para o PLD, porque ficava mais fácil controlar as notícias. Como eu não era sócio de clube algum, os políticos no poder não confiavam em mim, porque eu poderia escrever o que quisesse – disse Junichi Fujimoto, jornalista conhecido no país e que há 25 anos trabalha como freelancer.
Ele participou de um debate sobre o assunto em Tóquio, na última segunda-feira, e criticou as ‘tropas’ de repórteres que só trabalham se estiverem ligados a um clube. A medida tomada por Okada foi seguida por outros ministros do governante Partido Democrata do Japão (PDJ), mas o editor-chefe do site de notícias Videonews.com, Tetsuo Jimbo, acha que as portas, por enquanto, estão apenas ligeiramente abertas.
– Critico as kishas desde os anos 80, mas a imprensa japonesa não falava sobre o assunto e, portanto, nunca houve apoio popular contra esse sistema – conta Jimbo, que já trabalhou para empresas estrangeiras como a agência Associated Press e foi várias vezes barrado em entrevistas oficiais.
– Houve avanços, mas as entrevistas na residência do primeiro-ministro, por exemplo, ainda não estão abertas a toda a mídia.
O centenário Mainichi Shimbun, um dos maiores jornais do Japão, publicou recentemente uma discussão sobre o tema, mostrando que os clubes começam a virar um assunto público.
Na tentativa de conter o poder dos burocratas, o governo Hatoyama também proibiu as entrevistas frequentes que eles davam sem precisar da autorização de um ministro. No debate, que contou com a presença de Fujimoto e Jimbo, Hirotsugu Aida, um dos editores-executivos da agência Kyodo, era uma voz solitária na defesa das kishas.
Ex-correspondente em Washington e em Genebra, ele afirma que o Japão não é o único país onde se limita o acesso de jornalistas a entrevistas oficiais, e diz que a imprensa japonesa também sofre, por exemplo, para entrar na Casa Branca.
– Antes eram os clubes que distribuíam as credenciais, mas o governo está assumindo essa organização direta. Eu vejo um lado negativo nisso. Acho que, na verdade, ficará mais fácil para o governo manipular a informação – acredita.