Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Imprensa esqueceu que o presidente de 2023 vai repartir o poder com o Centrão?

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Podemos discutir o grau de presença dos parlamentares do Centrão no próximo governo. Mas o certo é que eles estarão lá, porque o presidente da República precisará deles para governar o país. Citado apenas os últimos governos desde 1990, eles estiveram presentes na época de Fernando Collor de Mello (do então PRN-AL), Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), Dilma Rousseff (PT-MG), Michel Temer (MDB-SP) e do atual, Jair Bolsonaro (sem partido). Nenhum partido tem votos suficientes entre os 513 deputados federais e os 81 senadores para aprovar ou derrotar uma proposta sem fazer um acordo que inclua os parlamentares do Centrão. Antes de seguir a conversa vou dar uma explicação que julgo necessária para quem não é jornalista. A expressão Centrão foi cunhada nas redações dos jornais em 1987, na época dos debates da assembleia constituinte que elaborou a nova Constituição do país. Inicialmente designava pessoas que defendiam a posição política de centro. Esse grupo permaneceu unido após a promulgação da Constituição, em 1988, e os seus principais líderes se envolveram em vários escândalos de corrupção. Foi aí que ficaram estigmatizados como oportunistas, corruptos e outros adjetivos pouco lisonjeiros.

Voltando à nossa conversa. Deixando os adjetivos de lado, vamos nos concentrar no que a história da disputa política nos ensinou. Quando o presidente eleito vem de um partido tradicional e que tem um razoável número de parlamentares, ele começa o governo fazendo acordos com outras agremiações da sua mesma linha política. Mas não se livra de cair no colo do Centrão porque geralmente não consegue reunir votos suficientes para o embate em assuntos de maior relevância, como reformas sociais e econômicas. Aqui é o seguinte. Quando o presidente tem atrás de si uma estrutura partidária consolidada, o grau de dependência do governo em relação ao Centrão é menor, porque dispõe de quadros para ocupar postos importantes na administração, além de contar com um número expressivo de parlamentares na Câmara e no Senado. Quando o presidente não é eleito por um partido tradicional a história é outra. Temos o exemplo de Collor. Foi eleito pelo então Partido da Reconstrução Nacional (PRN), uma pequena agremiação nascida em 1989 e que já trocou de nome mais de uma vez — o atual é Partido Trabalhista Cristão, PTC. Collor sofreu ação de impeachment em 1992 — matéria na internet. Bolsonaro, nos seus mais de 30 anos como parlamentar, pulou de partido em partido várias vezes. Elegeu-se presidente pelo Partido Social Liberal (PSL) fazendo a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados e vários senadores. A proposta dele era governar apoiado pelas bancadas temáticas, como a da Bala, da Bíblia e outras. Rompeu com o partido no primeiro ano de governo e preencheu cargos na máquina administrativa com 6 mil militares das Forças Armadas (ativa, reserva e reformados) e das policiais militares.

Nos dias atuais, Bolsonaro caiu no colo do Centrão e virou uma espécie de rainha da Inglaterra. Aqui podemos fazer uma reflexão. Há possibilidade de que entre os candidatos a presidente da República em 2022 esteja o ex-juiz federal Sergio Moro, que ganhou fama na Operação Lava Jato. Moro condenou em primeira instância o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá por corrupção e lavagem de dinheiro. Sua sentença foi confirmada em segunda instância e Lula, que era o candidato preferido nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República em 2018, foi preso e com isso facilitou a eleição de Bolsonaro — há matéria da internet. Meses depois, Moro desistiu da magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. No ano passado, o ex-juiz brigou com o presidente e deixou o governo. Essa é a história conhecida de Moro. Ele não é um homem de partido. Toda a sua rede de amizades e convivências está entre as pessoas da Justiça. Da mesma forma que Bolsonaro é capitão reformado do Exército e fez toda a sua carreira política voltada às famílias de militares e policiais. Numa eventual eleição de Moro, como ele vai governar? Poderá espernear, mas cairá no colo do Centrão, que é formado por parlamentares que têm contas a ajustar com ele da época da Lava Jato. Perguntei a um velho parlamentar que conhece profundamente o cotidiano de Brasília (DF) se, na hipótese de eleição do ex-juiz, qual seria o comportamento do Centrão. Ele me respondeu: “Eles não têm amigos nem inimigos. Só negócios”.

O fato é o seguinte. O Centrão nunca teve tanto poder nas mãos como tem no atual governo Bolsonaro. Isso significa que suas fileiras foram engordadas com mais parlamentares. Não pode ser afastada a hipótese deles terem um candidato identificado com o grupo nas próximas eleições presidenciais. Nós jornalistas estamos deixado a desejar perante o nosso leitor. Estamos devendo mais e melhores informações sobre o que estão fazendo os parlamentares do Centrão. Estamos publicando fatos sobre esses parlamentares sem entrar em detalhes, como se todos os leitores soubessem o que se passa nas entranhas desse grupo. As eleições de 2022 serão totalmente diferente de todas as outras devido a pandemia causada pela Covid-19, que já matou mais de 600 mil brasileiros e impôs um modo de vida totalmente diferente para a população, como viver isolada. A Covid vai influenciar no perfil dos eleitos em 2022? Não sabemos e não li ou encontrei nenhuma pesquisa sobre o assunto. Seja lá o que nos aguarda na disputa eleitoral do ano que vem, o certo é que devemos estar bem informados, para o bem do nosso leitor. E se manter informado dentro da lambança que se transformou o governo Bolsonaro não é fácil. Mas é necessário para a nossa sobrevivência como jornalistas.

Texto publicado originalmente pelo blog Histórias Mal Contadas.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais.