Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Folha de S. Paulo

CURSO
Folha de S. Paulo

Programa de treinamento da Folha é ampliado e abrange multimídia

‘A partir de sua 47ª turma, no próximo semestre, o programa de treinamento em jornalismo da Folha será expandido para incluir novos cursos e exercícios de jornalismo multimídia.

Esta é a quarta ampliação do programa desde que ele foi criado, em 1988, e tem como objetivo permitir que os trainees exercitem novas formas de contar história -em áudio e vídeo- e aprendam novas tecnologias de comunicação.

Na essência, o treinamento seguirá valorizando os fundamentos básicos do jornalismo e os princípios do projeto editorial da Folha: propor reportagens interessantes e oportunas; apurar de forma completa e imparcial; escrever de forma articulada e fluente (leia o projeto em www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1997-1.shtml).

Nestes 20 anos de existência, o programa já treinou 379 jornalistas, dos quais 90% passaram a trabalhar para a empresa após o curso. Nos últimos dez anos, a Folha realizou também oito turmas de treinamento em jornalismo gráfico (diagramação e infografia), nas quais foram formados 79 profissionais, com aproveitamento de 70%.

Para se inscrever, é preciso preencher a ficha que está na internet: www.folha.com.br/treinamento. O site tem informações detalhadas sobre a seleção. Patrocinado pela Philip Morris Brasil e pela Odebrecht, o programa fará em dezembro as provas para a 47ª turma.’

 

SANTA CATARINA
Folha de S. Paulo

TV Cultura organiza hoje show para ajudar as vítimas

‘Hoje a TV Cultura, em parceria com a prefeitura e o governo de São Paulo, promove o show ‘SOS Santa Catarina’, em prol das vítimas das chuvas, no Anhembi (av. Olavo Fontoura, 1.209, Santana, zona norte). Confirmaram presença Ed Motta, Chico César e outros. Os ingressos serão distribuídos a partir das 18h para quem levar uma garrafa de água mineral ou um cobertor. Haverá transporte gratuito nas estações do metrô Barra Funda e Tietê e uma linha especial, paga, da estação Tietê do metrô até o Anhembi.’

 

INTERNET
Bruna Saniele

Brechós na internet são alternativa de blogueiros para renovar guarda-roupa

‘Em época de crise, a melhor opção para renovar o guarda-roupa pode sair do próprio armário. Os brechós virtuais são um opção para comprar peças baratas e conseguir uma renda extra no fim do mês.

Analúcia Prado Batista, 36, webdesigner, fez o caminho da maioria das blogueiras-vendedoras-começou comprando e depois criou o seu (http//girlsonsale.blogspot.com), a cerca de seis meses. De acordo com ela, a intenção não é ganhar dinheiro- praticamente tudo o que ganha acaba gastando para comprar outras roupas.

Fã das marcas fluminenses, é nos blogs que ela consegue novas peças a baixo custo. ‘Quero mesmo é fazer uma reciclagem no guarda-roupa. O blog cria um intercâmbio cultural. A gente compra roupas de marcas de outro lugar que nem sempre acha aqui’, comenta.

Para Nádia de Oliveira Barros Leal, 53, arquiteta de Barra Mansa (RJ) o blog www.vigosteilevei.blogspot.com foi a solução para vender o que ela e a mãe Ana, 80, guardavam no armário. Inaugurado em fevereiro, o blog já vendeu 15 peças entre roupas, calçados e acessórios. As vendas renderam cerca de R$ 800. ‘Entra um dinheirinho, mas o mais legal é que é uma coisa diferente, você fica conhecendo pessoas e amplia seu leque de amizades.’

Para quem está sem dinheiro, a permuta também é estimulada. ‘Tem gente que gosta das minhas peças, e se ela tem peças que eu também gosto a gente troca’, diz Tatiana Reis da Silva, 25, do blog www.mariafutrikeira.blogspot.com

No caso de Thatiany Maciel Pereira, 28, o brechó se transformou em profissão. Atualmente, ela vende roupas que já não quer mais e roupas novas, escolhidas especialmente para a venda no blog (http://paraasmeninas.blogspot.com).

Ela está vendendo cerca de 30 peças por mês. ‘As vezes eu fico com a maior preguiça de postar e as meninas ficam me cobrando, mandando e-mail. Dizem: ‘Cadê as roupas, eu tenho uma festa, um churrasco’, conta Thatiany.

O número de brechós é tão grande que já existe um um ‘shopping dos blogs’ para agrupar novidades interessantes. Criado em junho deste ano pela advogada Isabela de Souza Nascimento, 23, de Salvador, o endereço http://vitrinevirtual08.blogspot.com, lista o que há de melhor em mais de 330 blogs. A página registra cerca de 400 visitas diárias.

‘Quando eu criei o vitrine, minha intenção foi dar exposição para esses blogs. Gostava de ficar olhando o que tinha de novo, apesar de nem comprar tanto, até porque minha renda não permite. Com o blog eu ajudo quem não tem tempo para procurar em muitos blogs e dou uma força para quem vende, expondo as coisas legais que encontro pela internet’, afirma Isabela.

Na maioria dos brechós virtuais, a compra é confirmada após o depósito do valor combinado e em seguida o pedido é enviado pelo correio. Não são feitas devoluções.

Para evitar contratempos, é melhor fazer uma pesquisa com quem já comprou no blog escolhido antes de se arriscar. ‘Essas compras são sempre na base da confiança, então é bom procurar saber com quem está fazendo negócio’, afirma Isabela.’

 

Giselle Beiguelman

Festival de vidas privadas

‘Em ‘O Show do Eu’, Paula Sibilia investiga os processos que transformaram a intimidade em espetáculo mediado pelas redes on-line.

Para tanto, mapeia idéias e conceitos sobre subjetividade ao longo da história e os confronta com as práticas de superexposição que se realizam nos canais mais populares da web 2.0, como blogs e o YouTube.

Esse mapeamento não cede à euforia tecnodeterminista, que identifica na internet uma potência agenciadora de todas as transformações culturais que vivemos hoje.

Tampouco se curva ao neoconservadorismo tecnofóbico, que repele qualquer inovação que tenha sido engendrada pelas práticas típicas da cibercultura.

Operando como um liqüidificador de referências, Sibilia cita pensadores como Friedrich Nietzsche (1844-1900), Walter Benjamin (1892-1940) e Michel Foucault (1926-84), sem dispensar figuras como a blogueira e garota de programa Bruna Surfistinha, o vencedor do ‘Big Brother Brasil’ Kleber Bambam e dúvidas existenciais de leitores da revista ‘Capricho’.

Isso não é feito com o intuito de equilibrar os discursos, mas de situar as particularidades do ‘festival de vidas privadas’ que é gerado cotidianamente com poucos cliques.

Sibilia contextualiza esse festival nas novas formas arquitetônicas de casas construídas para funcionar como complexos multimídia, nas relações incestuosas entre mercado e produtos ‘grátis’ na web e nas formas de privatização da vivência dos espaços públicos pela proliferação de artefatos ‘plugados’ aos corpos, como iPods e celulares.

Em um texto que cruza psicanálise, filosofia, historiografia, literatura e dados sobre a vida on-line, tece um panorama dos modos pelos quais a experiência íntima vem se constituindo como experiência ‘éxtima’, destinada à publicação em vídeo, foto e texto.

Debord empacotado

Aborda os novos formatos da figura do narrador, o culto à personalidade e a produção de vidas virtuais alternativas, percorrendo as diversas instâncias que eclipsam a noção de interioridade num mundo em que supostamente ‘você’ é o protagonista.

As análises desembocam no diagnóstico da mais perversa das faces da espetacularização do ‘eu’: a conversão da subjetividade em processo de gestão de marca. Para isso, tomam como exemplo do fenômeno o caso de Guy Debord.

Pensador fundamental para a compreensão da atualidade, não só pela precoce denúncia da ‘Sociedade do Espetáculo’ [ed. Contraponto], título de seu livro e filme mais famosos, mas pela forma como foi ‘empacotado’ como produto de consumo.

Sibilia assinala que, antes de suicidar-se, em 1994, Debord (1931-94) proibiu a exibição de todos os seus filmes. A despeito disso, destaca a autora, toda a sua obra foi recentemente reeditada em uma luxuosa embalagem, contendo seus filmes e uma série de documentos pessoais, como fotos de criança e cartas.

Enquanto leio o livro de Sibilia e penso nas estratégias de espetacularização do eu pela sedutora forma como sites nos convidam a acreditar que ‘você’ é o protagonista, me dou conta de que participo de três exposições com os sugestivos nomes de ‘Netescopio’ (no Museu Iberoamericano de Extremadura, em Badajoz, Espanha), ‘YOUser’, comemorativa dos dez anos do Museu de Arte e Mídia da Alemanha (ZKM), e da Bienal de Sevilha, intitulada ‘YOUniverse’.

As ironias da sociedade espetacular investigadas pela autora se impõem como dura realidade e já me sinto cedendo ao convite do YouTube para ‘broadcast myself’ [transmitir-se].

Antes de sucumbir ao show do eu -do qual para participar basta um clique ‘e, de fato, todos costumamos dar esse clique’, como escreve Sibilia-, encerro.

GISELLE BEIGUELMAN é professora da pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP.

O SHOW DO EU

Autora: Paula Sibilia

Editora: Nova Fronteira (tel. 0/ xx/21/2131-1111)

Quanto: R$ 39,90 (288 págs.)’

 

TELEVISÃO
Daniel Castro

Power trio

‘No ano que vem, Daniel Dalcin, 23, Micael Borges, 19, e Bianca Bin, 18, vão render muita conversa em rodas de adolescentes. Eles interpretarão os principais papéis da nova temporada de ‘Malhação’. Daniel será Alex, que disputará Marina (Bianca) com Luciano (Micael). ‘Fiz cinco testes para pegar o Alex. Canto desde os 13 anos, mas tive que aprender a tocar pelo personagem. O Alex é roqueiro e vai tocar em festivais’, revela Daniel, o mais experiente. Será num show que conhecerá Marina, que mantém uma paixão não revelada, mas recíproca, por Luciano. Sua intérprete, Bianca, é decidida como a personagem: aos 16, ela deixou os pais em Itu (SP) e veio para São Paulo estudar teatro. Micael já fez cinema e mora no morro do Vidigal (Rio). ‘Não me considero negro nem branco. Meus pais vieram da Paraíba. Sou a mistura brasileira, represento a miscigenação’, diz.

Nova novela das sete terá atriz cega e macaco-protagonista

Próxima novela das sete da Globo, ‘Caras & Bocas’ (nome provisório) trará pelo menos duas novidades para o horário: uma atriz cega e um macaco em papéis centrais. Seu autor, Walcyr Carrasco, ainda não revela o nome da atriz. ‘Ela ainda não assinou contrato’, diz. A história principal, a de um casal de artistas, será interpretada por Flavia Alessandra e Malvino Salvador. A seguir, trechos de entrevista que Carrasco deu à Folha, por e-mail.

FOLHA – Resumidamente, qual é a sinopse de ‘Caras & Bocas’?

WALCYR CARRASCO – É a história de um casal de artistas que se separou na juventude. Ela montou uma galeria de arte; ele foi obrigado a desistir da pintura para cuidar do bar-restaurante da família. Ela teve uma filha dele, mas ele não sabe. O reencontro dos dois é também a história dos sonhos que podem ser redescobertos. Tudo temperado com muito humor.

FOLHA – A novela tratará de algum tema especial?

CARRASCO – Sim, a novela falará amplamente do mercado da arte, mostrando os clássicos e a vanguarda. Terá merchandising social em vários aspectos. Será a primeira a ter uma atriz cega. Ela terá uma trama própria. O papel não se restringe a merchandising social. Faremos também campanha em prol dos animais ameaçados.

FOLHA – Haverá gravações no exterior? Onde?

CARRASCO – Na África do Sul e na Inglaterra.

FOLHA – Trará alguma inovação à teledramaturgia?

CARRASCO – Muitas. Uma delas será a introdução de um macaco como um dos personagens principais. Mas este é um dos segredos da novela, não posso revelar inteiramente ainda. Só garanto que o macaco será muito divertido.

FILHINHO DO PAPAI

Revelado em ‘América’ (2005), Duda Nagle (foto) volta em janeiro a atuar em uma novela de Glória Perez. Em ‘Caminho das Índias’, ele será o ‘bad boy’ Zeca, o terror das professoras da escola em que estuda, no Rio. Filho de Ilana (Ana Beatriz Nogueira) e César (Antonio Calloni), vive aprontando, mas sempre escapa por causa da proteção dos pais. Ele agredirá uma professora, Berê (Silvia Buarque), e será suspenso. Mas seu pai achará a medida um absurdo e entrará na Justiça com um pedido de liminar.

BARRADOS

A Globo bateu o martelo. A próxima edição de ‘Big Brother Brasil’, que estréia em 13 de janeiro, terá 14 participantes. Mas serão selecionados 16. Dois serão eliminados na estréia, na porta da casa.

CRUZEIRO ROSA

Uma produtora italiana quer gravar no litoral brasileiro um reality show disputado por gays e lésbicas. O programa, ‘Cruzeiro Colorido’, seria ambientado num navio. Os produtores negociam com TVs brasileiras.

MÉRITO

Não é só o SBT que ganhou premiação irônica na internet. A Record também. Os internautas elegeram o ‘Fala que Eu Te Escuto’ o ‘melhor programa de entrevistas’ e ‘Mutantes’, o ‘melhor humorístico’.’

 

Laura Mattos

Megera Indomada

‘‘Três horas vendo esse lixo. Não acontece nada. O cara arruma uma mulher, depois arruma outra, aí termina andando na praia. Só a Donatela para gostar desse tipo de coisa. Ela e a Lara. Tal vaca, tal vaquinha.’

Essa é Flora, a vilã pop do momento, destruindo o clássico filme de Fellini ‘A Doce Vida’ (1960) e a própria filha.

A perversa personagem de ‘A Favorita’, da Globo, caiu nas graças do telespectador. Tudo bem que muitos a odeiam, de tão má que é, mas ela também coleciona fãs. No site de relacionamentos Orkut, há comunidades dos que a ‘amam’ por ‘suas qualidades’ ou porque, ‘apesar dos crimes, nos diverte muito com as suas loucuras’.

De fato, Flora, que já assassinou três e seqüestrou a filha, vive a disparar frases e expressões impagáveis, o melhor repertório da vilania televisiva em muitos anos. E tudo dito com um olhar maligno que Patrícia Pillar, 44, sua intérprete, jamais havia experimentado em toda a sua carreira.

À filha, Lara, meiga milionária interpretada por Mariana Ximenez, ela se refere como ‘pentelha’, ‘purgantezinho’, ‘xaropinho’, além da já citada ‘vaquinha’. Seu pai, Pedro (Genézio de Barros), e o sogro, Gonçalo (Mauro Mendonça), simpáticos senhores, são ‘velhos babões’. A sogra, Irene (Glória Menezes), que é uma mãe para ela, não passa de ‘velha cretina e safada’. Nesta semana, Flora, em uma única frase e entre dois tabefes, chamou Dodi (Murilo Benício), seu aliado, de ‘canalha, irresponsável, incompetente, animal, imbecil, estúpido, toupeira e louco’. E Donatela (Cláudia Raia), a mocinha da história e sua arqui-rival, além de ‘vaca’, é ‘ignorante, burra, cafona e caipirona’.

Pillar conta não segurar o riso muitas vezes ao ler o roteiro e nas gravações, especialmente nas cenas com seus cúmplices, Silveirinha (Ary Fontoura) e Dodi. ‘A gente se diverte muito, apesar de ter um lado pesado. Flora tem um certo humor por ser uma pessoa sem limites. Às vezes, pensamos coisas que não dizemos. Ela é doente, louca e fala tudo. O humor ajudou a personagem e, nas ruas, percebo que telespectadores da novela falam comigo rindo e não com ódio’, diz a atriz à Folha.

O autor de ‘A Favorita’, João Emanuel Carneiro, que afirma ter se inspirado em si próprio ao criar Flora (leia entrevista à pág. E5), acredita que a língua solta da vilã funcione como uma psicanálise. Pillar sente também o efeito de dar sua voz a tantas barbaridades. ‘É como se, de alguma maneira, eu exercitasse essa liberdade sem nenhum ônus. E talvez ela provoque uma catarse no telespectador justamente pelo fato de não se reprimir. Isso é muito bom em uma época tão politicamente correta’, defende.

A maldosa é, para Pillar, ‘a personagem mais rica’ de sua carreira. A atriz vinha de uma seqüência de papéis de boazinhas, como Cândida, de ‘Sinhá Moça’ (2006), e Emerenciana, de ‘Cabocla’ (2004), e confessa: ‘Ser vilã é muito divertido. Ela pode tudo, é liberta. E a Flora é especialmente rica. Como finge ser boa para alguns, às vezes tenho que fazer dois personagens na mesma cena’.

Flora se revelou ao público 56 capítulos após a estréia da novela. Até então, não se sabia se era a mocinha ou a vilã. A partir daí, sua crueldade aumenta a cada capítulo, de forma surpreendente até para a sua intérprete. ‘Desde o início, sabia que ela seria má, mas não tão perversa’, conta Pillar. ‘Fazer esse papel é um desgaste louco, porque ela é um turbilhão, é aquecida, não pára de pensar, de armar coisas, nunca está relaxada. Conseqüentemente, é difícil para mim relaxar meu corpo também.’

Ibope

‘A Favorita’ termina em janeiro e será substituída por ‘Caminho das Índias’, de Glória Perez. Em sua primeira novela no horário nobre, Carneiro conquistou uma boa audiência para os novos parâmetros da teledramaturgia. A novela, que nas primeiras semanas marcou 36 pontos no Ibope, está agora com mais de 40 de média.’

 

***

‘Quem tem medo da Flora deve é ter medo de mim’

‘É João Emanuel Carneiro, e não Flora, o verdadeiro vilão de ‘A Favorita’. Estreante no horário nobre, o escritor afirma ter se inspirado em si próprio para criar a perversa personagem da novela das oito da Globo e brinca: ‘Muita gente me fala que tem medo da Flora. Deviam ter medo é de mim!’. Em entrevista à Folha, ele faz uma análise sobre sua vilã, interpretada por Patrícia Pillar (‘No fundo, ela se considera aleijão’), e afirma que escrever as famosas frases e expressões cruéis da personagem funciona para ele como fazer psicanálise.

FOLHA – Como define a Flora?

JOÃO EMANUEL CARNEIRO – A Flora é uma figura trágica. Como o Ricardo 3º [rei inglês do século 15, famoso por sua ambição e métodos cruéis para garantir a coroa], ela é um ser que ainda não se ‘individuou’. No fundo, ela se considera um aleijão. Não tem auto-estima. É incapaz de despertar o amor em alguém: no pai, num homem, na filha. Em seu discurso, ela se coloca como eterna rejeitada, como vítima. A maneira de preencher esse imenso vazio é o poder. Mas mesmo o poder nunca vai ser suficiente para satisfazê-la, para tapar esse buraco. Do outro lado, temos a Donatela, que é querida. Flora é simbiótica com Donatela. Como Flora não é nada, ela quer ser a outra.

FOLHA – De onde tirou inspiração para criar alguém tão mau?

CARNEIRO – De mim mesmo, ora. Todos nós temos um lado sombrio. O bom de escrever novelas é que você pode exorcizar esse lado sombrio na ficção. Vale por uma psicanálise. Muita gente me fala que tem medo da Flora. Deviam ter medo é de mim!

FOLHA – Você faz psicanálise?

CARNEIRO – Faço psicanálise há quatro anos.

FOLHA – E para inventar aquelas frases e expressões engraçadas que Flora diz? Quais são suas favoritas?

CARNEIRO – É uma coleção de atrocidades. Umas eu invento, outras escutei alguém dizer. Sem dúvida, o que mais pegou foi Flora chamar a filha de ‘purgantezinho’: ‘Ainda vou enquadrar aquele purgantezinho’. As coisas que a Flora diz são coisas que qualquer um com superego não se permite nem pensar, quanto mais dizer em voz alta. Por isso chamam tanto a atenção.

FOLHA – Existe gente como a Flora?

CARNEIRO – É claro que existe. É só você abrir os jornais. Uma crítica recorrente à minha novela é que ela mostra maldades demais. Mas eu estou com a Maria Clara Machado, que sempre defendia as bruxas e vilões nas suas peças e teatro. A criança, assim como o espectador de televisão, precisa da bruxa para trabalhar os seus fantasmas, as suas sombras. Sem a bruxa a história da Branca de Neve seria uma chatice absoluta, não acha?

FOLHA – Criar uma vilã tão clássica, uma verdadeira bruxa das fábulas, é uma forma de brincar com os clichês da teledramaturgia?

CARNEIRO – Flora não é uma vilã clássica. Ela passou 56 capítulos defendendo uma possível heroína. Essa é a novidade da novela. ‘A Favorita’ é uma fábula sobre a dúvida, sobre o julgamento que fazemos das pessoas, sobre as falsas aparências.

FOLHA – Mas a própria fábula da dúvida que diz ter criado com a Flora, de certa forma, não foi um jeito de jogar com os clichês da teledramaturgia, de fazer algo que não é óbvio com as obviedades -vilões muito maus, mocinhas muito boas- das telenovelas?

CARNEIRO – Você tem razão. É claro que essa idéia da ambigüidade da Flora e da Donatela foi uma maneira bastante ousada de brincar com os lugares comuns da teledramaturgia.’

 

Bia Abramo

Saem as novelas, entram as minisséries

‘Ok, 2008 tem sido um ano duro, duríssimo, para as telenovelas, mas não para toda a teledramaturgia. Tem sido um ano bom, até mesmo ótimo, para as minisséries -e dá para afirmar isso mesmo com poucas pistas sobre a ‘Capitu’ de Luiz Fernando Carvalho.

Tivemos as ótimas ‘9 MM São Paulo’ e ‘Alice’ na TV por assinatura e, agora na Globo, ‘Ó Paí, Ó’ (sextas, às 23h20), que, mesmo que não tenha as mesmas qualidades que as duas primeiras, é infinitamente melhor do que qualquer coisa que se esteja fazendo em novela.

Baseada no filme homônimo (o que, neste caso, é uma temeridade) de Monique Gardenberg, a série de seis episódios é simpática e divertida. Se, no filme, a leveza de certa forma pesava para o ‘folclorizante’ e caricato, na televisão o humor gaiato funciona bem melhor.

No cenário privilegiado do Pelourinho, entrecruzam-se vários tipos ‘baianos’ de uma Salvador urbana e boêmia -o aspirante a cantor, a travesti, a dançarina, a dona de boteco, o escroque etc.-, todos mais ou menos à margem, vivendo de bicos e pequenos expedientes. E há, claro, a eterna festa que os olhos turistas esperam de Salvador.

Lázaro Ramos é Roque, aspirante a cantor, galã e do bem. Matheus Nachtergaele, o escroque. Vários atores desconhecidos da TV, mas veteranos do Bando de Teatro Olodum (o grupo em que Ramos começou a carreira), compõem o elenco -destaque para a excelente Tânia Toko, a dona do boteco, e Lyu Arisson, a travesti, e para a estreante Aline Nepomuceno.

Os episódios têm sido mais ou menos irregulares -depois dos dois primeiros, ‘Mercado Branco’ e ‘Mãe e Quenga’, o seriado perdeu um pouco o fôlego. A série tem sido uma espécie de fenômeno de audiência regional. Tem registrado bons índices em Salvador: marcou média de 39 pontos nos três primeiros episódios. É óbvio, mas, ao mesmo tempo, a lição a se tirar talvez não seja assim tão evidente: a diversidade da experiência brasileira talvez não caiba mais num só formato.

Por isso, as minisséries são tão bem-vindas. Além de mais curtas (viva!) e mais bem cuidadas, não sofrem da pretensão de representar a ‘totalidade’ do imaginário nacional. E, ao mesmo tempo, conseguem abrir janelas para lugares, histórias e rostos que, no projeto maluco em que se transformou a telenovela e sua ambição de audiência universal, estariam de fora.’

 

CENSURA
Raul Juste Lores

Raro sucesso na China, Guns tem CD vetado no país

‘‘Banda americana lança CD que venenosamente ataca a China.’ Com essa manchete, o jornal estatal ‘Global Times’, de Pequim, deu o tom da cobertura do novo CD do Guns’n’Roses, ‘Chinese Democracy’.

‘O CD faz parte de um complô ocidental que quer controlar o mundo usando a democracia como garantia’, critica o jornal do governo.

O regime chinês bloqueou o site da banda e proibiu o CD no país. Menções sobre o disco em fóruns na internet são apagadas, e, nos sites de busca, o nome é bloqueado. Não só o linguajar da mídia chinesa consegue ser mais envelhecido que o hard rock de Axl Rose.

O Guns é um dos raros casos de bandas estrangeiras que tiveram algum sucesso na China. Na geração mais rebelde dos anos 80, que desembocou nos protestos (massacrados) da praça da Paz Celestial, virou trilha de chineses que começavam a ouvir música ocidental.

No país, onde todos os nomes estrangeiros são traduzidos, a banda é conhecida como Qiang Hua (flores de armas) e foi considerada a oitava banda mais popular de todos os tempos em especial da rede estatal CCTV.

Para driblar a censura, fãs procuram informações em sites de busca abusando de erros de ortografia, como ‘chinese democraxy’ ou ‘chi dem’.

O controle da música no país é similar ao do cinema -só 20 filmes estrangeiros podem estrear por ano, desde que não tenham mensagem política, nudez, cenas de sexo, violência e terror.

Música importada tem de obedecer regras, não pode afetar a ‘moralidade social’ ou promover ‘seitas malignas’.

Se as telas só mostram filmes locais ou produções da Disney (a atriz Gong Li já reclamou que a censura infantiliza toda uma geração), na música a censura também tem seu preço -os artistas estrangeiros mais populares na China são Celine Dion, Kenny G e Beyoncé.

Os Rolling Stones fizeram seu primeiro show no país em 2006, só depois de deixar de fora várias músicas vetadas pelo governo, como ‘Brown Sugar’, ‘Honky Tonk Woman’ e ‘Let’s Spend the Night Together’. O governo não aprovou as letras.

Mas, como em quase todo o consumo cultural na China, vários fãs já ouvem ‘Chinese Democracy’, baixando em sites ilegais e em cópias piratas.’

 

FUTURO
John Lloyd

Os donos da história

‘Os últimos 150 anos foram a era do jornalismo heróico, um período em que os jornalistas desenvolveram sua auto-imagem como responsáveis por corrigir os males da sociedade.

O período produziu testemunhas do horror, tais como William Howard Russell, do ‘The Times’, cujos artigos sobre a Guerra da Criméia ajudaram a destruir um governo e a modernizar o Exército britânico.

Houve jornalistas como o escritor francês Émile Zola, que colocaram sua pena a serviço da indignação, diante das falsas acusações movidas contra o capitão Alfred Dreyfus.

Já o jornalismo de denúncia ao estilo norte-americano gerou talentos como o de Ida Tarbell, que expôs as práticas da Standard Oil no começo do século 20 -período em que era difícil ver mulheres ocupando posições no jornalismo fora das páginas literárias e de moda.

E, dos anos 1960 em diante, uma legião de repórteres investigativos justificou sua existência com a criação de um quadro de profissionais intransigentes que exigiam que os poderosos prestassem contas.

Esses repórteres foram imensamente beneficiados pela fama e pelo status de Ed Murrow, jornalista de rádio e TV da [rede norte-americana] CBS nos anos 1950, e pelos jornalistas Carl Bernstein e Bob Woodward, do ‘Washington Post’, famosos por suas reportagens sobre o caso Watergate no começo dos anos 1970.

De diferentes maneiras, três livros recentes são produto da transição da era do jornalismo heróico para… O que, exatamente? Por enquanto, o novo modelo não tem nome.

As primeiras indicações são de que o melhor termo seja ‘era demótica’, devido à explosão de blogs, sites de redes sociais, e-mails e textos que a internet propiciou nos últimos dez anos -e tudo isso com uma intensidade não vista nem mesmo no período epistolar mais intenso da era vitoriana.

Em ‘SuperMedia’ [ed. WileyBlackwell, 216 págs., 14,99, R$ 53], Charlie Beckett considera a nova era sob esses termos. Antecipa o momento em que essa forma de jornalismo cidadão suplantará o modelo convencional e, em suas palavras, ‘salvará o mundo’.

Em ‘Can You Trust the Media?’ [Você Pode Confiar na Mídia?, Icon Books, 256 págs., 12,99, R$ 46], Adrian Monck, ex-produtor da ITV e da Sky e hoje professor de jornalismo na Universidade Metropolitana de Londres, derruba os mitos da era do jornalismo heróico ao negar esse heroísmo.

E os ensaios da coletânea ‘UK Confidential’ [Reino Unido Confidencial, Instituto Demos, Charlie Edwards e Catherine Fieschi (org.), 184 págs., 10, R$ 36] tratam da moderna suposição de que figuras públicas têm pouco ou nenhum direito a uma vida privada.

Blogs e nostalgia

De certa forma, os blogs e a web marcam um retorno ao jornalismo dos séculos 17 e 18 -um período empreendedor, no qual pessoas que tinham algo a dizer montavam seus negócios e publicavam panfletos e boletins noticiosos.

Também vivemos um período de maior incerteza, o que lembra a era vitoriana, quando os jovens aspirantes a literatos, vestidos com trajes modestos, ganhavam a vida trabalhando arduamente em um mercado formado majoritariamente por free-lancers.

O jornalismo do século 20, até agora, dependia de bases organizacionais: jornais com editorias, treinamento e estrutura de carreira; companhias de televisão que investiam em suas divisões de notícias e atualidades; sindicatos que por algum tempo deram aos jornalistas dos países desenvolvidos proteção ao menos semelhante àquela da qual os operários gráficos um dia desfrutaram.

Nem todos esses fatores desapareceram, mas diversos deles parecem oscilantes.

A paisagem atual está repleta de grandes fábricas de notícias que estão perdendo espaço e mostrando sinais de debilidade. A divisão de notícias da CBS, criada por Murrow, hoje conta com apenas alguns correspondentes estrangeiros, e quase nenhum zelo investigativo. O ‘Le Monde’, fundado por Hubert Beuve-Méry para restabelecer a honra do jornalismo francês no pós-guerra, está lutando para sobreviver.

O ‘Daily Express’, no passado uma presença dominante no mercado britânico médio, agora se reduziu a ponto de se tornar parte de um grupo dirigido por um pornógrafo.

O denominador comum a isso é a perda de audiência e de receita sofrida ao longo da última década. Existe, como aponta Charlie Beckett em ‘SuperMedia’, ‘pressão mais que suficiente para que temamos pelo futuro do jornalismo’.

Usando um excerto de um discurso proferido em 2007 por Ed Richards, presidente da Ofcom, a organização que fiscaliza a mídia britânica, ele propõe uma questão: ‘O abandono do consumo de notícias, quer em forma eletrônica convencional ou em forma impressa, parece ser uma tendência secular e em aceleração… Até que ponto isso influencia a existência de uma sociedade civil saudável?’

Trata-se de uma pergunta válida. O jornalismo baseou sua auto-imagem e sua justificativa para existir na crença de que seu trabalho permitia que os membros de sua audiência de massa se tornassem melhores cidadãos. Se o jornalismo desaparecer, o que acontece com a cidadania?

A pergunta que serve de título para o livro de Monck é respondida de maneira abrangente em seu ensaio: não, não se pode confiar na mídia, e aliás nunca se pôde.

Monck não acha que os padrões estejam em decadência, mas sente que a crescente falta de confiança é uma resposta pública racional à imprensa cada vez menos confiável.

‘Do ponto de vista comercial’, escreve, ‘confiança é um ativo sem valor’. Ele zomba da ‘tocante fé em que, caso as pessoas testemunhem a verdade, agirão pelo bem’, e enfatiza a bagagem emocional, e não racional, que os leitores e espectadores carregam com eles ao avaliar cada questão.

Afeto e exasperação

Se o jornalismo está em crise, alguns dos componentes dessa crise são tão antigos quanto o jornalismo -e indissociáveis dele. Em seu livro, acessível e escrito de maneira vivaz, Monck conclui expressando a certeza de que precisamos do jornalismo, mas ainda assim o encara com uma mistura de afeto e exasperação, como algo de falho que, quando faz o bem, o faz por acidente.

Em contraste, o argumento de Beckett está resumido em seu subtítulo: ‘Salvando o Jornalismo para Que Ele Possa Salvar o Mundo’.

E o autor parece estar falando sério. Ele eleva o ‘jornalismo cidadão’ -termo que engloba toda forma de comunicação, de blogs a depoimentos amadores sobre desastres ou guerra e sites de jornalismo amador na web- à posição de salvador do jornalismo.

Acima de tudo, Beckett acredita que, ‘quanto mais os jornalistas se comportarem como cidadãos, mais forte será o jornalismo’. Ele também acredita que o jornalista precisa ter como base a realidade experimentada, e que o jornalismo cidadão extrai sua legitimidade e sua prática dessa realidade.

Beckett defende parte de seus argumentos mencionando o exemplo do ‘Fort Myers News-Press’, da Flórida, um jornal que pressionou por acesso à lista dos pagamentos de assistência às vítimas do furacão Katrina.

Em seguida, o jornal publicou a lista e convidou seus leitores a informar a Redação em caso de quaisquer anomalias nos pagamentos. As denúncias foram usadas como base para uma série de reportagens.

E, em uma bela passagem sobre o jornalismo africano, cita extensamente blogs bem-informados e raivosos mantidos por africanos, os observadores mais capazes de testemunhar o comportamento criminoso de seus governos corruptos.

Os blogs expressam opiniões que muitas vezes terminam censuradas nos jornais e, especialmente, nas rádios e estações de TV africanas.

Há um porém -ou poréns.

Em primeiro lugar, as tentativas de fazer do jornalismo cidadão uma prática cotidiana não funcionaram bem até o momento.

Em segundo lugar, a maioria do jornalismo político convencional que surgiu na blogosfera não elevou o nível ético.

O mais famoso desses novos jornalistas políticos é Matt Drudge, hoje um homem poderoso na mídia. Ganhou fama inicialmente ao revelar o caso entre Monica Lewinsky e [o então presidente dos EUA] Bill Clinton e continua a explorar esse filão de boatos, acusações e insinuações.

Terceiro, não está realmente claro o que quer dizer ‘comportar-se como cidadão’, para um jornalista, ou o que seria ‘se comportar como jornalista’, para um cidadão. Os cidadãos muitas vezes não querem forma nenhuma de jornalismo.

Privacidade

‘Reino Unido Confidencial’ observa o jornalismo pela lente da tecnologia e age como uma espécie de comentário cético a respeito.

O que essa coletânea muito diversificada demonstra é que o desejo benigno das empresas e do governo de acelerar o acesso a bens e serviços significou, na prática, que o público transferiu, em grande medida sem se incomodar muito, vasto volume de dados pessoais a empresas e ao governo.

Então, não existe maneira de escapar às atuais misérias do jornalismo?

Não de um salto, creio.

Mas, apesar do realismo frio de Monck e dos alertas dos ensaístas do Demos sobre a necessidade de defender a privacidade -e não investigá-la-, Beckett aponta para algo novo que está acontecendo: a capacidade e disposição do público para contribuir na produção de sua narrativa.

Podemos vislumbrar um mundo no qual aqueles que estão ávidos por dizer alguma coisa agora podem fazê-lo, se bem que para audiências muitas vezes restritas.

Quem desejar prestar testemunho sobre horrores e maravilhas pode transmitir suas palavras e imagens. Quem se indigna com suspeitas de delitos empresariais ou governamentais pode encontrar ferramentas que permitem investigar e expor.

Tudo isso resulta em considerável ganho de poder e, se não implica ainda que a prática do jornalismo tal qual o conhecemos esteja destronada -algo que espero jamais aconteça-, ao menos oferece a democrática possibilidade de nos tornarmos, nós todos, heróis.

JOHN LLOYD é autor de ‘What the Media Do to Our Politics’ [O Que a Mídia Faz para Nossa Política] e colaborador do jornal ‘Financial Times’, onde a íntegra deste texto foi publicada.

Tradução de Paulo Migliacci.’

 

 

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