O Brasil avança em diversos setores, mas a luta pela efetiva democratização dos meios de comunicação no país e pelo fim do controle exercido por alguns poucos grupos empresariais sobre a produção jornalística e cultural brasileira está apenas começando e precisa ser travada já. Esta foi a mensagem passada pelas centenas de representantes da sociedade civil, do empresariado e do poder público que participaram do primeiro dia de debates da Conferência de Comunicação de São Paulo, realizado neste sábado (21) na Assembléia Legislativa. A conferência paulista, por sua enorme representatividade, serve como termômetro para as discussões que deverão nortear a 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que acontecerá em Brasília entre os dias 14 e 17 de dezembro.
Assim como vêm fazendo nas demais conferências estaduais, as principais entidades representativas da grande mídia no Brasil, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert), boicotaram a conferência em São Paulo. Isso fez com que o setor empresarial ficasse dividido basicamente em dois grupos: os pequenos empresários da imprensa alternativa e as emissoras Bandeirantes e Redetv, reunidas na Associação Brasileira de Radiodifusão (Abras).
Representando a sociedade civil empresarial, o diretor-executivo da Carta Maior, Joaquim Ernesto Palhares, afirmou que, apesar do discurso dos grandes conglomerados de mídia em defesa de uma suposta liberdade de imprensa, ‘o poder midiático no Brasil está concentrado nas mãos de um pequeno grupo de famílias e suas respectivas empresas, que dominam o sistema de produção e difusão de informações e detém a imensa maioria dos recursos de publicidade públicos e privados’.
Palhares lembrou que, dona de mais de 220 veículos, entre próprios e afiliados, a Rede Globo ‘controla sozinha mais da metade do mercado televisivo brasileiro’. Além da família Marinho, citou como principais ‘donos da comunicação no Brasil’ as famílias Sirotsky (RS e SC), Jereissati (CE e AL), Daou (AC, AP, RO e RR), Magalhães (BA), Zahran (MT e MS) e Câmara (GO, TO e DF): ‘Em suas manifestações editoriais, todas essas empresas afirmam a independência como um valor que, supostamente, definiria seu trabalho. Mas, são independentes do quê e de quem exatamente? Essa pergunta nunca é respondida, porque a resposta mostraria que o rei está nu’, disse.
Processo histórico
O professor da USP Laurindo Lalo Leal Filho afirmou que o processo de construção da Conferência Nacional de Comunicação já entrou para a história do país: ‘Nunca se discutiu tanto a comunicação no Brasil do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Durante décadas, esse debate foi restrito a alguns círculos acadêmicos ou sindicais. Hoje, toda a sociedade brasileira entende a necessidade de discutir criticamente os meios de comunicação para transformá-los’.
Lalo cita a conferência como ‘uma vitória histórica’ do povo brasileiro: ‘Nós estamos desinterditando um debate que, até aqui, sempre esteve interditado. A conferência abre uma fresta em uma porta que sempre esteve trancada. Nós pusemos o pé e essa porta não se fechará mais, como esteve fechada há oitenta anos, desde o advento do rádio no país. Essa área sempre foi uma terra privada, onde a sociedade nunca pôde se manifestar para dizer o que espera dos serviços públicos de rádio e televisão’.
‘O Estado brasileiro tem que resgatar a dívida social histórica no que se refere a comunicação’, afirmou Lalo: ‘O espectro eletromagnético por onde trafegam as ondas de rádio e televisão no Brasil foi tratado desde o início como terra ninguém. São como terras devolutas, que os grupos empresariais foram gradativamente ocupando em busca de dar conta de seus interessantes econômicos que, mais tarde, se articularam com interesses políticos. Essas terras devolutas precisam ser retomadas pelo Estado. A sociedade tem o direito de exercer esse controle. Não podemos mais viver sob a égide de uma legislação de radiodifusão criada em 1962’.
Diversificação
Outro ponto fundamental para a democratização da comunicação no Brasil, segundo os participantes da conferência paulista, é a diversificação da produção do conteúdo cultural e jornalístico oferecido à sociedade. Foram citados fatores como o incentivo à produção de conteúdo nacional independente e à produção regional e comunitária, a garantia de distribuição e a criação de incentivos de tributação, entre outros.
O jornalista Pedro Pomar criticou a ‘pasteurização do conteúdo’ produzido pelas grandes empresas de mídia no Brasil: ‘Assistimos a uma verdadeira enxurrada de produtos que ignoram completamente nossas referências culturais e nacionais. As empresas se orientam pela lógica do capital, que quer vender em grande escala e quer vender barato. Para isso, ele oferece produtos nem sempre de boa qualidade e entra em diversos mercados para viabilizar a venda desses produtos’.
Citando o professor Renato Ortiz, da Unicamp, Pomar deu um exemplo da resistência das grandes empresas de comunicação à tentativa de mudanças no setor: ‘Recentemente, quando ocorreu o debate em torno das mudanças na Lei Rouanet e do financiamento das produções culturais, algumas pessoas ligadas à Rede Globo falaram em dirigismo estatal da cultura’. Segundo Ortiz, não existe espaço para isso, pois o dirigismo cultural já existe e é praticado por uma grande emissora, que é a TV Globo. ‘É preciso garantir a diversidade de produção de conteúdo, pois o Brasil é muito maior do que o Projac.’
Os interesses dos senhores da mídia, segundo Pomar, sempre prevaleceram aos interesses da população brasileira: ‘A hegemonia do pensamento único foi fabricada a partir da seleção de fontes. Determinadas idéias-força, como a apresentação das privatizações e do Estado mínimo como uma coisa positiva, da necessidade do achatamento salarial e do abandono da Previdência Social foram marteladas todos os dias nos ouvidos da população brasileira. O conglomerado de mídia deu um suporte muito grande a mudanças que foram extremamente prejudiciais ao Estado e ao povo brasileiro’, disse.