Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

América Latina: para quem vai o lítio?

O lítio é um mineral sólido específico. É extremamente leve, o mais leve de todos os produtos químicos sólidos conhecidos. Embora leve, podem ser (e serão) pagos grandes valores por esse mineral. Ele permite que a eletricidade seja armazenada durante muito tempo. A invenção das baterias elétricas de lítio, em 1991, atendeu à demanda por veículos limpos. Os carros elétricos de amanhã, elementos importantes na transição energética, foram logicamente equipados com baterias de lítio. A demanda por esse minério aumenta de 15 a 20% ao ano.

Essa perspectiva está despertando o interesse de muitos governos e empresários na América Latina. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, México, Peru, de fato têm lítio de sobra. Mas eles não são os únicos a olhar com interesse para o que alguns já chamaram o novo ouro branco. Potências econômicas e fabricantes de automóveis dos quatro cantos do mundo estão incisivamente de olho neste novo Eldorado. Uma pergunta vem então naturalmente à mente. Será que este novo ouro branco, tal como o seu antecessor dourado, vai escorregar pelos dedos dos habitantes locais e cair nas mãos de chineses, alemães, franceses, japoneses, suecos ou americanos?

A história, disse-nos o seu filósofo, não se repete. Exceto como uma farsa gaguejante. É verdade que a América Latina de hoje pouco tem a ver com as terras conquistadas pelos europeus no século XVI. No entanto, ainda não se encontra em pé de igualdade na concorrência econômica global. E por isso corre o risco de ver uma promissora gansa dos ovos dourados voar para longe.

A caça ao lítio está em pleno andamento e com concorrentes formidáveis. E, nesta corrida, as empresas chinesas estão na dianteira. A Ganfeng Lithium está trabalhando arduamente na província argentina de Salta, assim como na província de Jujuy existe outra empresa chinesa, a Zijin Mining. As britânicas Bacanora Lithium estão no estado mexicano de Sonora, em parceria com a Gangfeng Lithium da China. As canadenses American Lithium e Plateau Energy estão competindo o solo na região de Puno, no Peru. A empresa francesa Eremet acaba de participar da disputa. No início de novembro de 2021, anunciou a construção de uma fábrica de lítio na província argentina de Salta, em operação conjunta com a chinesa Tsingshan. A SERI, uma empresa italiana, inaugurou em 2019 em Jujuy, Argentina, a primeira fábrica de baterias de lítio na América Latina. A Toyota do Japão está também nos Andes argentinos, em Jujuy.

A América Latina corre o risco de ser dilacerada? Será capaz de quebrar o círculo vicioso da exploração com este novo ouro branco? Vários dos estados envolvidos estão trabalhando para controlar a corrida internacional pelo lítio e isso com diferentes graus de sucesso. A Bolívia e o México demonstraram um nacionalismo mineiro inicialmente intransigente. Para o Presidente Evo Morales, o lítio 100% boliviano deveria fazer do país a Arábia do século XXI. O projeto por ele defendido dizia respeito não só ao controle da extração, mas também ao desenvolvimento local do minério. Pretendia equipar o seu país com uma fábrica que produzia baterias para veículos elétricos. Para tal feito, em 2008, criou uma empresa pública, a YLB, a Bolivian Lithium Deposits. Andrés Manuel López Obrador, o chefe de estado mexicano, entregou a gestão de todos os recursos elétricos à CFE – Comissão Federal de Eletricidade.

A Argentina e o Chile escolheram um caminho menos radical. Os seus governos preferiram negociar com as grandes empresas mineradoras. A grande maioria destas são chinesas. No Chile, a única empresa nacional, a SQMC – Chilean Mining and Chemical Company, escolheu em 2018 vender 24% do seu capital à empresa chinesa, Tianqui Lithium. Os interesses chineses estão também presentes no outro produtor “chileno”, o Albermarle norte-americano. Como a Argentina é federal, as suas províncias têm jurisdição sobre a mineração. Três províncias com depósitos de lítio, Catamarca, Jujuy e Salta, uniram forças para negociar o ótimo desenvolvimento dos seus recursos minerais dentro da Região Mineira de Lítio (LMR). Como vimos, eles chegaram a um acordo com o capital majoritariamente chinês.

Uma observação começa emergir. Apesar das linhas de resistência que foram construídas, os governos locais foram forçados a submeter-se ao mercado. A Bolívia, que está trabalhando num projeto soberano desde 2008, ainda não produz lítio. Negociou um acordo com uma empresa que tem o know-how o qual, apesar disso, ainda não conseguiu adquirir, a empresa chinesa Xinjiang TBEA. Os fabricantes de automóveis norte-americanos anunciaram que as suas fábricas mexicanas irão comprar as suas baterias elétricas dos EUA. Desse modo, contornando o CFE. Os outros desistiram e estão fazendo o melhor que podem, organizando congressos internacionais de lítio na América Latina, como a Argentina tem feito durante vários anos. Esta abertura foi aproveitada pelos principais produtores mineiros ocidentais. Mas tendo em conta todos os projetos que foram concluídos e os que estão em construção, os “conquistadores” de lítio vêm do Ocidente. Os grandes vencedores nesta caça ao novo ouro branco latino-americano são chineses.

Texto publicado originalmente em francês, em 10 de novembro de 2021, na seção ‘Actualités, Amérique Latine’ do Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Amérique latine: Pour qui sonne le lithium?”. Disponível em: https://www.espaces-latinos.org/archives/103194. Tradução: Adriana Cicera Amaral Fancio e Andrei Cezar da Silva. Revisão de Luzmara Curcino.

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LABOR – Laboratório de Estudos do Discurso – UFSCar e com o LIRE – Laboratório de Estudos da Leitura.