Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O Chile de Gabriel Boric e o clima internacional

(Foto: Diego Izquierdo)

Qual será a política externa do presidente chileno eleito em 19 de dezembro de 2021, Gabriel Boric Font? A questão não foi discutida profundamente durante a campanha eleitoral. Nada poderia ser mais normal. O dia a dia, a segurança social dos cidadãos, para a esquerda, e a segurança física, para a direita, são preocupações com muito mais apelo e urgência junto aos eleitores do que o tema das relações internacionais.

Gabriel Boric vai romper ou continuar com a política externa de seu predecessor, Sebastián Piñera? Para dizer claramente, qual é o lugar da ideologia nas relações exteriores? Sebastián Piñera foi um presidente liberal de centro-direita. Gabriel Boric Font é um chefe de Estado com os pés firmemente fincados na esquerda. Sem informações suficientes até o momento, é difícil fornecer uma resposta totalmente documentada. Dito isso, um exame do legado de Piñera em toda sua diversidade nos permite dar algumas diretrizes sobre o que poderia ser a política externa de Gabriel Boric.

Sebastián Piñera perpetuou uma linha que tem sido dominante desde a ditadura de Augusto Pinochet, a de uma diplomacia que é acima de tudo econômica. Os acordos de livre comércio assinados com as principais potências comerciais e tecnológicas (China, Estados Unidos e União Européia) foram respeitados e até mesmo renovados. O Chile resistiu à pressão do governo de Donald Trump, que tentou reduzir o volume e a qualidade de seu comércio com Pequim. Santiago tem mantido sua intenção de negociar com a Huawei para se equipar com a tecnologia 5G. E as vacinas chinesas foram adquiridas para imunizar a população.

O Chile procurou valorizar suas conquistas, elogiadas pela imprensa empresarial internacional, oferecendo-se para sediar uma cúpula do Fórum do Pacífico (APEC) e a COP25 em 2019. Ao mesmo tempo está patrocinando, com a Costa Rica, uma conferência ambiental latino-americana conhecida como Acordo Escazú. Os graves eventos sociais de 2019 não permitiram que o Chile organizasse esses encontros. A COP25 foi realizada em Madri. O Acordo de Escazú não foi ratificado pelo Chile devido a um escândalo ecológico e financeiro que afetou o presidente Piñera.

O realismo impôs algumas limitações a suas relações com a região. Sébastián Piñera felicitou sistematicamente seus colegas que acabavam de ser eleitos. Apesar das orientações políticas distintas, o Chile de Piñera tem mantido relações cordiais com a Argentina de Alberto Fernández e com o México de Andrés Manuel López Obrador. No entanto, as relações com a Venezuela assumiram uma forma mais ideológica do que realista. O Chile aderiu ao Grupo Lima, em 2017, que foi concebido, com a conivência dos Estados Unidos, para isolar Caracas. Retirou-se da estrutura intergovernamental criada pelos governos nacionalistas dos anos 2010, a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL). Para substituí-la, propôs a criação de uma nova aliança PROSUL.

Será que Gabriel Boric irá ou poderá assumir este legado? Sim e não, apesar do choque em todos os ângulos de uma vitória plena potencialmente de novas alternativas internas e externas. A prioridade será dada à vizinhança regional tanto hoje como amanhã. Gabriel Boric foi parabenizado por todos, da Colômbia à Venezuela, passando por Cuba e Equador, com exceção do Brasil. Sua primeira viagem será à Argentina, esclareceu sua comitiva. Afinal, Buenos Aires é uma parceria histórica e estratégica. “Tenho que falar com todos”, disse ele, independentemente das orientações ideológicas dos demais governos. Essa sua posição confirma a abertura econômica do país. Uma posição coerente com as disputas territoriais longínquas e não resolvidas com a Bolívia e a Argentina. Uma posição que também é necessária para enfrentar os desafios imigratórios que pesaram na campanha eleitoral e que perturbaram a vida social de uma sociedade que não estava preparada para receber tantos imigrantes (haitianos, peruanos, venezuelanos) em tão pouco tempo.

Santiago deve ratificar, ao mesmo tempo, todos os tratados comerciais negociados em particular com a China, os Estados Unidos e a União Europeia. E na América Latina, com os membros da Aliança do Pacífico, México, Colômbia e Peru. A maneira como isso será feito dependerá do equilíbrio de poder junto à maioria do congresso no governo. Também dependerá dos compromissos assumidos com a União Europeia, que está disposta a estender seu acordo bilateral, de acordo com as propostas feitas na noite da vitória de Gabriel Boric por seu representante internacional, Josep Borrell. Finalmente, dependerá de um compromisso a ser construído com os Estados Unidos e a China, parceiros essenciais, mas mutuamente incompatíveis.

Não, não haverá continuidade absoluta, na medida em que algumas inflexões foram anunciadas, em especial, ligadas à estabilidade interna que a votação garantiu. Estabilidade reparadora que permitirá ao país renovar as suas ambições externas, suspensas em 2019, pelos “acontecimentos” sociais que paralisaram a sua diplomacia. O país deve assinar o Acordo de Escazú, destinado a proteger o meio ambiente regional e os seus ativistas. A equipe presidencial sugeriu que o Chile agirá a favor de uma melhor articulação sul-americana, em termos de relações intergovernamentais e direitos humanos. A integração econômica seria, portanto, excluída. Neste contexto, o Chile poderia, embora isto ainda não tenha sido indicado, distanciar-se do Grupo de Lima “ocidental”, que é hostil a qualquer compromisso em relação à Venezuela. Também poderia colocar a PROSUL, uma instituição de cooperação sul-americana entre governos de direita, em modo de espera. Além disso, se forem confirmadas outras mudanças progressivas no Brasil e na Colômbia, o Chile poderá participar de reuniões de governos progressistas para coordenar iniciativas a favor do multilateralismo, da paz e do progresso democrático.

O presidente Gabriel Boric será sem dúvida abordado pelo grupo de membros da ALBA, a Aliança Bolivariana dos Povos de Nossa América (Cuba, Nicarágua, Venezuela), que, em 14 de dezembro, lançou as bases para uma união econômica fortalecida. O Partido Comunista do Chile, uma parte importante da maioria, é a favor. No entanto, Gabriel Boric e os outros componentes de sua maioria distanciaram-se clara e repetidamente dos regimes da Nicarágua e Venezuela, considerados antidemocráticos.

Texto publicado originalmente em francês, em 24 de dezembro de 2021, na seção ‘Actualités, Amérique Latine’ do site Nouveaux Espaces Latinos, Paris/França, com o título original “Le Chili de Gabriel Boric et son environnement international”. Tradução: Jeniffer Aparecida Pereira da Silva e Débora Cristina Ferreira Garcia. Revisão de Luzmara Curcino. 

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Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris, e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe. É formado em Ciências Políticas pelo Instituto de Estudos Políticos de Bordeaux e Doutor em História Contemporânea pela Universidade de Bordeaux III. Atua como observador internacional junto às fundações Friedrich Ebert e Jean Jaurès. É autor, entre outros, do livro “Amérique Latine: Insubordinations émergentes” (2014), e colabora frequentemente com o Observatório da Imprensa, em parceria com o LIRE (Laboratório de Estudos da Leitura) e LABOR (Laboratório de Estudos do Discurso), ambos na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos).