Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jean Ziegler e o revolucionário africano Sankara

(Foto: PIRO4D/Pixabay)

O tardio processo contra os autores e mandantes do assassinato do líder panafricano Thomas Sankara, há 34 anos, relançou o debate sobre a neocolonização africana e sobre a ameaça religiosa do avanço do islamismo, religião que mais cresce na África. Quaisquer semelhanças com a expansão da teologia do poder evangélico nas Américas não seriam meras coincidências. Esse processo tinha sido interrompido com um novo golpe militar, há três semanas, mas agora prossegue.

O retorno à atualidade do nome de Thomas Sankara, traz também à atualidade um dos grandes admiradores do líder africano. Trata-se do sociólogo, político e escritor suíço Jean Ziegler, hoje com 88 anos, vivendo no cantão de Genebra. Ziegler, o tribuno suíço que durante anos denunciou o poder dos bancos suíços, é também autor de numerosos livros entre os quais um bastante conhecido e comentado no Brasil, “A Suíça Lava Mais Branco”. Sempre livros de denúncias relacionados com o poder financeiro e com o neocolonialismo na África.

Vale lembrar que durante oito anos, Ziegler foi o relator especial da ONU para o direito à alimentação e, durante esse longo mandato, dedicou especial atenção ao Brasil. Conheci Ziegler bem antes, ao fazer uma primeira entrevista com ele, quando trabalhava na Rádio Suíça Internacional. Nessa época, tinha sido lançado o livro “Uma Suíça Acima De Qualquer Suspeita”, primeira grande denúncia internacional sobre as espoliações feitas em nome do segredo bancário.

Acostumado com as perseguições feitas aos líderes populares, inclusive seus assassinatos, nos movimentos de libertação africanos e latino-americanos, Ziegler era vice-presidente do Comitê Consultivo dos direitos humanos da ONU, quando publicou na imprensa francesa um artigo em defesa e pela libertação de Lula, no qual dizia “Lula revolucionou o Brasil ao eliminar até certo ponto a miséria”. E talvez seja oportuno destacar uma frase, num momento em que se fala num novo empobrecimento dos brasileiros e no retorno à vida nas ruas, à miséria e à fome, criando uma cartografia da fome, nos lembrando do livro de Josué de Castro.

“Vou lhes dar uma só cifra, escreveu Ziegler, porque eu era relator especial do direito à alimentação das Nações Unidas e, nessa época, tive de lidar muito sobre isso com Lula da Silva. Em 2002, quando Lula foi eleito pela primeira vez, 21,8% dos brasileiros viviam em permanência subalimentados. Depois de Lula e graças ao plano Fome Zero, essa subalimentação praticamente acabou”.

Mas retornando ao nosso tema africano, quando Ziegler era professor de sociologia na Universidade, em 1984, foi o próprio Sankara quem lhe contatou por telefone de Ouagadougou, capital do antigo Alto Volta agora Burkina Faso, para que fosse encontrá-lo, pois havia lido seu livro sobre o neocolonialismo africano. É o próprio Ziegler quem relembra o encontro e a amizade criada entre os dois até o assassinato de Sankara três anos depois, numa entrevista concedida ao jornal Le Temps de Genebra. Thomas Sankara e as transformações por ele feitas em Burkina Faso voltaram a ser atuais e rediscutidas com a abertura do processo sobre seu assassinato, há 34 anos.

Ziegler havia dedicado dois livros ao jovem revolucionário africano: “Thomas Sankara, O Novo Poder Africano”, em 1986, e a quarta parte do livro “A Vitória Dos Vencidos”. Para Ziegler, os grandes líderes africanos da primeira geração da independência contra o colonialismo foram Patrice Lumumba, Kwame Nkrumah e Sekou Touré, seguindo-se Thomas Sankara, na luta contra o neocolonialismo.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu “Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.